terça-feira, 14 de agosto de 2012

As contradições do Estado judeu democrático





Nelson Mandela, free Palestine, boycott Israel

Lei contra infiltração prevê pena de 3 anos de prisão, sem direito à julgamento, à todos os imigrantes que entrarem ilegalmente em Israel, sem fazer distinção entre imigrantes ilegais e os refugiados. Está cada vez mais claro que o modelo sionista prevê um Estado excludente e colonizador

"Vivendo sob as trevas do Holocausto e esperando ser perdoados por tudo o que fazem em nome do que eles sofreram parece-me ser abusivo. Eles não aprenderam nada com o sofrimento dos seus pais e avós."

José Saramago


Por Luciana Garcia de Oliveira*

Sob o prisma do “problema judeu” emergido desde os pogroms e o antijudaísmo na Europa, há que se notar a terrível semelhança no tratamento aos palestinos nos territórios ocupados e, mais atualmente, aos imigrantes africanos em Israel, Estado criado em 1948, oficialmente como refúgio para os judeus, vítimas das perseguições na Europa e na União Soviética e para os sobreviventes do holocausto nazista.

Isso porque, no início de 2012, em mais uma decisão arbitrária do parlamento israelense, foi aprovada uma lei, denominada de Lei contra infiltração, que prevê pena de 3 anos de prisão, sem direito à julgamento, à todos os imigrantes que entrarem ilegalmente no país, sem fazer distinção entre imigrantes ilegais e os refugiados. Cabe ressaltar, no entanto, que o Estado de Israel é membro signatário da Convenção das Nações Unidas sobre o Estatuto dos Refugiados, por isso teria o dever de conceder asilo político a esses imigrantes, uma vez que o status de refugiado é conferido a todo imigrante que corre risco de vida ao regressar ao seu país de origem, como é justamente o caso dos imigrantes advindos de países como a Eritréia e o Sudão, com grande incidência de guerras civis, massacres e crimes de genocídio.

Esse dispositivo legal, foca especialmente os imigrantes africanos de uma maneira geral, sobretudo os 157 africanos já reconhecidos pelo Ministério do Interior como refugiados, que entraram no país por terra através da fronteira Israel-Egito, pelo deserto do Sinai. Assim, para conter esse tipo de “infiltração” as autoridades israelenses, começaram a construir, desde janeiro, uma cerca ao longo da fronteira com o Egito. Além dessa medida, está prevista a construção de um grande campo de detenção que será localizado no sul do país, denominado Saharonim, com capacidade para 10 mil imigrantes e que deverá abrigar inclusive crianças que entrarem de maneira irregular no país.

É estimado, no entanto, que esses imigrantes representam cerca de 10% da população local de Tel Aviv, cujo total populacional gira em torno de 400 mil habitantes. E, o desagrado da sociedade israelense com relação aos imigrantes do Sudão e da Eritréia tem sido demonstrado muito além das medidas judiciais. Foi em meados do mês de abril que foi registrada ocorrência de que quatro casas e uma creche de refugiados africanos em Tel Aviv, haviam sido alvos de bombas incendiárias, em um ataque atribuído a um grupo de extrema direita, “Comitê contra infiltrados”, cuja bandeira é a defesa da qualidade de vida dos moradores e contra a desvalorização dos imóveis quando há incidência da presença dos refugiados nos espaços públicos como ruas, parques e praças de determinados bairros da capital de Israel.

Mais pra frente, em maio, houve ocorrência de que centenas de manifestantes israelenses atacaram covardemente alguns imigrantes africanos e depredaram muitas lojas e veículos, após um comício organizado por moradores de Tel Aviv contrários à presença dos africanos no país. O evento político contou inclusive com a presença de alguns deputados do partido Likud e de outros partidos de coalizão do governo. Segundo a jornalista Guila Flint, foi durante esse evento que a deputada Miri Regev chamou os imigrantes africanos de “câncer em nosso corpo”. 

Ações violentas

Todas as ações violentas contra esses indivíduos foram atribuídas ao governo de Israel, de acordo com as palavras de Sigal Rozen, diretora da ONG Moked, instituição de defesa dos direitos humanos dos imigrantes africanos. Segundo a ativista, citada no artigo Imigrantes africanos são perseguidos por multidão e agredidos após comício em Tel Aviv, “os líderes do governo, que chamam os refugiados de ‘infiltradores de trabalho’ e incitam os moradores contra eles, são os responsáveis pela violência”. De acordo com as palavras de Rozen, o primeiro ministro Benjamin Netanyahu teria alegado publicamente que a “inundação” de imigrantes africanos em Israel representa uma “ameaça à segurança e ao caráter judaico e democrático de Israel”.

Essas ações violentas geralmente correspondem à opinião de grande parcela dos moradores da cidade, como a de Benny Shlomo, que na matéria intitulada Presença crescente de imigrantes africanos gera polêmica em Israel, afirmou que todos os imigrantes em situação irregular, sem exceção, deveriam ser “imediatamente expulsos”, muito devidamente ao suposto aumento do índice de criminalidade nos bairros onde há predomínio da presença desses imigrantes. Nesse sentido, segundo o departamento de pesquisa do Parlamento israelense, foi apontado que o índice médio de criminalidade entre o total de imigrantes em situação irregular é de 2,04%, enquanto o índice na população geral é de 4,99%, segundo a mesma matéria.

É demostrado, por sua vez que, o aumento da violência em Israel está diretamente relacionado ao aumento do número de refugiados no país nos últimos anos. Sobre isso, o comandante de polícia, Yohanan Danino defende que, para conter o aumento da criminalidade entre os imigrantes africanos (ou pelo menos evitar que a situação piore), é necessário que o Estado permita que eles trabalhem para que possam se sustentar. Porém, o governo não lhes concedem empregos formais.

Irmãos africanos e palestinos

A situação vivida pelos imigrantes africanos é muito semelhante à situação de milhares de palestinos: em ambos os casos não são concedidos status legal dentro de Israel. O que torna tanto os palestinos como os africanos seres invisíveis e à mercê de quem quer explorá-los. A única diferença, apontada no artigo Today Israel moved one step closer to nazi Germany circa 1938, é que os africanos, particularmente, encontram-se dentro do corpo político de Israel, enquanto os palestinos já foram afastados e excluídos da política sionista.

Entre as muitas causas alegadas para a discriminação dos palestinos e dos demais estrangeiros (não-judeus) em Israel, atribui-se a “ameaça demográfica” um destaque especial, uma vez que a defesa do caráter judaico- sionista de Israel é consenso entre todos os sionistas. Diante desse modelo de “Estado judeu democrático”, é sumariamente defendido que algumas medidas drásticas devem ser tomadas contra os imigrantes, sobretudo os da África e os palestinos, ao contrário, haverá uma redução considerável da população judaica nas próximas décadas.

Esse tipo de ameaça pôde ser comprovada, muito recentemente, em um programa de rádio em Israel, a qual o Ministro do Interior, de maneira bastante alarmista, afirmou: “Eu quero que todos sejam capazes de andar pelas ruas sem medo ou receio ... Os imigrantes estão prestes à dar à luz à cetenas de milhares, e o sonho sionista esta morrendo”.

Ainda, durante toda a onda de violência física e verbal contra os refugiados africanos em Israel, muitos judeus etíopes têm sofrido, da mesma forma, com o racismo contra os negros, desde o ano passado, quando houve uma grande incidência de manifestações de rua por parte da comunidade etíope, após algumas escolas se recusarem a matricular alunos etíopes e alguns condomínios proibirem o aluguel de apartamentos aos membros dessa comunidade.

Foram, inclusive, durante as perseguições aos africanos nesse ano que um advogado etíope teve a iniciativa de confeccionar algumas camisetas com os seguintes dizeres: “cuidado, não sou infiltrado africano”, com a estrela de Davi estampada em fundo amarelo. O que, por outro lado, desagradou muitos ativistas etíopes, sobretudo os integrantes do grupo Young Ethiopian Students (YES), os quais discordaram veementemente desse gesto, sob a alegação de que o slogan da camiseta passa a mensagem de que os judeus etíopes querem se diferenciar dos demais imigrantes africanos. O que, de certa forma, poderia legitimar todas as agressões cometidas.

De fato, todas essas ações e discursos discriminatórios e racistas são ainda mais assustadores quando advindos por parte daqueles que, como Hannah Arendt, já foram perseguidos no passado. E, justamente essa passagem trágica do passado judaico, fomentou muitas manifestações em Israel sob o slogans “We are all refugees” (“nós somos todos refugiados”), numa clara alusão ao passado e ao reconhecimento sincero do sofrimento dos imigrantes africanos.

A contradição

Ao reafirmar-se como “Estado judeu democrático, Israel torna-se uma contradição. Por um lado, serviu desde antes de sua proclamação como um “lar nacional para o povo judeu” (descrito na declaração Balfour), por outro lado, um grupo extremista endossado por muitos cidadãos israelenses, exercem contra os palestinos e, mais recentemente contra os refugiados africanos, tudo o que foram submetidos no passado. Toda brutalidade cometida contra os não-judeus em Israel, nos revela que Israel não pode ser considerado um Estado Democrático. Ao contrário, é cada vez mais claro que o modelo sionista prevê um Estado excludente e colonizador, que não respeita os seus vizinhos, muito menos sua própria população que, cada vez mais, é confundida com a imagem truculenta e negativa de seus governantes e de seu exército.

Assim, de acordo com o seguinte adágio “Deus nos concedeu a memória, mas também o esquecimento”, é possível concluir que, para esquecer, é preciso lembrar. O que torna toda a tragédia, exílio e totalitarismo do passado bastante presente na história de Israel.


* Luciana Garcia de Oliveira– Pós-graduanda em Política e Relações Internacionais pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESP).



REFERÊNCIAS:


ABUNIMAH, Ali. Israel will collapse unless africans and palestinians are expelled, fenced, says legal advocate. Disponível em: http://electronicintifada.net/blogs/ali-abunimah/israel-will-collapse-unless-africans-and-palestinians-are-expelled-fenced-says;


ARENDT, Hannah. We refugees. The memorah journal, 1943.

CANNING, Paul. “Pogrom” on africans refugees in Tel Aviv.  

FLINT, Guila. Imigrantes africanos são perseguidos por multidão e agredidos após comício em Tel Aviv. Disponível em: http://www.bbc.co.uk/portuguese/ultimas_noticias/2012/05/120524_telavivimigrantes_gf.shtml

FLINT, Guila. Presença crescente de imigrantes africanos gera polêmica em Israel. Disponível em: http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2012/05/120522_refugiados_gf.shtml;

FLINT, Guila. Casas de refugiados africanos são alvos de bombas incendiárias em Israel. Disponível em: http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2012/04/120427_israel_ataques_refugiados_gf.shtml;

FLINT, Guila. Lei aprovada em Israel prevê prisão sem julgamento para imigrantes ilegais. Disponível em: http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2012/01/120110_africanos_israel_gf.shtml;

Today, Israel moved one step closer to nazi germany circa 1938. Disponível em: http://networkedblogs.com/y1gL8;



Nelson Mandela prisioneiro na Palestina-Jerusalem- Charge de Latuff

sábado, 4 de agosto de 2012

CRIANÇAS PALESTINAS APRENDEM CAPOEIRA


 




Crianças palestinas aprendem capoeira para superar realidade do conflito

Em parceira com a ONU, ONG liderada por brasileiro ensina as técnicas da capoeira nos territórios ocupados

Sob uma enorme tenda na Cidade Velha de Jerusalém Oriental, cerca de 20 adolescentes e crianças palestinas se movem ao som dos tambores de capoeira, uma expressão cultural afro-brasileira que mistura dança, acrobacia e artes marciais e que está se enraizando na Cisjordânia.

                                            IPS

Crianças palestinas praticam a capoeira em Jerusalém Oriental
Crianças palestinas praticam a capoeira em Jerusalém Oriental. 
Prática ajuda a amenizar os impactos da ocupação israelense

"Na capoeira eles encontram um espaço seguro para despejar a energia e a agressividade. Há muito o que se aprender sobre o controle dos nossos movimentos, de nós mesmos, da capacidade de nos expressar e também dos cuidados com aqueles que estão ao nosso redor", explica Jorge Goia, professor brasileiro responsável pela aula.

"Por ser um tipo de arte marcial, requer muita disciplina para se fazer parte de um grupo e trabalhar juntos. Eu acho que tem um forte impacto sobre os meninos", diz Goia ao IPS.

A ONG Bidna Capoeira (queremos capoeira, em árabe) começou a ensinar crianças e jovens em março do ano passado em campos de refugiados da Cisjordânia. Cerca de 800 pessoas já participaram do programa.

Hoje os cursos são desenvolvidos nos campos de refugiados de Shuafat, em Jerusalém Oriental, e Jalazone, em Ramallah, no centro de Cisjordânia. O objetivo continua sendo capacitar os jovens e oferecer-lhes um espaço saudável e positivo para desabafar suas frustrações.

"A capoeira pode ser uma ferramenta poderosa para aumentar a confiança das crianças e o sentimento de pertencimento. [A capoeira] é praticada em grupos e é necessário que as pessoas cantem e toquem instrumentos, e é assim que se cria a ideia de que você faz parte de algo e que todos se ajudam a se desenvolver e a aprender ", afirma.

Ahmad, de 6 anos, começou em fevereiro as aulas de capoeira na Cidade Velha. "É algo novo. Ele tinha feito karatê e natação, mas a mudança é boa", diz o pai, Sahar Qawasmeh, de Beit Hanina, Jerusalém Oriental. "Eu tinha visto isso em alguns festivais. [Com a capoeira], Ahmad percebe sua força e gosta disso", conta.

Superação

O impacto tem sido evidente, segundo Ilona Kassissieh, oficial de informação pública da UNRWA (Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina no Oriente Médio), que colaborou com a Bidna Capoeira na organização de aulas nos acampamentos da Cisjordânia.

"As crianças aprenderam muito, estavam entusiasmadas e puderam evoluir muito rápido", afirma Kassissieh à IPS. Oferecer atividades extracurriculares para crianças que vivem em campos de refugiados abre uma oportunidade para que elas fujam das dificuldades diárias.

"Os refugiados em geral, e as crianças em particular, estão em um setor vulnerável porque vivem em circunstâncias muito difíceis. A infraestrutura não ajuda para que eles recebam os elementos necessários para se levar uma vida normal", explica.

"Este tipo de atividade extracurricular é sempre benéfico e deixa um impacto positivo. Cria um mecanismo de sobrevivência que lhes permite pensar a partir de outras perspectivas e colocar suas energias em algo que eles gostam e que gostariam de saber mais", afirma Kassissieh.

Além disso, disse Jorge Goia, a história da capoeira como movimento de base das comunidades oprimidas no Brasil permite uma conexão direta com os palestinos que suportam a ocupação e a dominação de Israel.

"A capoeira foi criada pelos escravos no Brasil, pessoas oprimidas que a usavam para se fortalecer, ganhar confiança sobre si mesmas e, assim, atender todas as necessidades que se tem quando você vive em condições opressivas", diz.

"O interesse é em fugir e aprender a lidar com uma situação onde você é o fraco. Não possui armas, apenas seu corpo. Como se faz para sobreviver? Como você pode escapar da opressão?”.

Seguidores: