quinta-feira, 30 de agosto de 2018

Questão palestina: uma conversa com Emir Mourad


COPLAC - Confedração Palestina Latino Americana e do Caribe

Emir Mourad, secretário geral da COPLAC – Confederação Palestina Latino Americana e do Caribe, e que desde princípio dos anos 1980 milita no Movimento Nacional Palestino no Brasil, figurando entre os fundadores das principais organizações palestinas no Brasil e no continente, como a FEPAL – Federação Árabe Palestina do Brasil (1983) e a COPLAC – Confederação Palestina Latino Americana e do Caribe (1984), do mais antigo comitê de solidariedade ao povo palestino, o de São Paulo (1982), além do movimento da juventude palestino-brasileira SANAÚD (voltaremos) em 1983, concede entrevista à Revista Literária Zunái, na qual afirma que o processo de paz na Palestina é obstruído por Israel porque o regime sionista “quer continuar a ocupação dos territórios palestinos, continuar a limpeza étnica e impor mais e mais o seu regime de apartheid na Palestina”. Leia a entrevista na íntegra e conheça importantes aspectos históricos do movimento palestino no Brasil e no mundo. Segue a íntegra da entrevista, que também pode ser lida em http://zunai.com.br/post/177154727688/uma-conversa-com-emir-mourad


Zunái: O presidente norte-americano Donald Trump reconheceu Jerusalém como a capital do Estado de Israel. Quais são as consequências políticas dessa decisão para as negociações entre israelenses e palestinos e para a paz no Oriente Médio?


Emir Mourad: As negociações estão paralisadas, Israel não quer negociar, quer continuar a ocupação dos territórios palestinos, continuar a limpeza étnica e impor mais e mais o seu regime de apartheid na Palestina. Trump contrariou todas as resoluções da ONU sobre o status de Jerusalém, tornando os Estados Unidos um ator parcial de apoio incondicional à Israel, o que levou o Conselho Nacional Palestino a decidir pela exclusão dos Estados Unidos com ator imparcial em condições de mediar qualquer negociação. A ONU e seus países membros, em sua esmagadora maioria, não reconhecem Jerusalém como capital de Israel, portanto não irão transferir suas embaixadas de Tel Aviv para Jerusalém.

Zunái: As manifestações populares dedicadas à recordação dos 70 anos da Nakba nos territórios palestinos ocupados foram duramente reprimidos por Israel, com dezenas de mortos e feridos pela polícia sionista. Em sua opinião, por que o líder israelense, Netanyahu, agiu de maneira tão brutal?

Mourad: A lista de massacres contra o povo palestino por parte de Israel é longa. É da essência do regime sionista de Israel não querer a paz, apenas a guerra. O sionismo é um regime de colonização que desde a sua fundação está baseado na substituição do povo palestino por imigrantes judeus e isso é feito através do terrorismo de Estado e dos colonos judeus que ocupam a Palestina. O dia que Israel resolver fazer a paz justa e verdadeira com a Palestina, o sionismo deixará de existir como ideologia dominadora do estado israelense.

Todos os anos durante Al Nakba, a catástrofe palestina, que lembra a expulsão de mais de 750 mil palestinos de suas terras e têm como data o 15 de maio de 1948, criação de Israel, o povo palestino se manifesta em protestos pelos seus direitos nacionais inalienáveis ao retorno e autodeterminação. O atual governo israelense, comandado pelo fascista Netanhayu, apenas faz o que todos os governos israelenses estão programados a fazer: expandir a ocupação para inviabilizar o estabelecimento do Estado da Palestina soberano e independente e para isso utiliza da morte, do terror contra o povo palestino.

Zunái: Gilberto Gil e Shakira recusaram-se a cantar em Israel e a seleção argentina de futebol negou-se a jogar com o time israelense, entre outros fatos recentes que se inserem no quadro geral da política de BDS (Boicote, Desinvestimentos e Sanções) aplicada por artistas, intelectuais e outras personalidades contra instituições israelenses. A seu ver, essa política tem dado resultados? Quais?

Mourad: O movimento BDS é importante para luta do povo palestino e Israel tem se preocupado de forma séria com a expansão do movimento a nível mundial, principalmente na Europa. Sabem que o que aconteceu com a África do Sul durante o regime do Apartheid pode se tornar real: o apartheid foi considerado “crime contra a humanidade” pela ONU e o país foi suspenso da Assembléia Geral e daí em diante as sanções e os boicotes econômicos, culturais e acadêmicos contra o regime racista sul africano evoluíram de forma crescente culminando com a queda do regime, a libertação de Mandela depois de 27 anos de prisão e sua vitoriosa eleição para a presidência da África do Sul. O mais fiel aliado do regime do apartheid era Israel. E Mandela disse: “ A nossa libertação não é completa sem a libertação do povo palestino”.

Zunái: Por que a política de BDS não é colocada em prática também na esfera econômica por parte dos países que apoiam a causa palestina?

Mourad: É preciso haver pressão crescente da opinião publica e dos movimentos da sociedade civil organizada para que os governos dos seus respectivos países adotem posições mais concretas, não basta governos fazerem discursos e declarações, é necessário agir de forma concreta. Deve crescer, também, os posicionamentos de artistas, personalidades, acadêmicos e políticos para exercer o papel de conscientização e divulgação da necessidade de agir contra os crimes que Israel pratica em nome dos judeus. Isso contribui para que o BDS avance. Muitos judeus em Israel e mundo afora aderiram ao BDS e querem que o povo palestino viva em liberdade em sua própria terra.

Zunái: Como está a situação dos prisioneiros políticos palestinos hoje? Qual é o número de mulheres e crianças presas em Israel?

Mourad: Desde 1967 a grande maioria das famílias palestinas tiveram, ao menos, um familiar detido pelas forças de ocupação israelense. Em fevereiro deste ano a Sociedade Palestina de Prisioneiros declarou que são cerca de 7000 prisioneiros, dentre eles 300 crianças e 57 mulheres. Diversas entidades de direitos humanos, inclusive a ONU, acompanham e emitem relatórios frequentes contra a tortura e abuso de prisioneiros adultos e crianças. Pela lei militar israelense qualquer palestino pode ser preso sem acusação formal, chamada de prisão administrativa.

Os prisioneiros palestinos são homens, mulheres e crianças que querem viver em liberdade em  sua terra, eles não tem exército, tanques, aviões, bombas atômicas. Resistem da forma que todos os povos resistem contra uma ocupação militar que os priva de serem cidadãos normais com direito a ir e vir, com direito de plantarem em suas terras, de viver em paz em sua terra milenar. Todo o povo aprisionado e cercado em sua própria terra tem o direto internacional que garante que pode lutar com todos os meios que achar necessário para se libertar do inimigo opressor e ocupante.

Zunái: Desde o golpe de estado de 2016, no Brasil, a política externa brasileira mudou muito, inclinando-se para a esfera de influência norte-americana. Como isto alterou as relações oficiais entre o Brasil e a Autoridade Nacional Palestina?

Mourad: Não houve alteração do Itamaraty em relação a questão palestina. A politica de estado continua inalterada e isso não depende mais da mudança de governo: o Brasil já reconheceu o Estado da Palestina nas fronteiras de 67 e apoia uma saída negociada entre Israel e a Palestina de acordo com as resoluções da ONU. Em 2010 o ex-presidente Lula reconheceu o estado palestino, Em novembro de 2012, a Assembleia Geral da ONU admitiu o Estado da Palestina como membro observador da ONU por 138 votos favoráveis, inclusive do Brasil e 9 contrários, sendo os mais destacados e sem nenhuma surpresa, Israel e Estados Unidos. O povo palestino sempre agradeceu a solidariedade do Brasil com a Palestina na sua luta por justiça, liberdade e paz.

Zunái: Você visitou recentemente a Cisjordânia e encontrou-se com o presidente palestino, Mahmoud Abbas. Quais foram as suas impressões dessa viagem e das reuniões políticas de que você participou?

Mourad: Em outubro de 2017 foi realizado o 4º Congresso da Confederação Palestina latino-americana e do Caribe - COPLAC, na cidade de Manágua, entidade fundada em 1984 que representa a comunidade palestina na América Latina. Nesse congresso foram aprovadas a plataforma politica que deve nortear as ações da entidade no continente e foi eleito um comitê executivo com um representante por país. O Presidente eleito, Rafael Araya Masry e o Secretário Geral eleito, Emir Mourad, representando o Comitê Executivo, viajaram para a Palestina para apresentar ao conjunto do povo palestino e suas entidades civis e governamentais os resultados do congresso que primam pelo apoio incondicional aos direitos inalienáveis do povo palestino ao retorno dos refugiados a sua terra natal e pelo estabelecimento do estado palestino independente. Nesse contexto, fomos recebidos pelo Presidente Mahmoud Abbas que se mostrou muito feliz de saber que a comunidade palestina tão distante mantem suas ligação forte com o povo palestino e suas aspirações nacionais. O presidente respaldou a COPLAC como única e legítima representante do povo palestino na última reunião que a entidade esteve com ele, em maio desse ano, em sua visita ao Chile.

Zunái: Você foi um dos fundadores do Comitê pelo Estado da Palestina Já, em São Paulo. Qual é o balanço que você faz das ações realizadas por esse comitê?

Mourad: Um balanço extremamente positivo. No blog Sanaúd-Voltaremos escrevi um artigo (https://goo.gl/pqb9Ho) sobre a história do movimento palestino no Brasil e as atividades do Comitê relatando duas situações inéditas que ocorreram rem relação ao mesmo:

Primeiro, não foi uma reação à mais uma das costumeiras brutalidades criminosas com que Israel ataca o povo palestino, mas sim uma ação politica de apoio a OLP- Organização para a Libertação da Palestina   e ANP- Autoridade Nacional Palestina no seu objetivo de solicitar a ONU que o Estado da Palestina seja admitido como estado membro de plenos direitos como os demais 193 países que compõem a Assembleia Geral das Nações Unidas.

Segundo, pela primeira vez, tanto no ato de lançamento do Comitê pelo Estado da Palestina Já, no dia 29 de agosto de 2011, como no ato e caminhada do dia 20 de setembro do mesmo ano, tivemos a participação de todas as centrais sindicais, das entidades estudantis e de mulheres. Na caminhada, participaram partidos políticos, parlamentares, religiosos, artistas, escritores, jovens, entidades da comunidade árabe e dos mais variados extratos do movimento social. Estiveram presentes 64 entidades nacionais e partidos políticos.

As ações do Comitê culminaram com a marcha de mais de 15 mil pessoas durante o Fórum Social Mundial Palestina Livre, ocorrido em Porto Alegre, em novembro de 2012. Durante a marcha, no dia 29 de novembro, que é o Dia Internacional de Solidariedade ao Povo Palestina, os manifestantes receberam a notícia que naquele momento a Assembléia Geral da ONU acabava de aprovar a admissão do Estado da Palestina como estado observador das Nações Unidas. O objetivo era de ser admitido como estado mebro e não apenas observador. Mas no Conselho de Segurança, os Estados Unidos usaram o seu veto costumeiro. Porem, foi uma grande vitória para a causa palestina.

Não poderia haver balanço mais positivo que esse!

Zunái: Quais são os desafios do movimento internacional de solidariedade ao povo palestino na atualidade? 

Mourad: Do movimento internacional e nacional em geral é ampliar e fortalecer os organismos e mecanismos de divulgação, denuncia dos crimes isralenses e implementação de ações efetivas de solidariedade com o povo palestino.

No Brasil, ainda temos uma parcela do movimento de solidariedade que precisa evoluir no conceito de prestar solidariedade para um povo que se encontra no estágio de uma luta de libertação nacional e não de uma luta de classes. Nacional quer dizer todo o povo palestino e não parte desse povo. A Palestina está ocupada com todos os palestinos que lá se encontram. Ampliar o movimento de solidariedade para que partidos políticos, entidades civis, personalidades, independente de suas conotações ideológicas, se somem para ajudar o povo palestino a conquistar seus DIREITOS NACIONAIS INALIENÁVEIS AO RETORNO E AUTODETERMINAÇÃO deve ser a principal bandeira do movimento. A unidade de todos que prestam solidariedade depende dessa questão, sem isso levamos a partidarização da causa palestina longe dos interesses reais do povo palestino.


Emir Mourad é secretário-geral da Confederação Latino-americana e do Caribe (COPLAC)


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Fontes: FEPAL  e   Revista Zunái


sexta-feira, 22 de dezembro de 2017

ONU não reconhece Jerusalém como capital de Israel


Por maioria esmagadora de 128 votos, a Assembleia Geral das Nações Unidas decidiu não reconhecer Jerusalém como capital de Israel, decisão tomada após o presidente norte-americano ter ameaçado suspender a ajuda a países que votem contra os Estados Unidos.



Uma resolução sobre o estatuto de Jerusalém foi aprovada nessa quinta-feira (21) na Assembleia-Geral da ONU, com 128 votos a favor, nove votos contra, e 35 abstenções, representando uma grande vitória e apoio ao povo palestino para continuar sua luta na conquista de seus direitos nacionais inalienáveis ao retorno e estabelecimento do seu estado palestino independente e soberano, com capital Jerusalém Oriental.

A resolução apresentada pelo Egito e pelo Iêmen reafirmava dez resoluções do Conselho de Segurança de 1967 sobre Jerusalém, repetindo que o estatuto da cidade deveria ser decidido em negociações entre israelitas e palestinianos, e não unilateralmente como pretendem Israel e os EUA.

A resolução foi levada à Assembleia-Geral após o veto americano a uma resolução no Conselho de Segurança que declarava qualquer decisão sobre Jerusalém “inválida”. Não falava diretamente dos Estados Unidos, mas foi uma resposta à declaração do presidente norte-americano, Donald Trump, de que Jerusalém é a capital de Israel, e que a embaixada norte-americana passaria de Tel Aviv, onde estão todas as outras embaixadas, para Jerusalém, ignorando completamente o consenso internacional e o estatuto da cidade, que afirma que a parte oriental de Jerusalém é capital da Palestina (apesar de Israel dizer que é a sua capital e “indivisível”) e que qualquer mudança deve ser decidida no final de negociações entre israelitas e palestinos.

Ao contrário do que acontece no Conselho de Segurança, na Assembleia-Geral não há veto - por outro lado, as resoluções não são vinculativas.



Antes da votação, a embaixadora norte-americana nas Nações Unidas, Nikki Haley, declarou: “Na ONU somos sempre requisitados para fazer mais e dar mais. Por isso, quando tomamos uma decisão sobre onde colocar a nossa embaixada, não esperamos que os aqueles a quem temos ajudado nos atinjam. Na quinta-feira (21) vai haver uma votação que criticará a nossa escolha. Os Estados Unidos vão saber os nomes", ameaçando as nações que votassem contra a decisão de Trump.

Trump disse que caso houvesse muitos votos a favor da resolução e contra seu país, os EUA "poupariam muito", dando a entender que cortaria ajuda aos países que dossem contra a sua decisão. Um dos países que mais recebe ajuda norte-americana é o Egito, justamente aquele que apresentou a proposta.

A Turquia pediu aos países para não se deixarem influenciar pela “chantagem” norte-americana. Afeganistão e Mali retiraram o seu apoio à resolução após a pressão dos EUA, mas, ainda assim, a decisão intervencionista de Trump e unilateral de Israel em mudar o estatuto de Jerusalém contra a vontade e o direito do povo palestino não foi aprovada. 





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