Resolução 181. Os palestinos têm este e outros números
memorizados na defesa da sua causa. Em 1947, a ONU "partilhou" a
Palestina entre árabes e judeus, mas o único resultado foi a continuidade da
história de massacres e de ocupação. Apenas o Estado de Israel foi agraciado
com a plena existência. Em 29 de novembro de 1947, a Palestina seria
partilhada, mas segue ocupada. Talvez por culpa, a data é hoje o Dia
Internacional de Solidariedade ao Povo Palestino.
Por Moara Crivelente*, para o Vermelho
Este é o primeiro de dois artigos sobre a Palestina e o Dia
Internacional de Solidariedade ao Povo Palestino.
Em 1947, a Assembleia Geral das Nações Unidas deu o pontapé
inicial ao papel da organização recém-criada na Palestina, em evidente
ineficácia e exponencial inocuidade, com a Resolução 181, chamada de
"Plano de Partilha". Dezenas de resoluções foram aprovadas pelos
cinco principais órgãos da ONU todos os anos desde então para afirmar os
direitos dos palestinos à autodeterminação, assim como para tentar mitigar os
efeitos da ocupação israelense, do seu regime de segregação, do despojo, da
expulsão (como o caso do direito dos refugiados ao retorno) e da recusa
completa, pelos líderes sionistas, em resolver a malfadada “Questão Palestina”.
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Em 1948, a atuação disseminada e brutal de milícias
sionistas pela "independência" de Israel frente ao Mandato Britânico
instaurado ainda em 1917 resultou no massacre de mais de 15 mil palestinos e na
expulsão de cerca de 750 mil, além da destruição de cerca de 500 vilas
palestinas. Esta é a Nakba, "Catástrofe" palestina, marcada todos os
anos em 15 de maio.
A espiral de violência subsequente é notória. A ocupação
expandiu-se a ritmo acelerado, inclusive durante os chamados “processos de
paz”, com a farsa diplomática por parte do regime israelense e seus
patrocinadores, Reino Unido, França e, principalmente, os Estados Unidos.
Vários episódios evidenciaram a expansão da ocupação, como o
marco reconhecido na Guerra dos Seis Dias, em 1967, quando Israel ocupou a
Faixa de Gaza, a Cisjordânia, Jerusalém Oriental e também outros territórios da
Síria, do Egito e do Líbano, movimentos delineados pelo aparato militar
israelense enquanto medidas de "segurança e defesa".
Mas poucas semanas após o 10º aniversário desde a morte do
líder palestino Yasser Arafat (em 2004), com análises sobre o seu papel nos mais
importantes intentos diplomáticos, e os 26 anos da declaração quase simbólica
de independência da Palestina, em 1988, dá-se a retomada de uma narrativa
forjada sobretudo por sionistas radicais sobre um suposto “conflito religioso”
na Palestina.
Em 2014, definido pela ONU como o Ano Internacional de
Solidariedade ao Povo Palestino, o regime israelense liderado pelo premiê
Benjamin Netanyahu lançou a terceira grande ofensiva militar contra a Faixa deGaza em cinco anos. Foram aproximadamente 2.200 mortos entre os palestinos,
majoritariamente civis e centenas de crianças, além da destruição de cerca de
10 mil lares (ao menos 65 mil palestinos continuam desabrigados) e a repetida
devastação do território, completamente sitiado pela ocupação israelense, mas que
deve ser reconstruído por benevolentes “doadores” internacionais que incluem
grandes aliados políticos e fornecedores de material militar de Israel, como os
EUA.
Não bastasse o cinismo da situação, grande parte do material
comprado para a reconstrução virá de Israel, cuja economia se beneficiará, nas
mais variadas formas, da tragédia que seu governo impôs aos palestinos. Antes
disso, já se beneficiara com a demonstração do equipamento militar e das armas
usadas no massacre palestino e comercializadas mundo afora. A bolsa israelense
de valores também apresentou altas durante a “operação militar Margem
Protetora”, entre 8 de julho e 26 de agosto, e a economia já se beneficia da
“assistência” internacional enviada através das suas instituições financeiras e
governamentais, assistência essa que ainda lhes serve de margem de pressão
política contra os palestinos.
Exemplo disso foi a suspensão do repasse dos impostos
recolhidos por Israel pelas exportações palestinas quando a Organização para a
Libertação da Palestina (OLP) e o Hamas, partido e movimento de resistência no
governo da Faixa de Gaza, anunciaram, enquanto findava mais um período de negociações infrutíferos com Israel, em abril, um acordo de reconciliação para
a unidade política nacional, que fortaleceria o povo palestino.
Resistência e repressão
Enquanto questões levantadas sobre a possibilidade de uma
terceira intifada (“levante”, em árabe) parecem tencionar a situação, as
autoridades israelenses já preparam-se para intensificar a repressão dos palestinos,
por exemplo, com a instituição da demolição de lares como medida para
“dissuadir” quaisquer revoltas ou atos taxados de “terroristas”. Nas primeira e
segunda intifada (em 1987 e 2000, respectivamente), a opressão foi
generalizada, com confrontos abertos e invasões militares com tanques em campos
de refugiados como o de Jenin, onde um massacre ocorreu em 2002, durante uma
batalha com a resistência palestina.
Além disso, as chamadas “detenções administrativas” já
vigoram encarcerando “suspeitos” de ações que “ameacem a segurança do Estado de
Israel”, inclusive lançar pedras em protesto. Há cerca de 500 palestinos assim
arbitrariamente detidos, que podem passar períodos renováveis de seis meses na
prisão sem acesso à defesa ou sem uma acusação formal, sujeitos a tratamentos
cruéis como a tortura ou a recusa de tratamentos médicos. De acordo com a
Associação palestina de Apoio aos Prisioneiros e Direitos Humanos, Addameer, em
outubro havia 6.500 palestinos encarcerados em prisões israelenses, inclusive
182 crianças (19 delas menores de 16 anos), 19 mulheres e 18 parlamentares.
Além disso, 478 dos prisioneiros cumprem sentenças perpétuas.
Devido ao recrudescimento da situação na Cisjordânia, na
Faixa de
Gaza e em Jerusalém (note-se que a atomização entre os territórios
palestinos é intencional, fruto de uma política calculada da ocupação
israelense), Marwan Barghouti, importante líder popular do partido Fatah (à
frente do governo na Cisjordânia), detido há cerca de 10 anos, emitiu uma carta
por ocasião dos 10 anos da morte de Arafat instando o povo palestino à
resistência e a liderança a boicotar Israel, repensando o papel da Autoridade
Nacional Palestina (ANP). Trata-se de um órgão de autogoverno transicional
criado no início dos anos 1990, no contexto dos Acordos de Oslo, supostamente
temporário, até uma negociação conclusiva sobre o Estado da Palestina, acordada
para o fim daquela década, mas até hoje pendente.
Um motivo de críticas entre vários movimentos e partidos
palestinos foi a imposição, por Israel e seus aliados mediadores em Oslo, da
chamada coordenação securitária, dispositivo cunhado pela Declaração de
Princípios, assinada em 1993 (conhecida como Oslo 1, entre os acordos deste
contexto). A coordenação pressupõe o trabalho conjunto entre autoridades
israelenses e palestinas no setor da segurança, enquanto a estrutura da
ocupação se arraigava: a divisão da Cisjordânia nas áreas A, B e C, em que a
maior parte do território ficou sob o controle militar israelense, A; os postos
de controle espalhados por toda a Cisjordânia e também no interior de cidades
como Hebron; outras formas de restrição da movimentação dos palestinos, entre
outras medidas.
Os palestinos acreditaram e empenharam-se na diplomacia como
via para o seu Estado, enquanto a liderança sionista enxergara nesta mais uma
forma de ocupar a Palestina. Por isso e pelas subsequentes demonstrações de
Israel sobre sua falta de compromisso com o fim da ocupação e do conflito neste
sentido, Barghouti apelou à resistência e retomou um debate há tempos presente
no seio da ANP e nas ruas da Palestina, sobre abrir mão da chamada cooperação
securitária com Israel. A alternativa é a resistência e o Direito
Internacional, disse o líder em sua carta, o que lhe custou a pena de sete dias
em regime solitário e uma multa, na prisão em que foi sentenciado a viver para
sempre.
*Moara Crivelente é cientista política e jornalista, membro
do Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e Luta pela Paz (Cebrapaz)
assessorando a presidência do Conselho Mundial da Paz.
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