quarta-feira, 25 de maio de 2011

Missão impossível: satisfazer Netanyahu

23/5/2011, MJ Rosenberg, Al-Jazeera, Qatar

http://english.aljazeera.net/indepth/opinion/2011/05/201152212493288684.html

Nada há absolutamente no discurso do presidente Obama para o Oriente Médio, que inflame ou excite os espíritos. Menos ainda, na declaração que Obama fez depois de reunir-se com o primeiro-ministro de Israel Binyamin Netanyahu. O presidente sequer se atreveu a apresentar algum plano de ação: só falou de princípios, sempre em termos gerais, e nada disse de novidade, que os cinco últimos presidentes dos EUA já não tivessem dito.

O discurso de Obama foi tentativa de conter Netanyahu, que estava nos EUA para falar no Congresso dos EUA e na Conferência Anual do AIPAC. O objetivo de Bibi é mobilizar seus seguidores contra qualquer esforço que os EUA façam para promover algum acordo entre israelenses e palestinos. Netanyahu, que foi criado nos EUA é, de fato, Republicano dos pés à cabeça; desde 1998, no governo de Clinton, Bibi trabalha para fortalecer os Republicanos nas disputas contra os Democratas. O discurso de Obama foi, ao que tudo indica, um erro. Mas Obama deve ter sentido que tinha de falar e falou.



Apoio dos judeus e pacificação 



Por razões óbvias de segurança nacional, os EUA não podem aceitar que uma nova geração de árabes democratas assumam o poder em nações tão significativas como o Egito, no qual a população ‘odeia americanos’ porque vê os EUA como ‘comprados’ por Israel. Obama deve ter suposto que alguma promoção retórica de alguma paz ajudaria a neutralizar a demagogia de Netanyahu e, consequentemente, diluiria a oposição que há contra EUA e Israel no mundo muçulmano. E supôs simultâneamente que algumas frases fortemente pró-Israel agradariam aos seguidores de Netanyahu.



Mas nada saiu conforme o previsto. Como o Wall Street Journal noticiou em artigo intitulado “Doadores alertam Obama sobre Israel” (19/5/2011, em http://online.wsj.com/article/SB10001424052748703509104576331661918527154.html), um pequeno (mas rico e incrivelmente homogêneo) grupo de doadores de dinheiro para campanhas eleitorais já havia dito a Obama, antecipadamente, que qualquer pequeno desvio da linha traçada por Netanyahu custar-lhe-ia muito caro. O artigo cita um punhado de gatos gordíssimos, dos quais a maioria dos judeus norte-americanos nunca ouviram falar, e que, hoje, declaradamente ameaçam Obama.



A loucura é completa. Em 2008, 78% dos judeus votaram em Obama. Segundo a última e definitiva pesquisa do Comitê Judeu-norte-americano [ing. American Jewish Committee], Israel é a 7ª questão, na lista de questões que preocupam os judeus norte-americanos; só 3% dos entrevistados citaram Israel como sua preocupação principal. 54% dos entrevistados declararam que votam mobilizados pelo estado da economia, e muitos mais citaram a saúde pública, questões de energia e inúmeras outras questões.



Apesar disso, alguns autoproclamados representantes da comunidade judaica dizem à Casa Branca que a principal preocupação de todos nós, judeus norte-americanos, seria Israel. Mas Israel só preocupa, no máximo, os doadores de dinheiro para campanhas eleitorais que seguem a bíblia do AIPAC. 



E por isso o presidente Obama, na 5ª-feira, fez discurso absolutamente inócuo. Nada do que ali se ouviu foi novidade: todos os presidentes anteriores só fizeram repetir exatamente o que Obama mais uma vez repetiu. Toda a simpatia do presidente dirigiu-se quase exclusivamente a Israel; para os palestinos, simpatia zero. Obama tentava fazer o que lhe pareceu que devesse fazer: acalmar o AIPAC e Netanyahu, ao mesmo tempo que agradava aos democratas árabes.



Mas nem isso conseguiu. Aos ouvidos dos árabes, o discurso soou como um amontoado de palavras ocas. E os israelenses e judeus fanáticos ficaram furiosos. Por quê? Exclusivamente por causa de um parágrafo. O presidente Obama disse: 



“Os EUA creem que as negociações devem resultar em dois estados, com fronteiras palestinas estáveis e permanentes com Israel, Jordânia e Egito e fronteiras israelenses permanentes com a Palestina. As fronteiras entre Israel e Palestina devem basear-se nas linhas de 1967, com trocas [de território] a serem acordadas, de modo que se estabeleçam fronteiras reconhecidas e seguras para os dois estados. O povo palestino deve ter o direito de se autogovernar e expandir seu potencial, em estado contínuo e soberano” [em português, em http://mariafro.com.br/wordpress/2011/05/20/o-discurso-de-obama-sobre-o-oriente-medio-tirem-suas-proprias-conclusoes/ (NTs)]. 



Foi o apocalipse. Mas não começou imediatamente depois do discurso. No primeiro momento, a ala direita da claque ‘pró-Israel’ elogiou Obama por não ter dito coisa alguma que incomodasse Netanyahu. Mas, então, Netanyahu declarou que se sentira gravemente ofendido pela referência às linhas de 1967.



A questão das fronteiras



Os robôs do partido “Israel antes de tudo” mudaram de discurso com a mesma rapidez com que cantores vermelhos, em 1930, mudavam letras de canções, sempre que Moscou os acusava de desvio (“Parem de criticar os alemães nazistas: acabamos de assinar um pacto com eles!”). A reação de Israel foi ridícula. Obama não disse que Israel teria de voltar para as fronteiras de 1967; disse apenas que “as fronteiras entre Israel e Palestina devem basear-se nas linhas de 1967”. 



Significa que israelenses e palestinos devem sentar-se à frente de um mapa das coisas como eram em 1967 e decidir o que será Israel e o que será Palestina. Em que outras “linhas” poder-se-ia basear qualquer acordo, a qualquer tempo? Nas “linhas” da fronteira entre China e Rússia?!



Em 1967, pela Resolução n. 242 da ONU, que Israel assinou, toda a comunidade internacional (inclusive Israel) decidiu que Israel voltaria às fronteiras de 1967, com trocas pontuais de território, como fossem necessárias para preservar a segurança de Israel. Todos os presidentes dos EUA só fazem repetir, e todos os governos israelenses sempre aceitaram exatamente isso. Até o AIPAC apoia a “solução dos Dois Estados”, que significa que haverá um estado palestino nos territórios que Israel invadiu em 1967.



Então? Quem são esses personagens que de repente decidem encenar ‘manifestações’ de ultraje, quando Obama diz o que todos têm dito e repetido sem parar, há tanto tempo?



A resposta é simples. Os fanáticos de “Israel em primeiro lugar” tomaram duas decisões: (1) não querem saber de paz entre Israel e palestinos, e ponto final. Querem que Israel ocupe toda a terra palestina. E (2) querem derrotar o presidente Obama nas próximas eleições e supõem que comandam o voto dos judeus norte-americanos e, sobretudo, que farão encolher as doações eleitorais para patamares bem inferiores aos de 2008. Os judeus israelenses fanáticos não confiam em Obama. Desconfiam (esperemos que estejam certos) que Obama, no fundo, não acredita no amontoado de sandices que Dennis Ross vive a repetir.



Obama está errado 



O erro de Obama é supor que conseguirá acalmar essa gente discursando no AIPAC (como discursou domingo à note) ou visitando Israel (como provavelmente visitará ainda esse ano) e tentando fazer-se entender. A menos que esteja preparado para dizer ao AIPAC que apoia as colônias ilegais construídas em territórios ocupados e que é favorável à limpeza étnica, com expulsão de todos os palestinos, Obama jamais dirá o que o AIPAC quer ouvir. Eles não são parceiros potenciais, nem do próprio Obama nem dos legítimos interesses dos EUA. De fato, não são parceiros sequer de Israel. Para todos os efeitos, é como se preferissem ver a Cisjordânia prosperar e Israel definhar.



Em vez de tentar conquistar aquela gente, Obama deveria mobilizar os norte-americanos que apoiam Israel, a solução de dois estados e o respeito às fronteiras que israelenses e palestinos negociem – judeus e não judeus, todos juntos. 



Obama deveria também buscar parceiros entre os palestinos que têm interesse em viver em paz com Israel – inclusive o Hamás, é claro, desde que desista do recurso às armas. E deveria declarar apoio aos israelenses moderados – que ainda são maioria na população de Israel – que se envergonham por Israel ocupar territórios palestinos e querem desesperadamente fazer a paz com o palestinos.



Tentar satisfazer Netanyahu e o AIPAC só resultará em desastre, com a direita cada dia mais fortalecida e os moderados cada dia mais fracos e mais sem meios. É mais que hora de Obama dar aos judeus israelenses fanáticos e racistas o tratamento que merecem. Aqueles fanáticos são inimigos de tudo que Obama quer fazer e ser. 



Por que o presidente Obama meteu-se na cabeça que poderia, de algum modo, encontrar parceiros na extrema direita israelense (parceira da extrema direita nos EUA)? Não pode. Nunca poderá. 

http://english.aljazeera.net/indepth/opinion/2011/05/201152212493288684.html 


Traducao: Coletivo Vila Vudu

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