Nos últimos tempos, um fenômeno apenas parece nos convidar a olhar de novo para a Palestina e ficar de novo perplexo
Por Salem Nasser*
Um slogan me fez lembrar o que não se deveria esquecer, que
a Palestina é a terra do Natal.
Uma sequência de imagens convidava, justamente, a imaginar
como seria o Natal na terra do Natal para seus habitantes históricos, e a
comparar com o que aconteceria em outros lugares quaisquer.
Lado a lado eram contrapostas as cenas de celebração e de
brilho e aquelas outras de destruição e de olhos de crianças desprovidos de
brilho.
Duas personagens de um romance para ler nas férias lembram,
talvez não sem algum ceticismo, que evocar o Natal atrai quase que
necessariamente a frase paz na terra aos homens de boa vontade.
Não sei se por falta desses homens ou dessa boa vontade, mas
não é paz que o Natal promete à Palestina.
Foto: Reprodução/UNRWA (2015)
|
A tragédia palestina tem já traços conhecidos, familiares. É
um rosto tão machucado, cujas feridas nos foram expostas tantas vezes, que já
não queremos olhar para ele. Ou pior, já não o notamos quando cruza agonizando
o nosso caminho.
Não há nada, ou quase nada, de novo. Trata-se apenas de uma
contabilidade incremental da desgraça: mais mortes, mais expulsões, mais casas
demolidas, mais colônias e assentamentos, mais discriminação…
Nos últimos tempos, um fenômeno apenas parece nos convidar a
olhar de novo para a Palestina e ficar de novo perplexo.
Vários jovens palestinos, outros menos jovens, algumas
mulheres, no mais das vezes agindo sozinhos, com base numa decisão que é ela
também tomada solitariamente, sem a inspiração ou a instigação de lideranças de
qualquer natureza, sem qualquer motivação religiosa, tomam de uma faca de
cozinha ou do volante de um carro e atacam soldados ou colonos israelenses.
O resultado, invariavelmente, é que soldados e colonos ficam
feridos e o palestino ou a palestina morre. Essa morte não é apenas previsível,
ela é praticamente certa e conhecida de antemão.
Quando essas notícias nos chegam, se prestamos alguma
atenção a elas, a nossa tendência é a de condenar os palestinos que se
comportam assim. Ou bem o fazemos porque, compreensivelmente, não sabemos
simpatizar com esta violência que, montada sobre a surpresa, nos parece
gratuita. Ou então o fazemos porque percebemos como essa violência que logo
será dita terrorista machuca a imagem do palestino e de sua causa.
A pergunta que não fazemos é, no entanto, a única que faria
algum sentido: quantas vezes e de que modos terríveis foi ferida a alma desta
pessoa que se vê impelida ao gesto de violência impotente que resultará na sua
morte? Como é que esta ocupação e esta máquina de humilhação cotidiana
assassina a humanidade do sujeito e todas as suas esperanças?
A terra do Natal há muito nos mostra apenas a sua cara
reversa, aquela das chagas e da Paixão.
*Salem Nasser é professor de Direito Internacional da FGV
Direito SP.
Fonte: Revista Brasileiros
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