No último domingo, dia 27 de dezembro, Israel fez ameaças
diplomáticas ao governo brasileiro, caso o Itamaraty persista na recusa à
imposição do embaixador Dani Dayan. O Ministério das relações Exteriores
afirmou que prefere tratar com um embaixador que não represente a colonização
sionista da Palestina, e em resposta a vice-ministra de Relações Exteriores,
Tzipi Hotovely, ressaltou que Israel não enviará outro embaixador. Hotovely
enfatizou que Israel está lidando com o caso "de forma discreta", mas
que adotará "ferramentas alternativas públicas" para repreender o
Brasil.
Uma questão de protocolos, respeito e educação:
Em primeiro lugar, temos aqui um problema em relação à
tradicional truculência política israelense. Não é a primeira vez que temos um
atrito diplomático com Israel, e não é a primeira vez que isso acontece por
causa da arrogância e falta de ética da diplomacia israelense. Em 2014, por
conta do uso desproporcional de força e dos diversos crimes de guerra cometidos
por Israel nos ataques à Gaza que deixaram mais de 2.200 mortos, o Itamaraty convocou
o embaixador brasileiro em Israel de volta para casa, apenas para consultas
sobre a operação. O então porta-voz do Ministério de Relações Exteriores
israelense, Ygal Palmor, em uma demonstração tragicômica de imaturidade
política, chamou o Brasil de "anão diplomático" e "um parceiro
diplomático irrelevante", e ainda comparou o massacre contra a população
de Gaza com o 7x1 da copa do mundo. O caso foi tão embaraçoso que o presidente
israelense telefonou para a presidenta Dilma para pedir desculpas pela falta de
profissionalismo de seu funcionário.
Desta vez foi Netanyahu quem passou por cima dos protocolos
éticos da diplomacia internacional, declarando publicamente o seu novo
embaixador antes de consultar o governo brasileiro. O nome de Dayan não foi uma
indicação, e sim uma imposição. O próprio pivô da situação não faz nenhuma
questão de esconder o despeito pela situação. Dani afirmou que Netanyahu não
pressionou o governo brasileiro o suficiente para forçar a sua nomeação, e
complementou em entrevista ao jornal Haaretz: "Não sei se serei o
embaixador no Brasil e, pessoalmente, não me importa muito. Aliás, isso
tornaria as coisas muito mais fáceis para mim [não ir para o Brasil], mas estou
lutando pelo próximo embaixador que venha a ser um colono".
O governo Netanyahu não se cansa de mostrar que não possui
nenhum respeito por leis e órgãos internacionais, diplomacia ou ética, e a
nomeação forçada de Dayan foi mais uma prova de que também não possui nenhum
respeito pelo Brasil.
Uma questão de coerência e respeito aos direitos humanos:
O principal problema, entretanto, é menos com o modo como
Dayan foi colocado à força em Brasilia, e mais o que ele representa. Por trás
de uma fala suave e aparência tranquila, Dayan é na realidade representante de
uma política extremamente intransigente, cínica e agressiva, e seria impossível
que o Brasil continuasse com sua posição de apoiador de um processo de paz
entre Israel e Palestina lidando com um embaixador como ele.
A mídia sionista alega que Dani Dayan está sendo rechaçado
"apenas" por morar em um assentamento, o que por si pode ser
considerado um crime de guerra. O caso é que Dayan não é apenas um simples
colono, e sim o principal propagandista dos assentamentos ilegais israelenses.
Dayan dedica sua vida à defesa e expansão dos assentamentos, que são uma
violação do Direito Internacional, condenados por praticamente todas as nações
do mundo. Os assentamentos são uma das principais bases do sistema de Apartheid
imposto sobre os Palestinos. São uma incontestável ferramenta de colonização e
o maior obstáculo para o processo de paz e a criação de um Estado Palestino.
De fato, Dayan se declara abertamente contrário à solução de
dois Estados, aprovada na ONU por ampla maioria. Ele é totalmente contra a
existência de um Estado Palestino, e considera que não existe nenhuma solução
para o conflito. Dani se refere à Cisjordânia (área da Palestina sob ocupação
militar israelense) como "Judeia e Samaria", os nomes míticos da
Israel bíblica, se recusando assim a reconhecer as fronteiras da Linha Verde de
1967.
Quando questionado, Dayan diz ter grande respeito pelos
palestinos, mas seu plano é que eles continuem sendo um povo sem direitos
políticos, vivendo em um sistema de segregação étnica sob a autoridade militar
sionista. Ao contrário da maioria dos colonos, ele reconhece a existência de um
povo palestino e considera que a sua narrativa nacional é legítima, mas
dificilmente consegue falar de palestinos sem os taxar de terroristas, e
acredita que as ambições de israelenses e palestinos são irreconciliáveis. Quem
acredita que os interesses dos dois povos não podem ser conciliados obviamente
não pode ocupar um cargo que tem a conciliação como prerrogativa.
Dayan é um homem com quem não há muita margem para
negociação razoável mesmo com seus colegas sionistas. Em entrevista concedida à
rede Al Jazeera em 2008, Dani afirmou que a retirada dos assentamentos de Gaza
foi uma "limpeza étnica judaica" promovida pelo próprio governo
israelense. Quando Bibi prometeu (mas não cumpriu) parar as construções criminosas
de assentamentos, Dayan, então presidente do Conselho Yesha, disse que "se
a paralisação persistir em qualquer sentido, nós prometemos empenhar todo
esforço para lutar contra o governo de Netanyahu. Será o começo do fim".
Dayan se recusou a visitar a Africa do Sul durante o regime
do Apartheid, porque considerava um sistema racista e injusto. Entretanto,
afirmou em entrevista à rede Al Jazeera que a comparação feita por Desmond Tutu
entre o Apartheid Sul Africano e o Apartheid Sionista é errada, e declarou, com
toda a pompa e empáfia que lhe são características, que entende mais sobre
Apartheid do que o reverendo Desmond, e que não há racismo na política colonial
israelense.
Quando alguém passa por cima do direito de um país para
rejeitar embaixadores, despreza as resoluções da ONU, a 4ª Convenção de
Genebra, as decisões da Corte Internacional de Justiça, as posições políticas
de praticamente todas as nações do planeta e ainda afirma que entende mais de
apartheid do que a maior autoridade viva no assunto, é sinal de que não é uma
pessoa com quem seja possível negociar.
Dani Dayan é um atentado contra a paz entre Palestina e
Israel, e o Itamaraty mostra coragem, coerência e sabedoria ao não se curvar às
ameaças sionistas de retaliação diplomática.
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