sábado, 7 de novembro de 2015

Palestina: a colonização israelense é a raiz da violência

O que vemos - e seguiremos vendo - na Palestina é a luta existencial do povo nativo de um país que ainda está sob ameaça de destruição.


Do site da Carta Maior

Ilan Pappe*, para Al Jazeera


O olhar do menino palestino


Em meio do que se chegou a conhecer em Israel como a “Intifada dos esfaqueadores”, acontece uma cena pouco usual em Ramat Gan, onde muitos dos residentes são judeus iraquianos. Uma mulher estava protegendo um homem que estava caído no chão. Ele estava sendo perseguido por uma turba, incluindo alguns soldados, que queriam linchá-lo.

Enquanto estava caído, ele foi pulverizado com gás pimenta, atirado nos olhos, a queima-roupa, até que conseguiu murmurar ao seu anjo guardião: “sou judeu”. Quando a turba conseguiu compreender a mensagem o deixou sozinho.

Ele foi perseguido porque quase todos os judeus iraquianos se parecem com os palestinos – aliás, a maioria de nós, judeus de Israel, nos parecemos aos palestinos. Os únicos judeus que estão “protegidos” são os judeus ortodoxos mizrahim, que usam as mesmas vestimentas que os seus antepassados asquenazes usavam na Europa do Século XVII, deixando de lado sua tradicional vestimenta “árabe”.

Gente invisível


Esse ataque não foi o único. Outros judeus árabes foram confundidos com palestinos. Ser considerado árabe em Israel, inclusive pela aparência, significa que ser um dos invisíveis e prescindíveis nativos sem direitos.

Uma atitude semelhante não é única na história. Muitas sociedades de assentamentos coloniais adotaram essa atitude com relação aos nativos: os nativos, para essas sociedades, constituem um obstáculo que deve ser removido, junto com as rochas nos campos, os mosquitos nos pântanos e, no caso do sionismo, junto com os judeus menos adequados física e culturalmente.

Depois do Holocausto, o sionismo já não pode permitir ser tão exigente.

Quando se analisam as origens da atual intifada, pode-se apontar corretamente a ocupação e a expansão da colonização judia.

Mas o desespero que a atual agitação produziu não é um resultado direto da colonização de 1967, mas sim do processo que vem sendo invisibilizado a mais de 100 anos: a desumanização e destruição potencial do povo palestino onde quer que ele se encontre.

Essa negação da humanidade dos nativos da Palestina se encontra profundamente arraigado no atual cenário político israelense, pode ser visto nos discursos dos principais líderes, tanto o primeiro-ministro Benjamín Netanyahu quanto o líder da oposição, Yitzhak Herzog.

Netanyahu explicou, nesta terça-feira, em seu discurso no Knéset (parlamento israelense), que o desespero dos palestinos produzirá mais e mais intifadas no futuro, porque a deslegitimação internacional de Israel aumentará exponencialmente. Descreveu os 100 anos da colonização como um projeto digno, ao qual o povo nativo da Palestina se opôs sem razão alguma.

A mensagem aos palestinos foi clara: “aceitem a sua sina de reclusos invisíveis, sem cidadania, nas duas maiores prisões do mundo (Cisjordânia e Faixa de Gaza) e um severo regime de apartheid, e só então todos poderemos viver em paz. Qualquer tentativa de rechaçar essa realidade será considerada terrorismo da pior classe, e será tratada com a dureza que corresponde.

Dentro desta narrativa, se o autor do discurso tentava acalmar as preocupações do mundo muçulmano sobre o que acontece com o al-Haram al Sharif (o Nobre Santuário), o que conseguiu foi exatamente o contrário. Grande parte do seu discurso foi uma lição de história sobre porque o lugar pertence ao povo judeu – e embora tenha terminado essa parte do discurso com a promessa de não mudar o seu status quo, não se pode dizer que a presença dos dirigentes de um partido que acredita na necessidade de construir um terceiro templo no lugar seja particularmente tranquilizante.

“Nunca juntos”


Por sua parte, Herzog, o líder da oposição liberal sionista, manifestou a desumanização dos palestinos de uma maneira diferente. Seu pesadelo, disse ele, repetidas vezes, é um país no qual judeus e palestinos tenham que viver juntos.

Por isso a separação, a criação de guetos e enclaves, é a melhor solução, inclusive se significa reduzir um pouco o grande Israel. “Estamos nós aqui e eles lá”, diz o famoso slogan de Ehud Barak e Shimon Peres, no final dos Anos 90.

O jornalista liberal sionista de Haaretz, Barak Ravid, repetiu o horror dos sionistas liberais: “se existir um Estado binacional, os esfaqueamentos serão diários”, advertiu. A ideia de que um território compartilhado entre Israel e Palestina seja uma democracia para todos nunca foi parte do programa liberal sionista.

Esse desejo de não compartilhar a vida com qualquer coisa que cheire a árabe é uma atitude que afeta diariamente cada palestino. Mais de um século de colonização e nada mudou na negação total da humanidade dos palestinos nativos ou sobre o seu direito ao território onde vivem.

A atual onda de protestos e ataques individuais foi provocada pela política e pelas ações israelenses contra a mesquita Al-Aqsa. Mas a origem é uma atrocidade contínua, que já dura um século: o crescente “culturicídio” da Palestina.

O mundo ocidental se horroriza com a destruição das antigas joias culturais cometidas pelo Estado Islâmico (EI-ISIL-Daesh). A destruição e eliminação, por parte de Israel, do patrimônio islâmico da Palestina, é muito mais ampla e significativa. Apenas uma mesquita se manteve intacta depois do Nakba e muitas das restantes foram transformadas em restaurantes, discotecas e granjas.

Qualquer tentativa dos palestinos de ressuscitar seu patrimônio teatral e literário é considerado por Israel como uma comemoração do Nakba, e portanto ilegal se é realizado por quem depende dos subsídios governamentais.

O que vemos – e seguiremos vendo – na Palestina, é a luta existencial do povo nativo de um país que ainda está sob ameaça de destruição.

* Ilan Pappe é diretor do Centro Europeu de Estudos Palestinos da Universidade de Exeter. Já publicou quinze livros sobre o Oriente Médio e a questão palestina.

Tradução Victor Farinelli

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segunda-feira, 19 de outubro de 2015

Rede global de judeus lança manifesto contra a ocupação israelense na Palestina




Judeus contra a ocupação israelense na Palestina

“Décadas de desapropriação, ocupação e discriminação são a principal razão da resistência palestina. Mais repressão militar israelense e a contínua ocupação e cerco nunca cessarão o desejo palestino por liberdade e tampouco tocarão as reais causas da violência”, diz o documento; leia a íntegra do texto. 


PortalFórum 18/10/15




Uma nova rede internacional de judeus lançou, neste final de semana, um manifesto contra a ocupação israelense na Palestina. O grupo, que ainda não tem nome, conta com participantes de 16 países (do Brasil à Austrália, da Suíça à África do Sul) e representa quinze organizações.



No documento, os autores lembram os recentes episódios de violência que têm acontecido em Israel, sobretudo contra palestinos, e cobram dos judeus de todo o mundo que se posicionem contra a repressão militar israelense e pressionem o governo do país para que ouça sua demanda. “Décadas de desapropriação, ocupação e discriminação são a principal razão da resistência palestina. Mais repressão militar israelense e a contínua ocupação e cerco nunca cessarão o desejo palestino por liberdade e tampouco tocarão as reais causas da violência. Pelo contrário, as atuais ações do governo e do exército de Israel criarão mais violência, destruição, e o entrincheiramento dessa divisão. Apenas justiça e igualdade a todos trarão paz e tranquilidade aos habitantes da Palestina e de Israel”, diz uma parte do texto.



Abaixo, confira o manifesto na íntegra:



    CHEGA DE MORTES – FIM À OCUPAÇÃO



    Nós, membros de comunidades judaicas ao redor do mundo, estamos horrorizados pela violência que tem varrido as ruas da Palestina/Israel, custando a vida de mais de 30 pessoas, tanto palestinos como israelenses, nas últimas duas semanas. Uma menina de dois anos em Gaza foi a mais jovem das quatro crianças palestinas mortas nesse período. Um garoto israelense de treze anos está em situação crítica após levar doze facadas. Mais de mil pessoas foram feridas neste período. O medo tomou por completo as ruas de Jerusalém, centro de toda essa violência. Israelenses atirando em manifestantes palestinos em Jerusalém Oriental e seus arredores. Palestinos esfaqueando e atirando em civis e policiais israelenses nas ruas. Forças israelenses matando palestinos suspeitos em crimes sem julgamento prévio, mesmo quando elxs claramente não representam uma ameaça. Palestinos jogando pedras em carros. Gangues de israelenses batendo em palestinos, ou pedindo à polícia que atire neles. Palestinos sujeitados a revistas humilhantes nas ruas – tudo isso tem se tornado rotineiro na cidade onde fomos educados a rezar pela paz, assim como em outros lugares de Israel, Gaza e Cisjordânia.



    Enquanto a violência é visível nas ruas, ela também ocupa os corações e mentes de todos. O medo está revelando o pior das pessoas, demandando mais derramamento de sangue, como se isso fosse reparar o dano feito. O medo e a retórica racista estão escalonando a situação. Mais uma vez, o governo israelense responde com o poder militar: centenas de pessoas foram detidas; o acesso palestino à Esplanada das Mesquitas, onde se encontra a Mesquita de Al-Aqsa, foi restringido; o acesso à parte do bairro muçulmano da cidade velha de Jerusalém foi proibido axs palestinxs; regras de abrir fogo foram alteradas para permitir que franco atiradorxs abram fogo contra crianças; foi estabelecida uma sentença mínima para aquelxs que atirassem pedras, afetando mais de 150 crianças que foram presas somente em Jerusalém Oriental nessas últimas semanas; e já existem propostas para impor um toque de recolher, ou mesmo o cerco à Jerusalém Oriental.



    Tudo isso constitui uma punição coletiva à população palestina de Jerusalém Oriental, mais de  300.000 habitantes. No passado, medidas como estas provaram-se ineficazes em dar fim à violência. Décadas de desapropriação, ocupação e discriminação são a principal razão da resistência palestina. Mais repressão militar israelense e a contínua ocupação e cerco nunca cessarão o desejo palestino por liberdade e tampouco tocarão as reais causas da violência. Pelo contrário, as atuais ações do governo e do exército de Israel criarão mais violência, destruição, e o entrincheiramento dessa divisão. Apenas justiça e igualdade a todos trarão paz e tranquilidade aos habitantes da Palestina e de Israel.



    Nós, um grupo de judeus e judias de todo o mundo, acreditamos que uma transformação imediata deve vir do governo e do povo israelense. Cabe a todos os judeus e judias do mundo pressionar o governo israelense – assim como aqueles que seguem e suportam seu discurso e ações – a mudar sua abordagem. A repressão militar deve cessar imediatamente e xs palestinos devem ter seu direito de livre circulação garantido. É também responsabilidade de judias e judeus no mundo todo obrigar seus países a cessarem o apoio econômico e militar à contínua ocupação israelense na Palestina e ao cerco à Gaza imediatamente.



    Nós convocamos nossas comunidades judaicas, e as demais comunidades a que pertencemos, a insistirem publicamente no fim da violência, da ocupação, do cerco e da resposta militarizada e  demandar igualdade e liberdade para o povo palestino e justiça para todos.



    Esta declaração foi criada por iniciativa de uma rede judaica internacional de grupos e indivíduos trabalhando por justiça na Palestina. Reivindicamos nossa identidade judaica não como uma identidade nacionalista, mas como uma identidade que celebra nossas diversas raízes, tradições e comunidades onde quer que estejamos ao redor do mundo. Acreditamos ser essencial que haja uma voz global judaica que enfrente as políticas destrutivas de Israel, em solidariedade à luta palestina. Esta rede internacional judaica visa, portanto, tornar-se esta voz.



    Até o momento, assinam esta carta:



    Shomeret Shalom Rabbinic School & Learning Center



    Independent Jewish Voices Canada



    Australian Jewish Democratic Society (AJDS)



    Women in Black, Melbourne



    Jewdas, UK



    Tzedek Chicago



    South African Jews for a Free Palestine



    Jewish Voice for Democracy and Justice in Israel/Palestine (jvjp), Switzerland



    Een Andere Joodse Stem, Another Jewish Voice – Belgium



    Jewish Socialists’ Group – UK



    United Jewish People’s Order – Canada



    Beyt Tikkun Synagogue in Berkeley, California



    Jewish Voice for Peace Bay Area Chapter



    Jewish Voice for Peace Atlanta Chapter



    Jewish Voice for Peace, Los Angeles chapter



    Sahar Vardi, Jerusalem



    Micha K. Ben David, Jerusalem



    Daniel Mackintosh, London



    Ilana Sumka, Belgium



    Yael Shafritz, London



    Rabbi Brant Rosen, Chicago



    Rachel Diamond, London



    Sivan Barak, Melbourne



    Jordy Silverstein, Melbourne



    Bianca Neumann, São Paulo



    Gabriela Korman, Porto Alegre



    Annie Cohen, London



    Eran Cohen, London



    James Kleinfeld, London



    Joseph Finlay, London



    Lev Taylor, London



    Shajar Goldwaser, São Paulo



    Iara Haasz, São Paulo



    Lilian Avivia Lubochinski​, São Paulo



    Elena Judensnaider Knijnik, São Paulo



    Yuri Haasz, São Paulo



    Juliana Westmann Del Poente, São Paulo



    Breno Altman, São Paulo



    Igor Fillippe Goldstein, São Paulo



    Pedro Haasz Lakatos, São Paulo



    Moriel Rothman-Zecher, Jerusalem.



    Aryeh Bernstein, Chicago



    Micah Hendler, Jerusalem



    Rabbi Lynn Gottlieb



    Robin Rothfield, Melbourne



    Joan Nestle, Melbourne



    Jem Light, Melbourne



    Sue Leigh, Melbourne



    Ben Silverstein, Sydney



    Alex Nissen, Melbourne



    Margaret Jacobs, Melbourne



    Rae Abileah, USA



    Shereen Usdin, Johannesburg



    Lily Manoim, Cape Town



    Merlynn Edelstein, Johannesburg



    David Fine, Johannesburg



    Dr. Fran Shahar, Atlanta



    ilise cohen, Atlanta



    Michal Shilor, Jerusalem Raoul Fishman



    Judy Favish, Cape Town



    Sheila Barsel, Cape Town



    David Sanders, Cape Town



    Heidi Grunebaum, Cape Town



    Anya Topolski, Belgium



    Dror Feiler, Sweden, Chair person for EJJP



    Free Polazzo, Douglasville, Ga



    Tovah Melaver, Decatur



    Torii Lang, Decatur, Ga



    Dr. Beth-Ann Buitekant, Atlanta, GA



    Connie Sosnoff, Atlanta, GA



    Tali Feld Gleiser, Dominican Republic



    Moira Levy, Cape Town



    Esther Mack, Jerusalem



    Elizabeth Beck, Atlanta, GA



    Shelby Weiner, Tel Aviv



    Rabbi Michael Lerner, USA



    Rina King, Cape Town



    Benjamin Mordecai Ben-Baruch, Ashland



    Estee Chandler, Los Angelas



    Rachel Ida Buff, Los Angelas



  Cat J. Zavis, Executive Director, Network of Spiritual Progressives



    Rosa Manoim, Johanesbourg



    Kathy Barolsky, South Africa



    Free Solomon Polazzo, USA



    Randy Aronov, USA



    Nina M. Stein, Waterbury Connecticut



    Joel Wool, Boston

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