O Monte do Templo é um lugar sagrado para judeus, cristãos e
muçulmanos, sendo também um dos locais mais disputados do mundo. Foto: EBC
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Por Salem Nasser
Não deixa de ser interessante observar como um governo
interino, precário, age como se destinado à permanência, ao longo prazo
Não só deixa a impressão de que nada está acontecendo no
Senado e de que já não há uma presidente suspensa que poderia voltar, mas faz
também pensar que teria sido de fato eleito e, portanto, estaria legitimado
para redirecionar os destinos do País.
Escolhas fundamentais que determinarão em alguma medida
nosso futuro são feitas pelo governo de um presidente que jamais estaria
sentado na cadeira se não tivesse sido o vice-presidente sob a bandeira de
escolhas diferentes.
É também assim na política externa, agora comandada pelo
portador de um projeto derrotado nas urnas todas as vezes desde 2002.
Mas não é apenas nosso comportamento futuro que Serra quer
mudar. Na semana que passou, uma nota do Ministério das Relações Exteriores
expressou o desejo de mudar o que já está consumado.
A nota fazia referência a uma decisão do Conselho Executivo
da UNESCO sobre o Patrimônio Cultural nos Territórios Palestinos Ocupados,
aprovada por 33 votos, inclusive o brasileiro, a 6 e 17 abstenções, em abril
último.
Nosso ministério faz agora críticas ao que seria o caráter
parcial da decisão, por não levar em conta os laços históricos do povo judeu
com a cidade velha de Jerusalém, indica que votará diferentemente no futuro
caso o mesmo vício se verifique e, portanto, indica que se tivesse que votar
hoje se juntaria aos seis derrotados.
Não deve haver surpresa em relação a esse desejo de que o
passado fosse outro, quando o desejoso não se furtava, enquanto o passado se
fazia, de fazer as suas críticas.
Mas a nota não é apenas a expressão desse desejo. Ela é um
aceno, uma concessão, uma espécie de pedido de desculpas, uma promessa de
romance e enlaces futuros.
Não se sabe se a demanda por todas essas coisas chegou
cochichada ao ouvido de José Serra ou se ele as ofereceu movido pela
espontaneidade de alguma paixão.
E para fazer os gestos, levou-se o Itamaraty a responder ao
que não estava na decisão da UNESCO e a pedir que ela dissesse o que não fazia
parte de seu objeto.
Essencialmente, a decisão afirma a responsabilidade que tem
Israel, enquanto potência ocupante, de preservar o sítios históricos de toda a
velha cidade de Jerusalém e especificamente aqueles relacionados aos lugares
santos do Islã, e lamenta a violação por Israel de suas obrigações em relação a
essa preservação.
Afirmar os laços históricos do povo judeu em relação ao muro
ocidental, como pede a nota brasileira, serviria a quê? Seria um lembrete a
Israel de que deve também preservar o muro ocidental ou seria oferecer a Israel
uma desculpa para seguir colocando em risco os monumentos outros e restringindo
o acesso dos palestinos a eles?
Um ministro que nos prometia uma política externa “de
Estado”, por oposição àquela “de governo e de partido” antes praticada, parece
querer mudar radicalmente o posicionamento brasileiro em uma questão central da
política internacional.
Ironicamente, esse era um daqueles temas em que o grupo
político do próprio ministro insistiu por muito tempo que o Brasil não deveria
se meter, porque não era para o nosso bico.
Afastamo-nos agora do consenso internacional, namoramos o
opressor e seus padrinhos em detrimento do oprimido e da justiça e o fazemos
por alguma razão, desconhecida, que não tem nada a ver com os interesses do
Estado brasileiro.
Eis de volta o tempo das genuflexões.
SALEM NASSER ensaia aqui um certo olhar, diferente, sobre
Oriente Médio, Islã, Mundo Árabe e mais algumas coisas.
Doutor em Direito Internacional pela Universidade de São
Paulo (2004). Graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo (1990), obteve um DSU - Diploma Superior da Universidade em Direito
Internacional Privado e um DEA - Diploma de Estudos Aprofundados em Direito
Internacional Público - da Universidade de Paris II - Panthéon Sorbonne (1992 e
19933). Desde 2004, é professor da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio
Vargas.
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