Mensagens pichadas nas paredes e nos estrados dos beliches
declaram: “para cada membro do Movimento Internacional de Solidariedade
deportado, mais dez virão”. Foi lendo essas frases escritas com pasta de dentes
ou até com comida que as horas passaram no centro de detenção da Autoridade de
População, Imigração e Fronteiras do Ministério do Interior israelense, para
onde eu e tantos outros antes e depois de mim fomos levados para esperar a
deportação.
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Moara Crivelente |
Após horas de interrogatório no aeroporto internacional de
Ben Gurion, em Telavive, fomos declarados banidos por 10 anos, por “questões de
segurança” – sem mais explicações. Somos ameaças.
A política israelense de deportação de ativistas solidários
à causa palestina pelo fim da ocupação não é novidade. Em 2003, por exemplo,
oito membros do International Solidarity Movement (Movimento Internacional de
Solidariedade), todos europeus e norte-americanos, foram deportados porque
protestavam contra o confisco de terras palestinas para a construção do muro
israelense próximo a Jenin, na Cisjordânia ocupada, ou porque removiam
obstáculos nas estradas próximas a Nablus, colocando em evidência a dificuldade
para a movimentação dos palestinos em suas próprias terras.
Em 2011, cerca de duas centenas de ativistas foram detidos e
deportados ao chegarem no aeroporto. Uma notícia do diário israelense Haaretz
de julho daquele ano comenta que um grupo de 25 pessoas “suspeitas de serem
ativistas pró-palestinos” teriam suas entradas negadas. Além deles, outros 69
já haviam sido interrogados por aqueles dias e seus destinos eram a deportação.
O Ministério do Transporte de Israel entregara também uma lista com os nomes de
outras 342 pessoas que as companhias aéreas estrangeiras não deveriam sequer
deixar embarcar.
A notícia no Haaretz conta que “Israel teve sucesso em
impedir até o momento [9 de julho de 2011] a entrada de 200 passageiros que
desejavam vir a Israel como parte da campanha Bem-Vindo à Palestina, que
organizou um ‘vooaço’ ao Oriente Médio neste final de semana para visitas de
solidariedade aos territórios palestinos.” E esta é apenas uma parte da tática
israelense de perseguir qualquer manifestação de solidariedade aos palestinos.
As campanhas acadêmicas e o movimento por Boicote, Desenvolvimento e Sanções
têm sido os alvos mais visíveis. Também são perseguidas organizações
israelenses de defesa dos direitos humanos e uma rede de soldados que decidiu
comentar as arbitrariedades que o Exército comete na Palestina ocupada –
Breaking the Silence.
Também há inúmeros casos de palestinos deportados por Israel
desde o início da ocupação militar. De 1967 a 1992, de acordo com a organização
israelense B’Tselem, Israel deportou 1.522 palestinos dos seus próprios
territórios. Em 2002, haviam sido deportadas 32 pessoas da Cisjordânia para a
Faixa de Gaza, por “decisões administrativas”, ou seja, sem que os deportados
fossem acusados de algo ou tivessem suas defesas ouvidas.
Deportar a solidariedade como “razão de segurança”?
Em sete horas de espera no aeroporto, fui interrogada
repetidamente. Logo na primeira vez uma dupla dos serviços de segurança se
apresentou dizendo já estar decidido que eu seria deportada, a menos que –
disse aquele que representava o papel do compreensivo – eu cooperasse.
“Cooperar” significava contar sobre cada canto da Palestina
em que estive nas visitas anteriores e cada pessoa que conheci. Quase
insistiram também que eu dissesse ter visto manifestantes palestinos atirarem
pedras contra soldados nos protestos em que afirmaram saber que eu estive,
porque tinham fotos tiradas pelos soldados. Pediram-me a senha do meu celular.
Fui cordial e respondi o máximo de perguntas até então — inclusive contando que
meu propósito era fazer um curso de Direito Internacional com a organização
Al-Haq e que sou também doutoranda, com foco na questão — mas recusei a dar
minha senha ou contatos. Aquilo era uma oportunidade para os “serviços de
segurança” conseguirem nomes e “culpados” palestinos. Em 2015, Gary Spedding,
um ativista britânico, passou por algo semelhante. As autoridades de segurança
copiaram contatos e mensagens pessoais do seu telefone. Ele foi deportado,
acusado de possivelmente vir a causar tumultos devido às suas mensagens nas
redes sociais.
Tive mais algumas interações com agentes, que se dirigiam a
mim à base de imperativos, levando-me de uma sala para outra, para o serviço de
fronteiras, onde recolheram minhas digitais e tiraram uma foto, depois para o
local onde revistaram meticulosamente minha mala e o meu corpo, e então para
outra sala, onde esperei – só depois entendi, já que não me davam informações –
pelo transporte até o centro de detenção. Veio como uma nova ordem: “entre no
carro.” Estava sozinha com dois agentes; entrei no banco de trás de uma van com
os vidros e o espaço do condutor tapados com placas de metal.
No centro de detenção, finalmente consegui informações sobre
meu voo de volta, que sairia em nove horas. Lá conheci uma jovem australiana
que esperava havia quatro dias e só partiria no quinto. Deram-nos uma ligação
telefônica e comida, 10 minutos no pátio e uma porta trancada por fora.
Esperamos. Num momento do dia, chegamos a ser nove pessoas naquele quarto feito
cela, com cinco beliches. A maior parte era de mulheres da Ucrânia, Moldávia,
Geórgia e do Uzbequistão que planejavam fazer turismo, mas cuja entrada foi
negada.
A australiana era outra ameaça: ousara participar de um
protesto, em uma visita anterior, em Bil’in, onde também estive. Lá, um comitê
popular luta contra a ocupação israelense manifesta na vila por detenções,
repressão e pelo muro que engolfou uma porção das terras agricultáveis – não
sem resistência, em parte vitoriosa, pois o curso do muro teve de ser desviado.
O próprio coordenador do comitê, Abdallah Abu Rahma, que já esteve preso antes,
espera o julgamento por novas acusações.
Do centro de detenção, fui levada de carro diretamente até a
porta do avião. Um agente me acompanhou para dentro da aeronave e entregou ao
comissário de bordo meus documentos – que estiveram com eles todo esse tempo.
Brasileiros não precisam de visto para entrar em Israel, nem israelenses
precisam de visto para entrar no Brasil. Entretanto, uma conta das deportações
dificilmente seria equilibrada entre os dois países. Muito menos por questões políticas.
Em 2015, mais dois brasileiros de ascendência palestina foram barrados quando
integravam um grupo de movimentos sociais em visita de solidariedade, vindos do
Fórum Social Mundial na Tunísia. Também estão banidos.
Voltar é uma impossibilidade pelos próximos 10 anos — ou até
que os palestinos possam finalmente exercer soberania sobre suas fronteiras, ou
ainda que a Embaixada de Israel conceda uma “permissão especial”. Se a
experiência resulta em um apelo, é pelo fim da ocupação israelense. Afinal,
este é o alvo: a solidariedade ao povo palestino, que resiste, e a luta pela
libertação da Palestina.
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