Mural no campo de refugiados de Aida, na Palestina, mostra o documento de identidade dos refugiados. Foto: Moara Crivelente
Por Moara Crivelente*
Há décadas demais, afirmamos a solidariedade ao povo palestino
com números e fatos que expõem objetivamente a ocupação israelense. Há
refugiados, mortos e prisioneiros demais, mas nenhum número enfatiza o
suficiente que apenas um homem, mulher ou criança sob ocupação é demais. Este
29 de novembro, Dia Internacional de Solidariedade ao Povo Palestino, não seria
diferente. Afinal, é a data em que, em 1947, a “partilha” lançou a chamada
“questão palestina”.
Decoramos os números das resoluções mais pertinentes, 181,
194, 242 e tantas outras que reafirmam – porque é inacreditavelmente necessário
– os direitos mais essenciais do povo palestino, condendam a ocupação ou ainda
reconhecem o direito de um povo sob ocupação à resistência.
A proposta de “partilha” acabou por validar, de certa forma,
a narrativa étnico-religiosa sobre um “conflito” nascido do projeto
colonialista, como em tantos outros lugares do mundo onde aparentes disputas
identitárias foram instrumentalizadas pelos colonizadores. A separação do
território e da população em linhas étnicas e religiosas foi em si um ponto
baixo para a humanidade. Mas nem mesmo nestes moldes se estabeleceu o Estado da
Palestina.
Embora haja algum consenso entre as vozes ditas “moderadas”
sobre a estrutura política da situação na Palestina e o impacto destrutivo da
ocupação crescente, desde o colonialismo e do imperialismo que a sustentam até
a desumanização virulenta que a “justifica”, a questão ainda é permeada pelas
representações étnico-religiosas de uma história milenar aparentemente sem
solução e assim tratada.
No ano em que a Assembleia Geral das Nações Unidas declarou
29 de novembro o Dia Internacional de Solidariedade ao Povo Palestino, em 1977,
o Likud (“A Consolidação”) – partido de direita hoje no poder – ascendia em
Israel, ainda como uma aliança, defendendo a anexação – embora o termo
raramente seja usado – dos territórios palestinos ocupados na guerra de 1967:
Cisjordânia, Faixa de Gaza e Jerusalém Oriental.
Como hoje dito por membros dos partidos ainda mais
extremistas, como o HaBayit HaYehudi (“Lar Judaico”) dos ministros da Justiça,
Ayelet Shaked e da Educação e Assuntos da Diáspora, Naftali Bennet, alguns
declaravam inspirações religiosas sobre o restante da Palestina e outros usavam
jargões militares para promover a sua anexação, alegando que a defesa de Israel
depende do que seria uma “zona de contenção” das nações árabes vizinhas.
Mesmo assim, aos palestinos se exige o compromisso com um
“processo de paz” há muito enterrado na expansiva construção de colônias, nas
reiteradas manifestações da liderança de direita em rejeição do Estado da
Palestina, no encarceramento massivo, nas repetidas ofensivas militares, nos
postos de controle esparramados, nos regimes que limitam ou impossibilitam a
circulação, em um muro de separação quilométrico, no contínuo roubo de terras,
no bloqueio completo da Faixa de Gaza, na negação do direito dos milhões de refugiados
ao retorno e na perseguição dos defensores dos direitos palestinos na Palestina
ocupada, em Israel e no exterior.
Dos oito milhões de palestinos, na Palestina ou na diáspora,
em países vizinhos ou no resto do mundo, cinco milhões são refugiados – incluindo
os expulsos dos territórios hoje israelenses, originários das cerca de 500
vilas destruídas pelas milícias sionistas durante a Nakba, a Catástrofe
palestina, em massacres que marcam a história da luta nacional. Em documentos
oficiais e discursos publicados, a “limpeza étnica” da Palestina era uma tática
declarada.
Como afirma a ONU, o Dia Internacional de Solidariedade ao
Povo Palestino é uma oportunidade de lembrar ao mundo que a pendência custa
caro, cotidianamente, a um povo massacrado, mas que resiste. Para os aliados de
Israel, a “potência ocupante”, como definido no direito internacional
humanitário, a data é observada com algum incremento sempre insuficiente de
apoio ao desenvolvimento de lógica liberal ou de apoio humanitário às agências
da ONU que prestam assistência aos refugiados, enquanto sua cumplicidade ou
respaldo a Israel – pelos EUA ou a União Europeia – são os reais patrocinadores
da atual condição palestina.
A solidariedade internacional ao povo palestino é potente e
a liderança de direita em Israel sabe disso. Não é à tôa que a perseguição e
tentativa de intimidação de solidários, sejam autoridades políticas,
acadêmicos, jornalistas ou defensores dos direitos humanos, intensifica-se. O
objetivo central é isolar e punir o povo palestino por ousar a resistir. Por
isso, reafirmar a solidariedade, neste e em todos os outros dias, é uma
necessidade inexorável, transformada em ação.
*Moara Crivelente é doutoranda em Política Internacional e
Resolução de Conflitos, diretora de Comunicação do Centro Brasileiro de
Solidariedade aos Povos e Luta pela Paz (Cebrapaz) e assessora da Presidência
do Conselho Mundial da Paz.
Fontes: O Mundo & a Resistência , Cebrapaz e Portal Vermelho |
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