Emir Mourad, secretário geral da COPLAC – Confederação Palestina Latino Americana e do Caribe, e que desde princípio dos anos 1980 milita no Movimento Nacional Palestino no Brasil, figurando entre os fundadores das principais organizações palestinas no Brasil e no continente, como a FEPAL – Federação Árabe Palestina do Brasil (1983) e a COPLAC – Confederação Palestina Latino Americana e do Caribe (1984), do mais antigo comitê de solidariedade ao povo palestino, o de São Paulo (1982), além do movimento da juventude palestino-brasileira SANAÚD (voltaremos) em 1983, concede entrevista à Revista Literária Zunái, na qual afirma que o processo de paz na Palestina é obstruído por Israel porque o regime sionista “quer continuar a ocupação dos territórios palestinos, continuar a limpeza étnica e impor mais e mais o seu regime de apartheid na Palestina”. Leia a entrevista na íntegra e conheça importantes aspectos históricos do movimento palestino no Brasil e no mundo. Segue a íntegra da entrevista, que também pode ser lida em http://zunai.com.br/post/177154727688/uma-conversa-com-emir-mourad:
Zunái: O presidente norte-americano Donald Trump reconheceu Jerusalém como a capital do Estado de Israel. Quais são as consequências políticas dessa decisão para as negociações entre israelenses e palestinos e para a paz no Oriente Médio?
Emir Mourad: As negociações estão paralisadas, Israel não
quer negociar, quer continuar a ocupação dos territórios palestinos, continuar
a limpeza étnica e impor mais e mais o seu regime de apartheid na Palestina.
Trump contrariou todas as resoluções da ONU sobre o status de Jerusalém,
tornando os Estados Unidos um ator parcial de apoio incondicional à Israel, o
que levou o Conselho Nacional Palestino a decidir pela exclusão dos Estados
Unidos com ator imparcial em condições de mediar qualquer negociação. A ONU e
seus países membros, em sua esmagadora maioria, não reconhecem Jerusalém como
capital de Israel, portanto não irão transferir suas embaixadas de Tel Aviv
para Jerusalém.
Zunái: As manifestações populares dedicadas à recordação dos
70 anos da Nakba nos territórios palestinos ocupados foram duramente reprimidos
por Israel, com dezenas de mortos e feridos pela polícia sionista. Em sua
opinião, por que o líder israelense, Netanyahu, agiu de maneira tão brutal?
Mourad: A lista de massacres contra o povo palestino por
parte de Israel é longa. É da essência do regime sionista de Israel não querer
a paz, apenas a guerra. O sionismo é um regime de colonização que desde a sua
fundação está baseado na substituição do povo palestino por imigrantes judeus e
isso é feito através do terrorismo de Estado e dos colonos judeus que ocupam a
Palestina. O dia que Israel resolver fazer a paz justa e verdadeira com a
Palestina, o sionismo deixará de existir como ideologia dominadora do estado
israelense.
Todos os anos durante Al Nakba, a catástrofe palestina, que
lembra a expulsão de mais de 750 mil palestinos de suas terras e têm como data
o 15 de maio de 1948, criação de Israel, o povo palestino se manifesta em
protestos pelos seus direitos nacionais inalienáveis ao retorno e autodeterminação.
O atual governo israelense, comandado pelo fascista Netanhayu, apenas faz o que
todos os governos israelenses estão programados a fazer: expandir a ocupação
para inviabilizar o estabelecimento do Estado da Palestina soberano e
independente e para isso utiliza da morte, do terror contra o povo palestino.
Zunái: Gilberto Gil e Shakira recusaram-se a cantar em
Israel e a seleção argentina de futebol negou-se a jogar com o time israelense,
entre outros fatos recentes que se inserem no quadro geral da política de BDS
(Boicote, Desinvestimentos e Sanções) aplicada por artistas, intelectuais e
outras personalidades contra instituições israelenses. A seu ver, essa política
tem dado resultados? Quais?
Mourad: O movimento BDS é importante para luta do povo
palestino e Israel tem se preocupado de forma séria com a expansão do movimento
a nível mundial, principalmente na Europa. Sabem que o que aconteceu com a
África do Sul durante o regime do Apartheid pode se tornar real: o apartheid
foi considerado “crime contra a humanidade” pela ONU e o país foi suspenso da
Assembléia Geral e daí em diante as sanções e os boicotes econômicos, culturais
e acadêmicos contra o regime racista sul africano evoluíram de forma crescente
culminando com a queda do regime, a libertação de Mandela depois de 27 anos de
prisão e sua vitoriosa eleição para a presidência da África do Sul. O mais fiel
aliado do regime do apartheid era Israel. E Mandela disse: “ A nossa libertação
não é completa sem a libertação do povo palestino”.
Zunái: Por que a política de BDS não é colocada em prática
também na esfera econômica por parte dos países que apoiam a causa palestina?
Mourad: É preciso haver pressão crescente da opinião publica
e dos movimentos da sociedade civil organizada para que os governos dos seus
respectivos países adotem posições mais concretas, não basta governos fazerem
discursos e declarações, é necessário agir de forma concreta. Deve crescer,
também, os posicionamentos de artistas, personalidades, acadêmicos e políticos
para exercer o papel de conscientização e divulgação da necessidade de agir
contra os crimes que Israel pratica em nome dos judeus. Isso contribui para que
o BDS avance. Muitos judeus em Israel e mundo afora aderiram ao BDS e querem
que o povo palestino viva em liberdade em sua própria terra.
Zunái: Como está a situação dos prisioneiros políticos
palestinos hoje? Qual é o número de mulheres e crianças presas em Israel?
Mourad: Desde 1967 a grande maioria das famílias palestinas
tiveram, ao menos, um familiar detido pelas forças de ocupação israelense. Em
fevereiro deste ano a Sociedade Palestina de Prisioneiros declarou que são
cerca de 7000 prisioneiros, dentre eles 300 crianças e 57 mulheres. Diversas entidades
de direitos humanos, inclusive a ONU, acompanham e emitem relatórios frequentes
contra a tortura e abuso de prisioneiros adultos e crianças. Pela lei militar
israelense qualquer palestino pode ser preso sem acusação formal, chamada de
prisão administrativa.
Os prisioneiros palestinos são homens, mulheres e crianças
que querem viver em liberdade em sua
terra, eles não tem exército, tanques, aviões, bombas atômicas. Resistem da
forma que todos os povos resistem contra uma ocupação militar que os priva de
serem cidadãos normais com direito a ir e vir, com direito de plantarem em suas
terras, de viver em paz em sua terra milenar. Todo o povo aprisionado e cercado
em sua própria terra tem o direto internacional que garante que pode lutar com
todos os meios que achar necessário para se libertar do inimigo opressor e
ocupante.
Zunái: Desde o golpe de estado de 2016, no Brasil, a
política externa brasileira mudou muito, inclinando-se para a esfera de
influência norte-americana. Como isto alterou as relações oficiais entre o
Brasil e a Autoridade Nacional Palestina?
Mourad: Não houve alteração do Itamaraty em relação a
questão palestina. A politica de estado continua inalterada e isso não depende
mais da mudança de governo: o Brasil já reconheceu o Estado da Palestina nas
fronteiras de 67 e apoia uma saída negociada entre Israel e a Palestina de
acordo com as resoluções da ONU. Em 2010 o ex-presidente Lula reconheceu o
estado palestino, Em novembro de 2012, a Assembleia Geral da ONU admitiu o
Estado da Palestina como membro observador da ONU por 138 votos favoráveis,
inclusive do Brasil e 9 contrários, sendo os mais destacados e sem nenhuma
surpresa, Israel e Estados Unidos. O povo palestino sempre agradeceu a
solidariedade do Brasil com a Palestina na sua luta por justiça, liberdade e
paz.
Zunái: Você visitou recentemente a Cisjordânia e
encontrou-se com o presidente palestino, Mahmoud Abbas. Quais foram as suas
impressões dessa viagem e das reuniões políticas de que você participou?
Mourad: Em outubro de 2017 foi realizado o 4º Congresso da
Confederação Palestina latino-americana e do Caribe - COPLAC, na cidade de
Manágua, entidade fundada em 1984 que representa a comunidade palestina na
América Latina. Nesse congresso foram aprovadas a plataforma politica que deve
nortear as ações da entidade no continente e foi eleito um comitê executivo com
um representante por país. O Presidente eleito, Rafael Araya Masry e o
Secretário Geral eleito, Emir Mourad, representando o Comitê Executivo,
viajaram para a Palestina para apresentar ao conjunto do povo palestino e suas
entidades civis e governamentais os resultados do congresso que primam pelo
apoio incondicional aos direitos inalienáveis do povo palestino ao retorno dos
refugiados a sua terra natal e pelo estabelecimento do estado palestino
independente. Nesse contexto, fomos recebidos pelo Presidente Mahmoud Abbas que
se mostrou muito feliz de saber que a comunidade palestina tão distante mantem
suas ligação forte com o povo palestino e suas aspirações nacionais. O
presidente respaldou a COPLAC como única e legítima representante do povo
palestino na última reunião que a entidade esteve com ele, em maio desse ano,
em sua visita ao Chile.
Zunái: Você foi um dos fundadores do Comitê pelo Estado da
Palestina Já, em São Paulo. Qual é o balanço que você faz das ações realizadas
por esse comitê?
Mourad: Um balanço extremamente positivo. No blog
Sanaúd-Voltaremos escrevi um artigo (https://goo.gl/pqb9Ho) sobre a história do
movimento palestino no Brasil e as atividades do Comitê relatando duas
situações inéditas que ocorreram rem relação ao mesmo:
Primeiro, não foi uma reação à mais uma das costumeiras
brutalidades criminosas com que Israel ataca o povo palestino, mas sim uma ação
politica de apoio a OLP- Organização para a Libertação da Palestina e ANP- Autoridade Nacional Palestina no seu
objetivo de solicitar a ONU que o Estado da Palestina seja admitido como estado
membro de plenos direitos como os demais 193 países que compõem a Assembleia
Geral das Nações Unidas.
Segundo, pela primeira vez, tanto no ato de lançamento do
Comitê pelo Estado da Palestina Já, no dia 29 de agosto de 2011, como no ato e
caminhada do dia 20 de setembro do mesmo ano, tivemos a participação de todas
as centrais sindicais, das entidades estudantis e de mulheres. Na caminhada,
participaram partidos políticos, parlamentares, religiosos, artistas,
escritores, jovens, entidades da comunidade árabe e dos mais variados extratos
do movimento social. Estiveram presentes 64 entidades nacionais e partidos
políticos.
As ações do Comitê culminaram com a marcha de mais de 15 mil
pessoas durante o Fórum Social Mundial Palestina Livre, ocorrido em Porto
Alegre, em novembro de 2012. Durante a marcha, no dia 29 de novembro, que é o
Dia Internacional de Solidariedade ao Povo Palestina, os manifestantes
receberam a notícia que naquele momento a Assembléia Geral da ONU acabava de
aprovar a admissão do Estado da Palestina como estado observador das Nações
Unidas. O objetivo era de ser admitido como estado mebro e não apenas
observador. Mas no Conselho de Segurança, os Estados Unidos usaram o seu veto
costumeiro. Porem, foi uma grande vitória para a causa palestina.
Não poderia haver balanço mais positivo que esse!
Zunái: Quais são os desafios do movimento internacional de
solidariedade ao povo palestino na atualidade?
Mourad: Do movimento internacional e nacional em geral é
ampliar e fortalecer os organismos e mecanismos de divulgação, denuncia dos
crimes isralenses e implementação de ações efetivas de solidariedade com o povo
palestino.
No Brasil, ainda temos uma parcela do movimento de
solidariedade que precisa evoluir no conceito de prestar solidariedade para um
povo que se encontra no estágio de uma luta de libertação nacional e não de uma
luta de classes. Nacional quer dizer todo o povo palestino e não parte desse
povo. A Palestina está ocupada com todos os palestinos que lá se encontram.
Ampliar o movimento de solidariedade para que partidos políticos, entidades
civis, personalidades, independente de suas conotações ideológicas, se somem
para ajudar o povo palestino a conquistar seus DIREITOS NACIONAIS INALIENÁVEIS
AO RETORNO E AUTODETERMINAÇÃO deve ser a principal bandeira do movimento. A
unidade de todos que prestam solidariedade depende dessa questão, sem isso
levamos a partidarização da causa palestina longe dos interesses reais do povo
palestino.
Emir Mourad é secretário-geral da Confederação
Latino-americana e do Caribe (COPLAC)
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Fontes: FEPAL e Revista Zunái