sábado, 23 de julho de 2011

Professores israelenses desafiam governo e ensinam tragédia palestina

Professores israelenses desafiam governo e ensinam tragédia palestina

A 'Nakba' (Catástrofe), termo palestino para referir-se à fundação do Estado de Israel, é tabu na sociedade israelense

BBC Brasil | 16/06/2011

Mais de cem professores secundários de Israel estão desafiando instruções do Ministério da Educação ao ensinar seus alunos sobre as perdas sofridas pelos palestinos em 1948, ano da fundação do Estado de Israel.

Para o professor de História Iddo Felsenthal, os fatos que ocorreram durante a guerra de 1948, na qual cerca de 700 mil palestinos perderam suas casas e tornaram-se refugiados, fazem parte da história do país e devem ser ensinados nas escolas de Israel. "Criou-se um clima geral de demagogia em Israel, no qual qualquer pessoa que mencione a Nakba (tragédia ou catástrofe, em árabe) dos palestinos é vista como se fosse contra o Estado de Israel. Muitos professores têm medo", disse o professor à BBC Brasil.

Foto: Zochrot
Cerca de 700 mil palestinos perderam suas casas durante a guerra de 1948

O tema da Nakba é um tabu na sociedade israelense, grande parte do público interpreta a própria menção do termo como uma posição contra a própria existência do Estado de Israel. No entanto, existe um setor significativo da sociedade israelense que aceita iniciativas como o ensino do que ocorreu com os palestinos em 1948. Em geral, os filhos de pessoas com essa posição estudam em escolas seculares e pluralistas.

Anonimato

Vários professores que ensinam a Nakba vêm falando à mídia israelense sobre o assunto em condição de anonimato, pois receiam perder o emprego ou ter sua carreira prejudicada. Para Felsenthal, que leciona em um colégio de Jerusalém, os professores não deveriam se esconder.

"Não estamos fazendo nada de mal, muito pelo contrário. Estamos dando a nossos alunos instrumentos de raciocínio critico, para que possam entender melhor a história do nosso país e do conflito. Assim os alunos poderão analisar, eles mesmos, as diversas narrativas históricas e formar sua opinião de forma independente", afirmou. "A identidade de um povo não pode se basear em esquecer, recalcar ou esconder fatos históricos básicos, como a expulsão dos palestinos", acrescentou.

Kit Nakba


De acordo com a versão oficial do governo israelense, em 1948 os palestinos não foram expulsos, mas fugiram, seguindo os chamados dos países árabes. A ONG israelense Zochrot ("Lembramos", em tradução livre), que se dedica a preservar e divulgar a memória das perdas sofridas pelos palestinos, produziu um "kit Nakba", especialmente para professores interessados em mostrar aos alunos um capítulo da história do país que não é incluído no currículo escolar oficial.

Eitan Bronstein, fundador e diretor da Zochrot, disse à BBC Brasil que o kit já está sendo utilizado por mais de cem professores secundários e "a demanda pelos kits continua crescendo". O kit pedagógico, com textos, fotos e um DVD, inclui testemunhos de palestinos que perderam suas propriedades em 1948, mapas, e as diversas versões oficiais dos fatos históricos - do governo israelense, da liderança palestina e da ONU.

Aldeias destruídas

Durante a guerra de 1948, à qual Israel chama de Guerra da Independência e os palestinos chamam de Nakba, mais de 400 aldeias palestinas foram destruídas. "Em todo o país há ruínas das centenas de aldeias que foram destruídas, mas a maioria do público não sabe que havia aldeias palestinas nesses lugares e o que aconteceu com os moradores", afirmou Bronstein.

A ONG já organizou visitas a mais de 50 locais onde no passado havia aldeias palestinas e colocou placas em hebraico, árabe e inglês, com os nomes das aldeias. No entanto, de acordo com Bronstein, em geral as placas são imediatamente retiradas dos locais.

"Para muitos israelenses é difícil admitir que temos capítulos feios em nossa historia", disse. "Mas a única maneira de construir um futuro melhor é, antes de tudo, olhar com coragem para o nosso passado e não tentar negar o que aconteceu aqui em 1948."

Foto: Zochrot
ONG israelense organiza visitas a locais de antigas aldeias palestinas para divulgar história palestina

"A Nakba não é só a tragédia dos palestinos. Nós, israelenses, também somos vítimas dela, pois desde a fundação do Estado vivemos em guerras, e qualquer cidadão israelense, desde a infância, começa a ser preparado para tornar-se um soldado", acrescentou Bronstein.

Questão espinhosa

O problema dos refugiados, que hoje em dia são cerca de 4,5 milhões dispersos em vários países do Oriente Médio, é considerado a questão mais espinhosa do conflito israelo-palestino, e as versões contraditórias sobre o que ocorreu em 1948 alimentam até hoje os discursos dos dois lados.

Em 2009, o ministro da Educação Gidon Saar proibiu o ensino da Nakba em escolas árabe-israelenses e mandou recolher livros escolares que incluíam informações sobre a expulsão dos palestinos. O Ministério da Educação afirmou que "os professores não têm permissão para ensinar conteúdos que não foram autorizados pelo ministério, sejam quais forem os temas". Segundo o ministério, "os professores que ensinam conteúdos não autorizados agem de forma que contradiz os regulamentos".


Desmond Tutu, Israel e Eu


Desmond Tutu, Israel e Eu

25/05/2011


Para mim, é tão imoral empresas lucrarem com a ocupação israelense da Cisjordânia, Gaza e Jerusalém Leste quanto era no caso das empresas que lucravam com o apartheid sul-africano. Como o mundo e eu aprendemos há 25 anos, a pressão externa é muitas vezes necessária para provocar mudanças políticas e deter um governo opressor. A geração de hoje está preparada para desempenhar um papel histórico, ajudando a trazer a paz, a justiça e a igualdade para o Oriente Médio. O artigo é de Jordan Ash.

Jordan Ash - Common Dreams

(*) Jordan Ash é representante do movimento Jewish Voice for Peace, em Minnesota (EUA)

Quando eu era criança, minha mãe incutiu-me um forte sentido de certo e errado. A moral que ela transmitiu estava firmemente enraizada na história do povo judeu. Minha mãe falou-me dos pogroms na Rússia, das duras condições de trabalho que os judeus tiveram que suportar e da discriminação que enfrentaram nos Estados Unidos. Ela também me falou de Samuel Gompers, que fundou a Federação Americana do Trabalho, e de Michael Schwerner e Andrew Goodman que deram suas vidas, ao lado de James Chaney, no movimento em defesa dos direitos civis.

As lições que aprendi foram claras. Devemos lutar pela Justiça. A discriminação e o preconceito são coisas erradas. Todas as pessoas são iguais e merecem ser tratadas com dignidade e respeito.

Nos feriados, comemorávamos momentos onde praticamos essas lições. Na Páscoa, nos lembrávamos que éramos escravos no Egito. A Chanukah é a história de como Judas Macabeu e um pequeno grupo de homens derrotaram o exército grego para que pudéssemos praticar a nossa religião. No Purim, nós vaiávamos quando ouvíamos o nome de Haman, que queria destruir os judeus e brindávamos a Ester que arriscou a vida para salvar seu povo.

E, é claro, ela me falou do Holocausto, das formas heroicas com os quais os judeus lutaram e dos modos horríveis pelos quais morreram. Esta foi a história que deu tanta importância à fundação de Israel. Era como se, após uma sucessão de tragédias, a história do nosso povo tivesse um final feliz.
Como fui ensinado, os árabes queriam negar-nos esse final feliz e jogar todos os judeus no mar, simplesmente porque eram judeus. Eu, como tantos outros judeus, não fui ensinado que a fundação de Israel exigiu a remoção forçada de 700 mil palestinos.

Quando cheguei à faculdade, em 1985, rapidamente me envolvi em uma tentativa de envolver a escola em um boicote contra empresas que faziam negócios com a África do Sul. Fui preso em um ato de desobediência civil, juntamente com outros dez estudantes, incluindo Amy Carter, filha do ex-presidente e ganhador do Prêmio Nobel da Paz, Jimmy Carter.

Por volta dessa época, vi um panfleto que falava sobre a aliança profana entre os Estados Unidos, África do Sul e Israel. Eu quis acreditar que se tratava de uma falsa acusação promovida por anti-semitas contra Israel, mas não era. Israel forneceu armas para o regime do apartheid.

Alguns anos mais tarde, quando Nelson Mandela foi libertado da prisão e visitou os Estados Unidos, alguns judeus ameaçaram protestar por causa de declarações de Mandela, comparando a luta dos palestinos com a dos negros sul-africanos.

O fato de essa verdade sobre Israel ser algo muito doloroso, eu ignorei-a. Mesmo eu que procurava viver com os valores transmitidos por minha meu, que trabalhava com os sindicatos e organizações da comunidade, ignorei o que as pessoas estavam dizendo sobre a opressão contra os palestinos. Eu coloquei Israel fora da minha mente e, por um longo tempo, também coloquei os judeus fora de minha mente.

Então, vinte anos depois, ouvi um grupo de jovens judeus se manifestarem contra o que Israel estava fazendo nos territórios ocupados e como eles – como judeus – se sentiram obrigados a fazer tudo o que podiam para impedir isso.

Eu fui para Israel então, para ver com meus próprios olhos. Eu vi que Israel estava construindo um muro de 425 milhas, separando comunidades e famílias umas das outras, agricultores de suas terras e impedindo os palestinos de chegarem ao trabalho ou à escola. Vi que o governo israelense estava demolindo casas palestinas, enquanto continuava permitindo a construção de novos assentamentos judaicos.

Ficou claro para mim que o principal interesse de Israel não era alcançar a paz, mas tomar as melhores terras para si, enquanto forçava os palestinos a uma vida de pobreza cheia de lembranças diárias de seu “status inferior”. A minha experiência confirmou o que Jimmy Carter tinha dito: que Israel criou um sistema de apartheid.

Pouco tempo depois de ter voltado, a Universidade de St. Thomas, em St.Paul, desconvidou o arcebispo Desmond Tutu para uma atividade, após o Conselho de Relações da Comunidade Judaica ter dito que Tutu teria feito comentários ofensivos à comunidade.

O que Tutu havia dito? “Eu fiquei profundamente angustiado na minha visita à Terra Santa, que me lembrou muito do que aconteceu com nós, negros, na África do Sul. Eu vi a humilhação dos palestinos nos postos de controle e de bloqueio nas estradas, sofrendo como nós, quando os jovens policiais brancos nos impediam de nos locomover”. Às vezes a verdade dói.

O site JCRC Minnesota apresenta uma citação do líder zulu sul-africano Chefe Buthelezi dizendo que “o regime israelense não é o apartheid”. Quem é o chefe Buthelezi? Ele foi um dos únicos negros sul-africanos a se opor ao boicote e a incentivar o investimento estrangeiro na África do Sul, alegando que era uma coisa boa para o povo negro. A comunidade empresarial internacional abraçou-o e ignorou o fato de que todos os líderes negros do movimento anti-apartheid eram a favor de sanções e do boicote.

Inspirado pelo sucesso do movimento de boicote e de desinvestimento contra o apartheid sul-africano, uma ampla fama de organizações da sociedade civil palestina fez um apelo em 2005 em favor da campanha Boicote, Desinvestimento e Sanções como parte de uma campanha não violenta para acabar com a ocupação israelense.

As pessoas que se opunham ao boicote à África do Sul 25 anos atrás argumentavam que a melhor maneira de mudar o apartheid era por meio do “engajamento construtivo” das corporações com o regime do apartheid. Elas estavam erradas.

Para mim, é tão imoral empresas lucrarem com a ocupação israelense da Cisjordânia, Gaza e Jerusalém Leste quanto era no caso das empresas que lucravam com o apartheid sul-africano. Como o mundo e eu aprendemos há 25 anos, a pressão externa é muitas vezes necessária para provocar mudanças políticas e deter um governo opressor. A geração de hoje está preparada para desempenhar um papel histórico, ajudando a trazer a paz, a justiça e a igualdade para o Oriente Médio.

(*) Jordan Ash é representante do movimento Jewish Voice for Peace, em Minnesota (EUA)

Tradução: Katarina Peixoto

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