Por Marino Boeira*
Um acordo de paz permanente entre palestinos e judeus é uma meta que deve ser desejada por todos, mas as novas conversações entre Israel e a Autoridade Palestina, promovidas pelo Secretário de Estado Norte-Americano, John Kerry, parecem mais uma jogada de marketing político do governo Obama do que realmente um esforço para superar as antigas divergências que separam os dois povos.
A partir de 1993, em Oslo, sob o patrocínio de outro presidente americano, Bill Clinton, judeus e palestinos começaram uma série de reuniões que terminaram em setembro de 1995, com os chamados acordos Oslo II, que permitiriam a criação de um Estado Palestino, ainda que fragmentado, cinco anos mais tarde, nas regiões da Cisjordânia e Faixa de Gaza.
Sob pressão americana, o dirigente histórico da Autoridade Nacional Palestina, Yasser Arafat, foi obrigado a assinar um acordo pelo qual a Palestina era dividida em três áreas. A Zona A, sob total controle da ANP, representava 3% dos territórios ocupados e 20% da população, enquanto a Zona B (controle militar israelense e civil palestino) compreendia 24% do território e 68% da população (os territórios das Zonas A e B são completamente fragmentados, sem continuidade). A Zona C, incluindo Jerusalém Oriental, com 73% do território e 12% da população, permanecia sob total controle israelense e nela se intensificou a construção de colônias judaicas e rodovias estratégicas
Outras reivindicações históricas dos palestinos desde a criação do Estado de Israel, em 1948, como a volta às fronteiras existentes até 1967, o retorno dos palestinos expulsos de suas terras e a questão da divisão de Jerusalém, sequer foram discutidas.
Mesmo com todas estas concessões, Israel nunca cumpriu o que prometera em Oslo. Yitzhak Rabin, que assinou o acordo de paz com Arafat, seria assassinado por extremistas judeus de direita cinco semanas após e o seu governo de centro esquerda, substituído, mais adiante, por outro formado por uma coalizão de direitistas e partidos religiosos, para os quais nenhuma concessão deveria ser feita aos palestinos.
Na visão estratégica dos fundadores e dos principais líderes do Estado de Israel, como David Bem-Gurion, Golda Meir, Moshe Dayan e Menachen Begin, a paz com os árabes nunca foi uma perspectiva aceitável, muito menos a consolidação de um Estado Palestino na região. Na visão militarizada desses líderes, a sobrevivência de Israel, além do permanente apoio material dos Estados Unidos, só seria possível com apropriação das terras e dos mananciais de água dos palestinos. Por isso, a guerra, muito mais do que a paz, sempre esteve entre seus principais objetivos.
Com algumas nuances pouco marcantes, esta foi sempre a estratégia dos governos de Israel. Quando a pressão internacional era muito grande, eram feitas algumas concessões aos palestinos, mas no essencial a política de ocupação das terras árabes por colonos judeus nunca foi interrompida.
Sem perspectivas de alcançar algum sucesso pelas vias políticas, os palestinos, também estimulados pela expulsão dos judeus do sul do Líbano, lançaram a segunda Intifada (guerra das pedras) contra os soldados e os colonos israelenses nas regiões ocupadas, a partir do ano 2.000, causando em seis anos mais do que 5 mil mortos, a maioria palestinos.
No final do ano passado, a ONU aprovou o pedido da Autoridade Palestina para se tornar um Estado observador nas Nações Unidas por 138 votos a favor, inclusive com o voto do Brasil, 9 contra e 41 abstenções. Na prática, porém, pouco mudou e o que mudou foi para pior: os fundos de auxílio dos Estados Unidos à Autoridade Palestina foram congelados pelo Congresso Americano e Israel bloqueou o repassemensal de US$ 100 milhões em taxas alfandegárias e impostos sobre vendas, a que a Autoridade Palestina tem direito sobre o seu comércio com outros países.
Com isso, a dívida da Autoridade Palestina chegou a 2 bilhões de dólares e o governo praticamente quebrou, tornando-se incapaz de continuar mantendo sua estrutura administrativa. Nessa situação, tornou-se impossível para o presidente da ANP, Mahamoud Abbas, recusar o convite americano para voltar a negociar com Israel, mesmo sabendo que obterá poucas concessões e verá ainda tornar-se mais tensa sua relação com o Hamas, que controla a Faixa de Gaza e não aceita negociar com Israel nas condições propostas pelos americanos.
Há semanas atrás, antecedendo à vista de Kerry, Obama esteve na Palestina para negociar a realização da chamada Conferência de Paz. Primeiro, anunciou que o atual acordo de ajuda militar a Israel, que terminaria em 2017, será ampliado por mais 10 anos a um custo de 3 bilhões de dólares anuais. Depois, garantiu o repasse imediato de 200 milhões de dólares à Autoridade Palestina e mais 500 milhões nos próximos dias, dos fundos que estavam congelados.
Satisfeitas as necessidades financeiras dos palestinos e militares dos israelenses, foi possível a Obama assumir o papel de mediador no processo de paz.
Para mostrar colaboração, Israel libertou 140 presos políticos palestinos.
Armado o circo, John Kerry anunciou que a gestação do acordo de paz deve durar nove meses, assim como acontece com os seres humanos.
Vamos esperar que não seja parido um monstro, embora a negociadora israelense, a ministra Tzipi Livni, já tenha antecipado poucas esperanças de sucesso na empreitada.
Disse ela: ”Temos ministros que não querem chegar a um acordo, nem ouvir falar da ideia de dois Estados, temos outros ministros que são indiferentes, mas que esperam que nenhum resultado seja alcançado, e outros membros do governo que desejam alcançar o fim do conflito”.
Ela fazia referência aos ministros da ala radical do Likud, partido do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, e do nacionalista Lar Judeu, que são hostis à criação de um Estado palestino.
Livni também fez referência ao partido de centro-direita Yesh Atid de Yair Lapid, o ministro das Finanças, que até o momento não considera que o processo de paz seja uma prioridade
Enquanto isso quem vai ganhar ou perder nesses nove meses?
Em primeiro lugar, ganha o Presidente Obama, pelo menos enquanto durar a conferência entre palestinos e judeus.
Depois, os israelenses, que poderão continuar com suas políticas expansionistas sobre terras palestinas sem a ameaça de maiores represálias.
Ganha o governo da Autoridade Palestina, que terá alguns meses de desafogo financeiro.
Quem perde?
Como sempre aconteceu até agora, serão os palestinos na sua esperança de construir um estado nacional, independente, moderno e democrático.
* Marino Boeira é professor universitário
Um acordo de paz permanente entre palestinos e judeus é uma meta que deve ser desejada por todos, mas as novas conversações entre Israel e a Autoridade Palestina, promovidas pelo Secretário de Estado Norte-Americano, John Kerry, parecem mais uma jogada de marketing político do governo Obama do que realmente um esforço para superar as antigas divergências que separam os dois povos.
A partir de 1993, em Oslo, sob o patrocínio de outro presidente americano, Bill Clinton, judeus e palestinos começaram uma série de reuniões que terminaram em setembro de 1995, com os chamados acordos Oslo II, que permitiriam a criação de um Estado Palestino, ainda que fragmentado, cinco anos mais tarde, nas regiões da Cisjordânia e Faixa de Gaza.
Sob pressão americana, o dirigente histórico da Autoridade Nacional Palestina, Yasser Arafat, foi obrigado a assinar um acordo pelo qual a Palestina era dividida em três áreas. A Zona A, sob total controle da ANP, representava 3% dos territórios ocupados e 20% da população, enquanto a Zona B (controle militar israelense e civil palestino) compreendia 24% do território e 68% da população (os territórios das Zonas A e B são completamente fragmentados, sem continuidade). A Zona C, incluindo Jerusalém Oriental, com 73% do território e 12% da população, permanecia sob total controle israelense e nela se intensificou a construção de colônias judaicas e rodovias estratégicas
Outras reivindicações históricas dos palestinos desde a criação do Estado de Israel, em 1948, como a volta às fronteiras existentes até 1967, o retorno dos palestinos expulsos de suas terras e a questão da divisão de Jerusalém, sequer foram discutidas.
Mesmo com todas estas concessões, Israel nunca cumpriu o que prometera em Oslo. Yitzhak Rabin, que assinou o acordo de paz com Arafat, seria assassinado por extremistas judeus de direita cinco semanas após e o seu governo de centro esquerda, substituído, mais adiante, por outro formado por uma coalizão de direitistas e partidos religiosos, para os quais nenhuma concessão deveria ser feita aos palestinos.
Na visão estratégica dos fundadores e dos principais líderes do Estado de Israel, como David Bem-Gurion, Golda Meir, Moshe Dayan e Menachen Begin, a paz com os árabes nunca foi uma perspectiva aceitável, muito menos a consolidação de um Estado Palestino na região. Na visão militarizada desses líderes, a sobrevivência de Israel, além do permanente apoio material dos Estados Unidos, só seria possível com apropriação das terras e dos mananciais de água dos palestinos. Por isso, a guerra, muito mais do que a paz, sempre esteve entre seus principais objetivos.
Com algumas nuances pouco marcantes, esta foi sempre a estratégia dos governos de Israel. Quando a pressão internacional era muito grande, eram feitas algumas concessões aos palestinos, mas no essencial a política de ocupação das terras árabes por colonos judeus nunca foi interrompida.
Sem perspectivas de alcançar algum sucesso pelas vias políticas, os palestinos, também estimulados pela expulsão dos judeus do sul do Líbano, lançaram a segunda Intifada (guerra das pedras) contra os soldados e os colonos israelenses nas regiões ocupadas, a partir do ano 2.000, causando em seis anos mais do que 5 mil mortos, a maioria palestinos.
No final do ano passado, a ONU aprovou o pedido da Autoridade Palestina para se tornar um Estado observador nas Nações Unidas por 138 votos a favor, inclusive com o voto do Brasil, 9 contra e 41 abstenções. Na prática, porém, pouco mudou e o que mudou foi para pior: os fundos de auxílio dos Estados Unidos à Autoridade Palestina foram congelados pelo Congresso Americano e Israel bloqueou o repassemensal de US$ 100 milhões em taxas alfandegárias e impostos sobre vendas, a que a Autoridade Palestina tem direito sobre o seu comércio com outros países.
Com isso, a dívida da Autoridade Palestina chegou a 2 bilhões de dólares e o governo praticamente quebrou, tornando-se incapaz de continuar mantendo sua estrutura administrativa. Nessa situação, tornou-se impossível para o presidente da ANP, Mahamoud Abbas, recusar o convite americano para voltar a negociar com Israel, mesmo sabendo que obterá poucas concessões e verá ainda tornar-se mais tensa sua relação com o Hamas, que controla a Faixa de Gaza e não aceita negociar com Israel nas condições propostas pelos americanos.
Há semanas atrás, antecedendo à vista de Kerry, Obama esteve na Palestina para negociar a realização da chamada Conferência de Paz. Primeiro, anunciou que o atual acordo de ajuda militar a Israel, que terminaria em 2017, será ampliado por mais 10 anos a um custo de 3 bilhões de dólares anuais. Depois, garantiu o repasse imediato de 200 milhões de dólares à Autoridade Palestina e mais 500 milhões nos próximos dias, dos fundos que estavam congelados.
Satisfeitas as necessidades financeiras dos palestinos e militares dos israelenses, foi possível a Obama assumir o papel de mediador no processo de paz.
Para mostrar colaboração, Israel libertou 140 presos políticos palestinos.
Armado o circo, John Kerry anunciou que a gestação do acordo de paz deve durar nove meses, assim como acontece com os seres humanos.
Vamos esperar que não seja parido um monstro, embora a negociadora israelense, a ministra Tzipi Livni, já tenha antecipado poucas esperanças de sucesso na empreitada.
Disse ela: ”Temos ministros que não querem chegar a um acordo, nem ouvir falar da ideia de dois Estados, temos outros ministros que são indiferentes, mas que esperam que nenhum resultado seja alcançado, e outros membros do governo que desejam alcançar o fim do conflito”.
Ela fazia referência aos ministros da ala radical do Likud, partido do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, e do nacionalista Lar Judeu, que são hostis à criação de um Estado palestino.
Livni também fez referência ao partido de centro-direita Yesh Atid de Yair Lapid, o ministro das Finanças, que até o momento não considera que o processo de paz seja uma prioridade
Enquanto isso quem vai ganhar ou perder nesses nove meses?
Em primeiro lugar, ganha o Presidente Obama, pelo menos enquanto durar a conferência entre palestinos e judeus.
Depois, os israelenses, que poderão continuar com suas políticas expansionistas sobre terras palestinas sem a ameaça de maiores represálias.
Ganha o governo da Autoridade Palestina, que terá alguns meses de desafogo financeiro.
Quem perde?
Como sempre aconteceu até agora, serão os palestinos na sua esperança de construir um estado nacional, independente, moderno e democrático.
* Marino Boeira é professor universitário
Fonte: Sul2
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'É normal o ceticismo quanto à paz', diz negociador palestino DIOGO BERCITO DE JERUSALÉM
Mike Theiler - 30.jul.13/Efe - Negociador Saeb Erekat, ao lado do secretário de Estado dos EUA, John Kerry; para ele, ceticismo sobre paz é normal |
Não é de surpreender que as pessoas ao redor do mundo estejam céticas a respeito do processo de paz, diz o negociador-chefe palestino Saeb Erekat à Folha.
Afinal, duas décadas de negociações, desde os Acordos de Oslo, "trouxeram mais colonos, mais assentamentos e mais extremistas".
Erekat irá liderar as conversas com autoridades israelenses durante os nove meses de processo de paz. "Não quero que meus filhos passem pelo que estou passando. Queremos ser como qualquer outro povo no mundo", diz ele.
Afinal, duas décadas de negociações, desde os Acordos de Oslo, "trouxeram mais colonos, mais assentamentos e mais extremistas".
Erekat irá liderar as conversas com autoridades israelenses durante os nove meses de processo de paz. "Não quero que meus filhos passem pelo que estou passando. Queremos ser como qualquer outro povo no mundo", diz ele.