No encalço da adesão palestina ao Tribunal Penal
Internacional (TPI), as análises sobre as suas consequências são variadas.
Nesta quinta-feira (8), o secretário-geral da Organização das Nações Unidas
(ONU) Ban Ki-Moon anunciou que o Estado da Palestina será membro da Corte a
partir de 1º de abril, com período retroativo desde junho de 2014. Em resposta,
as ameaças israelenses e dos EUA refletem a certeza de um impacto decisivo
sobre o status quo.
Como explorado em artigos anteriores e segundo a mídia
internacional, apreensiva com a resposta israelense (ou com o chacoalhar das
estruturas da impunidade), os palestinos poderão acusar membros do Exército e
os líderes sionistas pelos crimes de guerra, crimes contra a humanidade e
genocídio (violações às quais se dedica o TPI) cometidos em seus territórios.
Israel não ratificou o Estatuto de Roma, constitutivo do TPI, mas seus
nacionais poderão ser julgados por crimes na Cisjordânia, Jerusalém Oriental e
Faixa de Gaza, territórios palestinos ocupados.
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Por outro lado, análises sobre as estratégias da defesa
israelense incluem o não-reconhecimento do Estado da Palestina por Israel e por
seu maior aliado, os Estados Unidos. Aliás, porta-vozes estadunidenses já
lançaram esta dica nos meios internacionais em reação à candidatura (em 31 de
dezembro de 2014) e à aceitação da Palestina enquanto membro do TPI, anunciada
nesta quinta. Para representantes como a embaixadora dos EUA na ONU, Samantha
Power, a iniciativa palestina de recorrer ao direito internacional para tentar
superar a persistência da ocupação sionista e sua impunidade é
“contraproducente”.
Os Estados Unidos, além de patrocinadores (com ajuda militar
e política decisivas e bilionárias desde a década de 1960) e aliados dedicados
a Israel, são também a garantia de manutenção de uma situação aparentemente
insuperável de estagnação, num “processo de paz” infindável e fadado ao
fracasso. Monopolizando a mediação dos inócuos períodos de diálogos entre
Israel e a Palestina, os EUA só conseguiram garantir o enraizamento e a
disseminação da ocupação. Entretanto, o crescente apoio internacional à causa
palestina pela autodeterminação, assim como os esforços da liderança pela efetivação
do Estado da Palestina como sujeito de direito no cenário internacional, rende
frutos que estão surpreendendo Israel.
Também nesta quinta, o ex-premiê (199-2001) e ex-ministro da
Defesa (2007-2013) Ehud Barak, que serviu durante duas das últimas grandes
ofensivas contra a Faixa de Gaza (“Chumbo Fundido”, em dezembro de 2008 e
janeiro de 2009, e “Pilar de Defesa”, em novembro de 2012), deu uma entrevista
ao jornal israelense Haaretz para dizer que o atual premiê Benjamin Netanyahu
(foto), no poder desde 2009, está levando o país ao desastre. Barak, que
carrega sua própria responsabilidade pelas violações israelenses, reconheceu o
fortalecimento da causa palestina e disse pressionar Netanyahu e seu agressivo
chanceler, Avigdor Lieberman, a realmente negociar com os palestinos “antes que
seja tarde demais”. Este momento, para ele, está chegando. O isolamento de
Israel é comparável, como o regime que impõe aos palestinos, ao apartheid na
África do Sul, derrubado justamente pelo boicote internacional.
Israelenses e norte-americanos ameaçam os palestinos com sanções. Uma lei estadunidense recentemente aprovada impede o país de enviar o
cerca de R$ 1 bilhão deste ano à Autoridade Nacional Palestina caso acuse
Israel ao TPI, e Israel suspendeu ilegalmente o repasse de R$ 340 milhões em
impostos coletados em nome da ANP, conforme um infeliz acordo de 1994 que acabou por entranhar a ocupação sionista na administração do governo e das
vidas dos palestinos.
Embora tenha colaborado com a Palestina na proposta de resolução rechaçada pelo Conselho de Segurança da ONU em 30 de dezembro de
2014, a França alertou os palestinos contra a “batalha diplomática” que poderá
irritar os israelenses e afastá-los dos diálogos, como se houvesse algum. É
evidente a falta de compromisso de Israel com qualquer progresso diplomático,
vide a expansão das colônias ilegais em territórios palestinos, mesmo durante o
último período de negociações (julho de 2013 e abril de 2014), as “operações militares” contra a Cisjordânia e a Faixa de Gaza entre junho e agosto de 2014
e as frequentes ameaças e sanções. Além disso, o governo e a liderança sionista
enfrentam um novo desafio do seu eleitorado na disputa pelo poder.
Batalha eleitoral e o desafio à impunidade
A última ofensiva contra Gaza, que matou cerca de 2.200
palestinos e devastou o estreito território sitiado, foi a única das três nos
últimos cinco anos que não ocorreu à volta de eleições. Entretanto, suas
consequências e a escalada extremista do governo levou à sua própria desintegração
e à antecipação da corrida eleitoral. Adiantada em dois anos, a próxima eleição
está marcada para março e já acarreta embates que podem mudar o cenário,
abalando as estruturas da dominação política por parte da extrema-direita
sionista. A pressão internacional e o isolamento de Israel certamente
contribuíram para tanto, reconheceu Ehud Barak, do partido Atzmaut
(Independência) fundado por ele em 2011, que não descartou a hipótese de
concorrer ao cargo de primeiro-ministro.
Durante a “operação Margem Protetora” e seus 50 dias de
bombardeios contra a Faixa de Gaza, o apoio popular ao governo e à própria ofensiva
era estridente. As imagens da destruição não ficaram ausentes da mídia
israelense, mas eram apresentadas como uma heroica e justa luta nacional “contra o terrorismo”, mesmo que grande parte dos mortos fossem civis,
inclusive cerca de 600 crianças. A culpa, assim como pelo fracasso das
negociações, foi atribuída aos próprios palestinos.
Entretanto, as coisas parecem ter mudado desde agosto, à
medida que cresce o isolamento de Israel e a preocupação com as suas
consequências. Embora a retórica e as práticas agressivas da liderança
israelense se intensifiquem, a população começa a sentir os efeitos do
isolamento. Na Europa, outro reduto do apoio sionista, milhões de pessoas
protestaram e a pressão refletiu nos Parlamentos. Ao menos cinco, inclusive o Parlamento
Europeu, pediram aos seus governos o reconhecimento do Estado da Palestina,
enquanto a Suécia anunciou o reconhecimento de fato.
Por isso, a defesa israelense no TPI, caso o julgamento
aconteça, terá pouca força se investir na continuidade da deslegitimação do
Estado palestino. As reações israelenses de desespero diante das acusações
refletem sua decadência desde a decisão do Conselho de Direitos Humanos da ONU
de lançar outra investigação sobre os crimes de guerra perpetrados em julho e
agosto de 2014 (cujo resultado deve sair junto com as eleições israelenses, em
março deste ano), os posicionamentos de vários países contra a ofensiva, a
Conferência entre Estados parte da quarta Convenção de Genebra sobre a proteção
de civis em tempos de guerra, em dezembro, a submissão da proposta de resolução
ao Conselho de Segurança (que incluía, mas não se limitava a um prazo para o
fim da ocupação) e a própria adesão ao TPI.
Além disso, desde 2012, mais de 130 países já reconhecem o
Estado palestino, e o presidente Mahmoud Abbas garantiu que, talvez na próxima
semana, submeterá novamente a proposta de resolução ao Conselho de Segurança,
esperando que sua nova conformação, desde 1º de janeiro, seja mais simpática à
reivindicação de um fim acertado para a ocupação israelense e a independência
da Palestina.
A seguir, os últimos documentos sobre a causa palestina
diante do direito internacional humanitário e o rascunho de resolução
apresentado ao Conselho de Segurança:
*Moara Crivelente é cientista política, jornalista
e membro do Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e Luta pela Paz
(Cebrapaz), assessorando a presidência do Conselho Mundial da Paz.
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