Por Rodrigo Vianna em seu blog em 11/9/2015
A lista é impressionante: Iraque, Afeganistão, Líbia e
Síria. Em menos de 15 anos, os quatro países se transformaram em “estados
zumbis”. É algo muito grave, a indicar a direção para onde aponta a política
expansionista dos Estados Unidos no século 21.
Com o fim da Guerra Fria, deixaram de ter qualquer anteparo
para sua estratégia de fazer tombar todos os governos que signifiquem ameaça ao
controle do petróleo no Oriente Médio (ou em outras partes do planeta).
Saddam Hussein (Iraque) não era um santo. Todos sabemos.
Muamar Gadafi (Líbia), tampouco. Os dois, ao lado da família Assad na Síria,
faziam parte de um movimento (o nacionalismo árabe) a significar um grito de
independência desses países – que, no passado, haviam estado sob domínio turco
ou europeu.
Outra característica unia os três (e era a marca também do
regime forte no Egito, comandado por Mubarak, que tombou na tal “primavera
árabe”): conduziam estados laicos, com um discurso pautado mais pelo “orgulho
nacional” do que pela religião. Eram países comandados por regimes fortes,
organizados, com projetos de nações independentes. Apesar de longe, muito
longe, de qualquer princípio democrático.
Em nome da democracia, os Estados Unidos varreram do mapa
esses governantes. A Líbia foi retalhada, já não existe, debate-se em crise
permanente com o confronto entre pelo menos 4 facções armadas. A Síria é um
semi-estado, em que Assad resiste em Damasco, mas vê o Estado Islâmico (EI), de
um lado, e os “rebeldes” armados pelos EUA/Europa, de outro, avançando sobre
grandes porções do território. O Iraque é agora um protetorado ocidental, sem
qualquer margem para se organizar de forma independente.
Vejo alguns analistas “liberais”, na imprensa brasileira,
dizendo que Washington “fracassou” porque derrubou governos autoritários e, em
vez de democracias, colheu o caos no Oriente Médio. Coitados. Tão ingênuos
esses norte-americanos.
Ora, ora. Pode haver algo mais fácil de controlar do que
populações desorganizadas, que se matam em guerras sem fim, sem a proteção de
nada parecido com um Estado organizado?
O projeto dos EUA era – e é – o caos, a criação de uma
grande franja que (do norte da África ao Tigre e Eufrates, chegando às
montanhas do Afeganistão) debate-se no caos. É o que tenho chamado de “estados
zumbis”.
Mais recentemente, a intervenção de Washington avançou para
a Ucrânia. De novo, vejo quem lamente que a intervenção não tenha levado a uma
democracia ucraniana em estilo ocidental. Como se o objetivo fosse esse…
Está claro que, também na Ucrânia, o objetivo era criar um
estado de caos e inoperância – que, de toda forma, é melhor do que uma Ucrânia
forte, unificada, pró-Rússia (essa era a ameaça antes da famosa rebelião
fascista da Praça Maidan, insuflada pelos EUA, em Kiev).
A diferença é que na Ucrânia os norte-americanos encontraram
resposta russa, que puxou para si a Criméia e as regiões do leste ucraniano
(onde a cultura dominante e a língua são russas). “Ok, vocês podem criar o caos
na sua Ucrânia; mas na nossa, não” – esse parece ter sido o recado de Putin a
Obama.
Evidentemente, a derrubada dos governos em cada um desses
países (do norte da África ao Afeganistão, da Ucrânia ao Tigre/Eufrates) seguiu
motivações e roteiros próprios. Mas todas essas intervenções são parte de um
mesmo movimento de afirmação da hegemonia dos Estados Unidos.
O poder imperial, em relativa crise econômica, se afirma
pelas armas de forma impressionante, mundo afora – e isso em apenas 15 anos.
Vivemos o período das “operações especiais”, das guerras
não-declaradas, das rebeliões movidas a WhatsApp e vendidas como “gritos pela
democracia”.
O mundo se ajoelha ao poder imperial. O nacionalismo árabe,
que oferecia alguma resistência ao avanço dos EUA e seus parceiros da Otan, foi
destroçado.
Outro polo de oposição é o que se desenha na Eurásia, com a
parceria energética e logística entre russos e chineses. Por isso, Putin está
sob cerco econômico, e ali – mais à frente – será jogada a partida decisiva no
xadrez mundial.
Antes disso, no entanto, a política de intervenção de
Washington se move para a América do Sul. Honduras e Paraguai foram ensaios,
bem-sucedidos.
Venezuela, Argentina e Brasil: aqui, agora, vemos avançar o
projeto de criar novos Estados zumbis. Depois do nacionalismo árabe, chegou a
hora de destruir o nacionalismo latino-americano. Não é por outro motivo que
“bolivarianismo” virou o anátema, o palavrão, o inimigo a ser derrotado – numa
ofensiva que é política, econômica e sobretudo midiática.
Claro que todos esses país possuem problemas. Não quero
dizer que todos os dilemas da América do Sul sejam responsabilidade do Império
do Norte. Não. Simplesmente, Washington aproveita as contradições e fraquezas
internas, em cada um desses países, para assoprar a faísca do caos.
Aqui, no Brasil, a intervenção não precisa ser diretamente
militar. Basta atiçar setores sob hegemonia da cultura (e da grana) dos Estados
Unidos.
Num encontro social (em São Paulo, claro), recentemente,
ouvi a proposta pouco sutil: “Bom mesmo é que o Obama invadisse isso aqui, e
acabasse com essa bagunça”. Esse é o projeto dos paneleiros no Brasil. O fim da
Nação, a anexação ao Império.
A próxima batalha – parece – será travada na Venezuela.
Maduro fustigou os Estados Unidos, mandando embora parte do pessoal da
embaixada dos EUA em Caracas. Agora Washington reage e declara a Venezuela uma
ameaça à segurança dos Estados Unidos (leia aqui).
A escalada verbal favorece os setores mais duros do
chavismo. Ameaça de intervenção do Império pode dar a justificativa para um
governo chavista mais forte, em que o poder já não estaria com Maduro, mas com
os militares chavistas. A burguesia que hoje bate panelas em Caracas talvez
tenha que seguir o caminho da elite cubana, em direção a Miami. Mas haveria guerra
civil. O caos. Uma Líbia, ou um Iraque, às portas do Brasil.
Com um governo muito mais moderado, o Brasil também vive em
estado de pré-convulsão política. Reparem: é o Estado (e não o “petismo”) que
pode se desmanchar. Petrobras, políticas sociais, a própria ideia de
desenvolvimento. Tudo isso está em cheque. E não é à toa.
Na Argentina, já se fala abertamente no envolvimento de
serviços de inteligência estrangeiros, na morte do procurador Nisman – com o
objetivo de desestabilizar Cristina Kirchner – leia mais aqui, no texto de Paul
Craig Roberts (sugestão do site O Empastelador).
No Brasil, vivemos uma venezuelização de mão única: apenas
um dos lados aposta no confronto total. Os paneleiros querem sangue; o governo
mantém a moderação verbal. Até quando?
O cenário é de um confronto que ameaça não o governo Dilma,
mas a própria ideia de um Estado nacional com projeto próprio.
A manifestação do dia 15 é só um capítulo da guerra. A
própria batalha do impeachment é parte de uma guerra muito mais ampla. Essa
guerra será dura e pode durar muitos anos. O tempo da conciliação acabou.
P.S.: Nos anos 80, quando se falava na participação direta
dos Estados Unidos na derrubada de TODOS os governos do Cone Sul (Argentina,
Brasil, Chile e Uruguai), ocorrida uma ou duas décadas antes, certos liberais
uspianos sorriam e atribuíam a afirmação a “teorias conspiratórias”. Com a
abertura dos arquivos em Washington, conheceu-se a verdade. Parece “teoria
conspiratória” que, depois de eliminar o nacionalismo árabe, os EUA preparem-se
para um ataque contra a América do Sul bolivariana?
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