quarta-feira, 25 de maio de 2011

Missão impossível: satisfazer Netanyahu

23/5/2011, MJ Rosenberg, Al-Jazeera, Qatar

http://english.aljazeera.net/indepth/opinion/2011/05/201152212493288684.html

Nada há absolutamente no discurso do presidente Obama para o Oriente Médio, que inflame ou excite os espíritos. Menos ainda, na declaração que Obama fez depois de reunir-se com o primeiro-ministro de Israel Binyamin Netanyahu. O presidente sequer se atreveu a apresentar algum plano de ação: só falou de princípios, sempre em termos gerais, e nada disse de novidade, que os cinco últimos presidentes dos EUA já não tivessem dito.

O discurso de Obama foi tentativa de conter Netanyahu, que estava nos EUA para falar no Congresso dos EUA e na Conferência Anual do AIPAC. O objetivo de Bibi é mobilizar seus seguidores contra qualquer esforço que os EUA façam para promover algum acordo entre israelenses e palestinos. Netanyahu, que foi criado nos EUA é, de fato, Republicano dos pés à cabeça; desde 1998, no governo de Clinton, Bibi trabalha para fortalecer os Republicanos nas disputas contra os Democratas. O discurso de Obama foi, ao que tudo indica, um erro. Mas Obama deve ter sentido que tinha de falar e falou.



Apoio dos judeus e pacificação 



Por razões óbvias de segurança nacional, os EUA não podem aceitar que uma nova geração de árabes democratas assumam o poder em nações tão significativas como o Egito, no qual a população ‘odeia americanos’ porque vê os EUA como ‘comprados’ por Israel. Obama deve ter suposto que alguma promoção retórica de alguma paz ajudaria a neutralizar a demagogia de Netanyahu e, consequentemente, diluiria a oposição que há contra EUA e Israel no mundo muçulmano. E supôs simultâneamente que algumas frases fortemente pró-Israel agradariam aos seguidores de Netanyahu.



Mas nada saiu conforme o previsto. Como o Wall Street Journal noticiou em artigo intitulado “Doadores alertam Obama sobre Israel” (19/5/2011, em http://online.wsj.com/article/SB10001424052748703509104576331661918527154.html), um pequeno (mas rico e incrivelmente homogêneo) grupo de doadores de dinheiro para campanhas eleitorais já havia dito a Obama, antecipadamente, que qualquer pequeno desvio da linha traçada por Netanyahu custar-lhe-ia muito caro. O artigo cita um punhado de gatos gordíssimos, dos quais a maioria dos judeus norte-americanos nunca ouviram falar, e que, hoje, declaradamente ameaçam Obama.



A loucura é completa. Em 2008, 78% dos judeus votaram em Obama. Segundo a última e definitiva pesquisa do Comitê Judeu-norte-americano [ing. American Jewish Committee], Israel é a 7ª questão, na lista de questões que preocupam os judeus norte-americanos; só 3% dos entrevistados citaram Israel como sua preocupação principal. 54% dos entrevistados declararam que votam mobilizados pelo estado da economia, e muitos mais citaram a saúde pública, questões de energia e inúmeras outras questões.



Apesar disso, alguns autoproclamados representantes da comunidade judaica dizem à Casa Branca que a principal preocupação de todos nós, judeus norte-americanos, seria Israel. Mas Israel só preocupa, no máximo, os doadores de dinheiro para campanhas eleitorais que seguem a bíblia do AIPAC. 



E por isso o presidente Obama, na 5ª-feira, fez discurso absolutamente inócuo. Nada do que ali se ouviu foi novidade: todos os presidentes anteriores só fizeram repetir exatamente o que Obama mais uma vez repetiu. Toda a simpatia do presidente dirigiu-se quase exclusivamente a Israel; para os palestinos, simpatia zero. Obama tentava fazer o que lhe pareceu que devesse fazer: acalmar o AIPAC e Netanyahu, ao mesmo tempo que agradava aos democratas árabes.



Mas nem isso conseguiu. Aos ouvidos dos árabes, o discurso soou como um amontoado de palavras ocas. E os israelenses e judeus fanáticos ficaram furiosos. Por quê? Exclusivamente por causa de um parágrafo. O presidente Obama disse: 



“Os EUA creem que as negociações devem resultar em dois estados, com fronteiras palestinas estáveis e permanentes com Israel, Jordânia e Egito e fronteiras israelenses permanentes com a Palestina. As fronteiras entre Israel e Palestina devem basear-se nas linhas de 1967, com trocas [de território] a serem acordadas, de modo que se estabeleçam fronteiras reconhecidas e seguras para os dois estados. O povo palestino deve ter o direito de se autogovernar e expandir seu potencial, em estado contínuo e soberano” [em português, em http://mariafro.com.br/wordpress/2011/05/20/o-discurso-de-obama-sobre-o-oriente-medio-tirem-suas-proprias-conclusoes/ (NTs)]. 



Foi o apocalipse. Mas não começou imediatamente depois do discurso. No primeiro momento, a ala direita da claque ‘pró-Israel’ elogiou Obama por não ter dito coisa alguma que incomodasse Netanyahu. Mas, então, Netanyahu declarou que se sentira gravemente ofendido pela referência às linhas de 1967.



A questão das fronteiras



Os robôs do partido “Israel antes de tudo” mudaram de discurso com a mesma rapidez com que cantores vermelhos, em 1930, mudavam letras de canções, sempre que Moscou os acusava de desvio (“Parem de criticar os alemães nazistas: acabamos de assinar um pacto com eles!”). A reação de Israel foi ridícula. Obama não disse que Israel teria de voltar para as fronteiras de 1967; disse apenas que “as fronteiras entre Israel e Palestina devem basear-se nas linhas de 1967”. 



Significa que israelenses e palestinos devem sentar-se à frente de um mapa das coisas como eram em 1967 e decidir o que será Israel e o que será Palestina. Em que outras “linhas” poder-se-ia basear qualquer acordo, a qualquer tempo? Nas “linhas” da fronteira entre China e Rússia?!



Em 1967, pela Resolução n. 242 da ONU, que Israel assinou, toda a comunidade internacional (inclusive Israel) decidiu que Israel voltaria às fronteiras de 1967, com trocas pontuais de território, como fossem necessárias para preservar a segurança de Israel. Todos os presidentes dos EUA só fazem repetir, e todos os governos israelenses sempre aceitaram exatamente isso. Até o AIPAC apoia a “solução dos Dois Estados”, que significa que haverá um estado palestino nos territórios que Israel invadiu em 1967.



Então? Quem são esses personagens que de repente decidem encenar ‘manifestações’ de ultraje, quando Obama diz o que todos têm dito e repetido sem parar, há tanto tempo?



A resposta é simples. Os fanáticos de “Israel em primeiro lugar” tomaram duas decisões: (1) não querem saber de paz entre Israel e palestinos, e ponto final. Querem que Israel ocupe toda a terra palestina. E (2) querem derrotar o presidente Obama nas próximas eleições e supõem que comandam o voto dos judeus norte-americanos e, sobretudo, que farão encolher as doações eleitorais para patamares bem inferiores aos de 2008. Os judeus israelenses fanáticos não confiam em Obama. Desconfiam (esperemos que estejam certos) que Obama, no fundo, não acredita no amontoado de sandices que Dennis Ross vive a repetir.



Obama está errado 



O erro de Obama é supor que conseguirá acalmar essa gente discursando no AIPAC (como discursou domingo à note) ou visitando Israel (como provavelmente visitará ainda esse ano) e tentando fazer-se entender. A menos que esteja preparado para dizer ao AIPAC que apoia as colônias ilegais construídas em territórios ocupados e que é favorável à limpeza étnica, com expulsão de todos os palestinos, Obama jamais dirá o que o AIPAC quer ouvir. Eles não são parceiros potenciais, nem do próprio Obama nem dos legítimos interesses dos EUA. De fato, não são parceiros sequer de Israel. Para todos os efeitos, é como se preferissem ver a Cisjordânia prosperar e Israel definhar.



Em vez de tentar conquistar aquela gente, Obama deveria mobilizar os norte-americanos que apoiam Israel, a solução de dois estados e o respeito às fronteiras que israelenses e palestinos negociem – judeus e não judeus, todos juntos. 



Obama deveria também buscar parceiros entre os palestinos que têm interesse em viver em paz com Israel – inclusive o Hamás, é claro, desde que desista do recurso às armas. E deveria declarar apoio aos israelenses moderados – que ainda são maioria na população de Israel – que se envergonham por Israel ocupar territórios palestinos e querem desesperadamente fazer a paz com o palestinos.



Tentar satisfazer Netanyahu e o AIPAC só resultará em desastre, com a direita cada dia mais fortalecida e os moderados cada dia mais fracos e mais sem meios. É mais que hora de Obama dar aos judeus israelenses fanáticos e racistas o tratamento que merecem. Aqueles fanáticos são inimigos de tudo que Obama quer fazer e ser. 



Por que o presidente Obama meteu-se na cabeça que poderia, de algum modo, encontrar parceiros na extrema direita israelense (parceira da extrema direita nos EUA)? Não pode. Nunca poderá. 

http://english.aljazeera.net/indepth/opinion/2011/05/201152212493288684.html 


Traducao: Coletivo Vila Vudu

EUA: a força contrademocrática mais poderosa no mundo árabe


21/5/2011, Joseph Massad, Al-Jazeera, Qatar

Joseph Andoni Massad (1963) é palestino nascido na Jordânia. PhD em Ciência Política (1998) e Professor Associado de Política Árabe Moderna e História do Pensamento no Departamento de Oriente Médio, Sudeste Asiático e África, na Columbia University.


Em 1960, o primeiro-ministro britânico Harold Macmillan fez importante discurso, intitulado “Wind of Change” [Vento de Mudança], primeiro em Accra e depois em Cape Town, sinalizando a descolonização britânica dos territórios africanos e alertando o regime da África do Sul, para que pusesse fim às políticas do apartheid. Em 2011, o presidente dos EUA Barack Obama fez diferente. 


Embora tenha batizado o discurso de “Ventos de Mudança”, em referência aos levantes que varrem o mundo árabe, disse, bem claramente, que os tais ventos ainda não sopram em Washington DC e talvez jamais soprem. O segundo discurso do presidente Obama sobre o mundo árabe, feito dia 19 de maio, mostrou a mesma regularidade e a mesma total ausência de qualquer mudança na política dos EUA, que o primeiro, no Cairo, dia 4/6/2009. Não que tenham faltado imponência e hubris imperiais nos dois discursos, mas nem um nem outro trouxe seja substância seja novidade, para nem dizer que a verbosidade gratuita, floreada, demonstra que o controle do clima imperial em Washington não pode ser jamais “mudado”, nem, sequer, pelo vendaval dos levantes árabes.

O problema das políticas dos EUA para o mundo árabe não está só na insistência com que se ouvem sempre as mesmas ideias, na repetição crédula da propaganda norte-americana – que os norte-americanos tão facilmente aceitam, como alguns outros, em todo o mundo. O problema de fato está em que aquelas políticas insistentemente manifestam completa ignorância e nenhuma intimidade com a cultura política dos árabes e insistem em insultar a inteligência dos cidadãos destinatários pressupostos de discursos como os do presidente Obama.

Descaminhos dos EUA

Nos últimos 30 anos, líderes árabes aliados dos EUA (e alguns não aliados) insistem em dizer aos seus cidadãos que o Irã, os islâmicos xiitas e sunitas, o povo palestino e sua ambição sem limites seriam, dentre outros, os motivos das dificuldades em que vivem os árabes. Essa ‘seleção’ de inimigos apareceu pela primeira vez no plano de EUA-sauditas-Kwait, para construir uma guerra de vida ou morte contra o Irã revolucionário, apresentado como inimigo dos árabes; esse plano foi lançado por Saddam Hussein em 1981, para defender os poços de petróleo dos EUA. A guerra Irã-Iraque que daí resultou, causou, até 1988, a morte de um milhão de iranianos e de 400 mil iraquianos.

Simultâneamente, e desde o final dos anos 1960s, Jordânia, Síria e Líbano viveram em guerra contra guerrilheiros e civis palestinos, que identificavam como principais inimigos. O Egito declarou guerra à Líbia quando Sadat estava no poder e, depois, já sob Mubarak, contra seus próprios islâmicos e contra os palestinos. E no último ano do reinado de Mubarak, até a Argélia foi definida e combatida como inimiga dos egípcios.

A Arábia Saudita, ao mesmo tempo em que reprime a própria população em nome do wahabismo, jamais deixou de arquitetar planos (e complôs), desde 1982, para atrair Israel para o ninho árabe. 

Quando o presidente Obama repete a mentira que interessa aos israelenses, que seus assessores pró-Israel na Casa Branca – e nenhum outro tipo de assessor para assuntos do mundo árabe jamais pisou a Casa Branca desde o governo Clinton – lhe impingem, a saber, que “muitos líderes na região tentaram dirigir seus protestos noutra direção. O ocidente foi acusado de ser fonte de todos os problemas, meio século depois do fim do colonialismo. O antagonismo contra Israel converteu-se em única via aceitável para a expressão política”... a que líderes, afinal, Obama refere-se? A Sadat, Mubarak, Ben Ali, reis Hussein e Abdullah II da Jordânia, reis Hasan II e Muhammad VI do Marrocos, presidente Bouteflika, todos os monarcas do Golfo, os dois primeiros-ministros Hariri do Líbano, Rafiq e Saad? Quem?

Essas mentiras são absolutamente inacreditáveis para o resto do mundo. Até para que conseguisse crer nas próprias mentiras, para a partir delas tentar explicar os fracassos de suas políticas externas num mundo que os EUA insistem em dominar, seria preciso que o governo dos EUA se dedicasse a aprender o muito que não sabe sobre o mundo árabe.

Oposição popular e suporte à liderança 

A oposição aos EUA e a Israel é, de fato, atitude das multidões no mundo árabe, não dos líderes. Os líderes árabes, por décadas, só fizeram repetir que EUA e Israel são amigos dos árabes. É o povo árabe, só o povo, não os dirigentes, que insiste que as políticas dos EUA e a dominação e constantes agressões israelenses na região são a causa de esses dois países serem vistos hoje como inimigos dos árabes. Os líderes árabes, esses, e suas respectivas máquinas de propaganda, sempre fizeram o possível para encaminhar a fúria da rua árabe para outras direções, para inimigos imaginários, enquanto só cuidam de entender-se com Israel.

A tentativa de Obama de negar o ódio que EUA e Israel inspiram à rua árabe pelo que fazem na região, é equivalente à atitude sempre repetida, de EUA e Israel (nunca dos árabes) de fugir e negar a responsabilidade pelo que fazem. EUA e Israel jamais assumiram a responsabilidade pela violência horrível que sempre infligiram aos árabes. Em vez disso, sempre se dedicaram a transferir a responsabilidade por seus atos, para as vítimas. Quando Obama e Israel conclamam os árabes a assumir responsabilidades sobre a região, e não vêem as culpas de EUA e Israel, o que fazem, mais uma vez é recusar-se a reconhecer os fatos.

Os árabes sempre assumiram claramente a responsabilidade e têm-se dedicado a tentar derrubar os ditadores que EUA e Israel apoiam há décadas – e continuam a apoiar. Quem sempre se recusa a assumir a responsabilidade são os EUA e Israel. O discurso de Obama, infelizmente, continua essa tradição de cegueira. 

Na mesma linha, Obama castiga a Síria por seguir “seu aliado iraniano, buscando assistência em Teerã, nas táticas de supressão. E isso diz muito sobre a hipocrisia do regime iraniano”. Melhor faria se acusasse França, Grã-Bretanha e os próprios EUA, onde os governos de Ben Ali e Mubarak buscaram assistência e conselhos até o último momento. O escândalo da colaboração entre a França e os governos de Ben Ali e Mubarak até o último dia, sobretudo em temas “de segurança”, encheu os jornais em todo o mundo nos últimos meses; como as notícias de que tanto o ministro da Defesa egípcio Muhammad Tantawi (agora encarregado do conselho militar de governo no Egito pós-Mubarak) como o chefe do estado-maior do exército Sami Anan passaram boa parte do levante egípcio em Washington DC, em consultas com os norte-americanos, sobre como melhor “lidar” com o levante. E, isso, além da outra linha direta até Mubarak e Omar Suleiman, que muitos órgãos do governo e da segurança dos EUA mantiveram ativa até o último dia do governo de Mubarak – e que continua ativa.

Obama pressupõe que os árabes sejam estúpidos. Ou que os árabes não saibam que são os EUA e alguns países europeus que treinam e garantem os fundos que mantêm quase todas as agências de segurança no mundo árabe. A ajuda do Irã à Síria talvez exponha a hipocrisia iraniana. Mas a hipocrisia de EUA, Grã-Bretanha e França, essa, como se vê, permanece bem escondida. 

Liberdade – para uns sim, para outros nunca 

Obama afirmou que “não deve haver qualquer dúvida de que os EUA consideram bem-vinda a mudança que faz avançar a autodeterminação e a oportunidade”, mas, se se considera a insistência com que essa mudança é empurrada goela abaixo da Síria e da Líbia, mas nunca toma o rumo de Omã, Jordânia, Marrocos, Arábia Saudita, Bahrain (dentre outros), logo surgem dúvidas. O silêncio sobre as manifestações populares contra a ditadura nas monarquias (Arábia Saudita, Omã, Jordânia, Marrocos) e a crítica sempre superficial e rápida contra o Iêmen, cujos levantes populares aconteceram antes que na Líbia, fazem espantoso contraste com a veemência com que Obama critica a Síria e a Líbia.

A nenhuma referência ao Bahrain é claro sinal de covardia, agora que o levante no Bahrain foi esmagado, por ação de forças mercenárias do Golfo que recebem armas e fundos dos EUA, coordenadas pela Arábia Saudita. Obama não teve coragem de falar sobre os muitos prisioneiros, nem sobre a destruição de mesquitas xiitas.

No caso da Síria, contudo, as críticas lá estavam, desde o primeiro dia. De fato, se se justapõem aquelas críticas e a declaração de que “manteremos nossos compromissos assumidos com amigos e parceiros”, vê-se mais claramente que tipo de mudança os EUA apreciam e que tipo absolutamente não admitem. Obama chegou, até, a enumerar as cidades onde se aplicam os princípios “fundantes” dos EUA: Bagdá, Damasco, Sana e Teerã, além de Benghazi, Cairo e Túnis; mas não se aplicam em Riad, Manama, Muscat, Amã, Argel ou Rabat.

Também o sempre referido princípio “fundante” dos EUA, de igualdade e tolerância religiosa é sempre muito fortemente específico para uns; para outros, nunca. Além do Iraque – país que os EUA destruíram e onde implantaram a mais viciosa forma de sectarismo religioso e de ódio étnico que há hoje em todo o Oriente Médio – e que Obama descreveu como “democracia multiétnica e multirreligiosa, de todas as seitas”, a preocupação com a tolerância religiosa de Obama só se aplica ao Egito e – com críticas mínimas–, ao Bahrain. 

Mas quando o assunto é Israel, todos os compromissos são esquecidos. Obama declara que os árabes “devem reconhecer Israel como estado judeu”, e mais uma vez ameaça os palestinos (como já havia ameaçado também no discurso do Cairo). Os palestinos que desistam de “deslegitimizar” o direito de Israel ser estado que mantém leis de discriminação contra cidadãos não-judeus, discriminação por religião e por etnia.

“Para os palestinos, terminarão em fracassos os esforços para deslegitimar Israel”, disse Obama (em http://redecastorphoto.blogspot.com/2011/05/discurso-ridiculo-obama-sobre-questao.html).



A tolerância religiosa, poder-se-ia pensar, seria princípio “fundante” geral, de aplicação uniforme, não seletiva. Mas é tal a miopia de Obama, que ainda supõe que os árabes engolirão facilmente essa sua descarada retórica antiárabe e pró-Israel. 

O mesmo se aplica a outro dos interesses “essenciais” dos EUA, a saber, o combate à proliferação nuclear. Obama teve a desfaçatez de dizer que os EUA “há anos implementam” uma política “contra a disseminação de armas nucleares” na região. Mas... todo o mundo sempre soube, há pelo menos 40 anos, que Israel é o único estado, em toda a região, que tem armas nucleares em seu arsenal – e que pelo menos numa ocasião ameaçou usá-las. E que, até hoje, se recusa a assinar o Tratado de Não-proliferação de armas nucleares. Que os EUA apoiaram Israel quando se tratou de construir e abastecer seu arsenal nuclear e, hoje, os EUA vetam qualquer decisão da ONU que cogite de penalizar Israel por não respeitar normas internacionais. 

Nada disso parece criar qualquer problema para os “interesses essenciais” dos EUA. Iraque, Síria e Irã não podem ter reatores nucleares nem para finalidades médicas. Mas Israel pode e deve ter tantas bombas atômicas quantas deseje. 

Simpatia pelos colonizadores

Afinal, Obama chega à questão palestina, mas outra vez nada acrescenta – por mais que os sionistas hoje finjam grave indignação e ultraje. Para começar, os árabes são convocados  – como já fomos convocados no discurso do Cairo – a compreender e amar os infelizes judeus israelenses que conhecem “a dor de saber que tantas crianças na região são ensinadas a odiá-los”. Que Israel e grandes associações de judeus norte-americanos sejam, há décadas, divulgadoras das formas mais virulentas de preconceitos contra os árabes; que sejam odiadores de muçulmanos; que gerem e financiem a mais longa e mais pervertida campanha de propaganda de ódio racial que o mundo jamais viu... Não, não. Obama, seus assessores e conselheiros jamais ouviram falar dessas monstruosidades.

Que tipo de credibilidade Obama supõe que tenha entre os árabes que, há décadas, são alvo de discursos e de preconceitos desse tipo, para recomendar que os árabes se compadeçam com o sofrimento de seus carrascos que, desde 1948, sem parar um dia, matam crianças árabes?

Quando declara que “o sonho de um estado judeu e democrático não pode ser realizado por ocupação permanente” – Obama diz, simultâneamente, que o tal sonho se poderá realizar, sim, sem tolerância. Em outras palavras: os cidadãos palestinos de Israel continuarão a ser discriminados por religião e por etnia... no tal “estado judeu e democrático”. Mas nem esse duvidoso e precário ‘direito’ é assegurado igualmente aos palestinos dos Territórios Ocupados. E fica-se sem saber que tipo de morte lenta Obama recomenda aos palestinos que vivem Jerusalém.

O direito de existir

Obama propõe que se adiem as negociações sobre Jerusalém ocupada pelos israelenses. Mas, ao mesmo tempo, propõe que Israel aceite as fronteiras de 1967. Aqui, ou não sabe do que está falando, e o problema é só ignorância; ou há aí ocultada uma grave má intenção. 

As fronteiras de 1967 de que Obama fala incluem Jerusalém Leste. Obama parece ter ‘preventivamente’ extraído a cidade do mapa; como se não fosse parte do território. E, isso, apesar de a lei internacional e a ONU reconhecerem Jerusalém como parte integrante dos territórios que Israel ocupou, por ação militar, em 1967.

Além disso, Israel expandiu ilegalmente a área de Jerusalém Leste, mediante roubo de terras na Cisjordânia. Há quem estime que, hoje, a área sob controle de Israel já equivalha a 10% da Cisjordânia (em 1967, eram só 6 quilômetros quadrados). 

As chamadas “trocas mutuamente aceitas” de terras que Obama propõe, tampouco são viáveis. Israel já tomou outros 10% do território da Cisjordânia, terras hoje ocupadas pelo muro do apartheid. Acrescentem-se as colônias construídas e o vale do Jordão e praticamente já não há terras palestinas a serem trocadas pelas terras que Israel ocupou.

O que resta aos palestinos, de fato, é menos de 60% da Cisjordânia – terreno que algum dia talvez se possa batizar de “um estado palestino” e “não-militarizado”, mas que só por milagre algum dia seria “soberano” – conforme a fórmula de Obama. 

Obama continua preocupadíssimo com o direito de Israel existir, mas não perde o sono por causa do direito de os palestinos existirem. Disse, sem ironia, falando do Hamás: “Como você pode negociar com um partido que se mostrou pouco disposto a reconhecer seu direito de existir?” Ora essa! Os palestinos negociamos há duas décadas com Israel, que nunca reconheceu o direito de os palestinos existirmos! 

O discurso de Harold Macmillan em 1960 alertava os sul-africanos para que desistissem das políticas de apartheid. O discurso de Obama em 2011 repete insistentemente que os palestinos devem reconhecer o direito de Israel de continuar a ser estado racista.

Quando Obama diz que “os interesses de curto prazo dos EUA” às vezes “não se alinham perfeitamente com nossa visão de longo prazo para a região”, aí, prega a maior de todas as mentiras imperiais. Os interesses de curto prazo e também os interesses de longo prazo dos EUA na região sempre se alinharam perfeitamente: controlar os recursos de petróleo, assegurando ganhos para empresas norte-americanas; e defender Israel. 

Até que verdadeiros “ventos de mudança” varram para longe esses interesses, os EUA continuarão a ser, como sempre foram, a força contrademocrática mais poderosa no mundo árabe. E discurse o imperador Obama o quanto queira.


http://english.aljazeera.net/indepth/opinion/2011/05/2011521115956696675.html


Tradução: Coletivo Vila Vudu

Seguidores: