sexta-feira, 26 de setembro de 2014

Dilma defendeu na ONU um mundo de paz


 
Dilma defende na ONU um mundo de paz

  Em contraste com o imperialismo, Dilma defendeu na ONU um mundo de paz


José Reinaldo Carvalho *

Na afanosa e estridente campanha contra o governo da presidenta Dilma, no jogo de tudo ou nada para impedir sua reeleição, a mídia privada nacional, pondo-se mais uma vez a serviço das candidaturas de Aécio Neves (PSDB) ou Marina Silva (PSB), viram no pronunciamento da presidenta Dilma Rousseff na abertura da sessão de debates de alto nível da Assembleia Geral da ONU uma peça da campanha eleitoral. Só faltaram arguir “falta de legitimidade” e exigir “direito de resposta”.

Essa postura é mais uma demonstração de que nos tempos atuais o que sobressai são as magnas mesquinharias, o essencial e grandioso dando lugar a pormenores do nada.

Na ONU, falou a estadista, a chefe de Estado e Governo de uma grande nação soberana, em busca de um lugar condigno no mundo, capaz e disponível para aportar rica contribuição ao progresso social, a um mundo de cooperação e paz: 

“Os Estados-membros e as Nações Unidas têm, hoje, diante de si desafios de grande magnitude.Estas devem ser as prioridades desta Sessão da Assembleia Geral.O ano de 2015 desponta como um verdadeiro ponto de inflexão.

Estou certa de que não nos furtaremos a cumprir, com coragem e lucidez, nossas altas responsabilidades na construção de uma ordem internacional alicerçada na promoção da Paz, no desenvolvimento sustentável, na redução da pobreza e da desigualdade.O Brasil está pronto e plenamente determinado a dar sua contribuição”, asseverou a mandatária.



Esta é a mensagem central – límpida e irrefutável - do discurso presidencial, expressão dos compromissos que o Brasil assume perante o mundo, antecedida por dois elementos centrais que despertam a ira dos oposicionistas.

O primeiro deles foi o informe da estadista sobre as condições em que o Brasil está preparando-se para dar seu salto civilizacional e reunir efetivamente condições de se tornar uma grande nação progressista.

Dilma deu-se o trabalho – que corresponde ao seu dever de líder da nação – de expor aos chefes de Estado reunidos na magna assembleia os avanços democráticos e sociais que o país tem alcançado, o processo de transformação que vive, num quadro de contradições, lutas e dificuldades objetivas e subjetivas.

A oposição anti nacional e sua mídia decerto estão contrariadas com o fato de a presidente não ter ido à organização internacional como primeira etapa de um périplo que teria por destino final o FMI, ao qual se dirigiria com o pires na mão para pedir “socorro” ante algum descalabro econômico-financeiro. Ou como rito de passagem para se expor a alguma sanção do Conselho de Segurança ou reprimenda de alguma das potências decadentes do sistema imperialista por haver reprimido “manifestações”. Ou ainda, como uma governante fraca, no papel de vítima, desculpando-se pelo “fracasso” na organização da Copa e pelos “prejuízos” que cidadãos estrangeiros teriam sofrido no país em junho e julho passados.

Afinal, a usina de mentiras trabalhou a pleno vapor com esta finalidade. Registrar o momento em que a chefe de Estado brasileira mostra ao mundo as conquistas sociais do país e é por esta razão aclamada, é algo de fato intolerável. Não restou alternativa senão atacar a presidenta pelo uso da ONU como palanque eleitoral. É em horas como esta que mais sentimos a falta de um cronista como o saudoso Stanislaw Ponte Preta, morto a 30 de setembro de 1968, com seu “Festival de Besteiras que Assola o País”. É compreensível o nervosismo de editorialistas e cronistas. Estavam preparados para outro cenário – o fracasso e a desmoralização do país.

O segundo aspecto a abrir as comportas para a enxurrada de ataques foi a posição corajosa e firme da mandatária ao condenar o uso da força, a política de sanções, o intervencionismo e o belicismo nas relações internacionais:

“A atual geração de líderes mundiais – a nossa geração – tem sido chamada a enfrentar também importantes desafios vinculados aos temas da paz, da segurança coletiva e do meio ambiente.

Não temos sido capazes de resolver velhos contenciosos nem de impedir novas ameaças.

O uso da força é incapaz de eliminar as causas profundas dos conflitos. Isso está claro na persistência da Questão Palestina; no massacre sistemático do povo sírio; na trágica desestruturação nacional do Iraque; na grave insegurança na Líbia; nos conflitos no Sahel e nos embates na Ucrânia.

A cada intervenção militar não caminhamos para a Paz, mas, sim, assistimos ao acirramento desses conflitos.

Verifica-se uma trágica multiplicação do número de vítimas civis e de dramas humanitários. Não podemos aceitar que essas manifestações de barbárie recrudesçam, ferindo nossos valores éticos, morais e civilizatórios”.
Um flagrante contraste com a posição assumida, imediatamente após pelo presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, e outros líderes de potências ocidentais, que reforçaram políticas militaristas, intervencionistas e belicistas, ao arrepio do direito internacional para “combater o terrorismo”. Há várias semanas, essas potências mandam ao mundo a mensagem de que promoverão por muito tempo bombardeios no Iraque e na Síria, sob o pretexto de atacar as posições do chamado Estado Islâmico (EI). A posição brasileira incomodou tanto que os jornais desta quinta-feira (25) acusam a presidenta de “legitimar” o EI.

Dilma pontuou também a sua oposição ao massacre perpetrado por Israel contra os palestinos na Faixa de Gaza e apresentou a contribuição específica do Brasil para modificar a realidade econômica e política do sistema internacional, com o empenho para o fortalecimento dos mecanismos da integração latino-americana e caribenha e o êxito dos Brics, cuja mais recente reunião de cúpula, a sexta, foi realizada em julho último em Fortaleza – “um encontro fraterno, proveitoso, que aponta para importantes perspectivas para o futuro”.

A estadista brasileira deve ter incomodado os interesses das potências imperialistas e seus agentes na mídia nacional e nas candidaturas oposicionistas também ao defender a reforma do Conselho de Segurança das Nações Unidas.

O discurso presidencial na abertura do debate de alto nível da Assembleia Geral da ONU é referência importante no debate sobre os rumos da política externa. Aécio Neves e Marina Silva já se queixaram de público do “caráter ideológico” dessa política e, repercutindo as exigências dos setores mais entreguistas das classes dominantes, voltaram a propor a subordinação dos interesses do país ao imperialismo estadunidense e às potências imperialistas da União Europeia. Igualmente, atacaram a política de integração regional, propondo, em nome do “pragmatismo”, o abandono dos mecanismos de integração regional, de eficiência econômica e comercial já comprovada.

Para as forças progressistas e patrióticas, o discurso da presidenta foi a reafirmação de um rumo seguro de luta e conquista de grandes avanços na inserção do país no mundo, proporcionados por uma política externa ativa e altiva, a um só tempo independente, soberana, integradora, solidária, universalista e multilateralista.

Já que falaram em campanha eleitoral na ONU, permitimo-nos dizer que na eleição presidencial também está em jogo se o Brasil continuará esta trajetória ou se regredirá à condição de neocolônia subdesenvolvida e avassalada pelos interesses imperialistas. 


José Reinaldo Carvalho - Jornalista, Diretor do Cebrapaz, membro da Rede de Intelectuais em Defesa da Humanidade e editor do Vermelho.

domingo, 21 de setembro de 2014

O PREÇO DE UMA PAZ VERDADEIRA

Perda de território da Palestina de 1946 a 2010



Localozação e população dos campos de refugiados palestinos

Esse artigo de Michael Warchawski foi originalmente publicado na revista “Foi et Developpement” - no. 297, de outubro 2001 - publicação do Centre Lebret.

O Blog Sanaúd-Voltaremos publica esse artigo por considerá-lo atual e condizente com análises sobre o fracasso da paz entre palestinos e israelenses.

O artigo é precedido de uma apresentação de Albert Longchamp.
......................................................................................................................................


APRESENTAÇÃO

Por Albert Longchamp


Israelenses e palestinos resvalam, lenta mas firmemente, em direção ao estado de terror. O espectro da guerra total se delineia atrás do macabro abate das vitimas, quase todas as manhãs, desde 28 de setembro de 2000. Nesse dia de sinistra memória, Ariel Sharon provocava a revolta palestina ao desfilar arrogantemente no Monte do Templo - ou Esplanada das Mesquitas - no coração mais intimo da Velha Cidade de Jerusalém. No dia seguinte , o sangue começava a correr sobre a memória de uma esperança morta: o processo de paz. Quem reencontraria a via da pacificação? E quando? Nenhuma pessoa ousa se pronunciar. A fatalidade se instala. A hostilidade se transforma em ódio visceral.

Mulheres e homens, de uma parte ou de outra, recusam-se entretanto a capitular. Entre eles, o filósofo e jornalista Michael Warchawski. Nascido em 1949, em Strasburgo, de uma família de judeus ortodoxos, esse militante da paz israelo-palestina chegou em Jerusalém desde 1965, vindo cursar a escola talmúdica. Em 1967 - o ano da guerra dos Seis Dias - ele se inscreveu na Universidade Hebraica, engajando-se também, desde o primeiro dia, na luta contra a ocupação israelense da Cisjordânia.

Convencido de que a paz não poderia ter outro fundamento senão o Direito e a Justiça, ele fundou em 1984 o Centro de Informação Alternativa (AIC - Alternative Information Center) com base em Jerusalém e Belém, uma ONG conduzida conjuntamente por palestinos e israelenses. Esse homem corajoso, casado, pai de três filhos, pagou seu combate pacifista com uma prisão em 1987 por "apoio a organizações palestinas ilegais". Dois anos mais tarde, ele foi condenado a trinta meses de prisão, uma pena comutada em 1990 para oito meses de reclusão.


A revista Foi et Developpement oferece a seus leitores, um ano após o inicio da segunda Intifada, a análise feita por um judeu israelense. Este artigo é um desafio e uma aposta. Um desfio aos portadores de armas e lágrimas. Uma aposta sobre as chances de um diálogo entre palestinos e o Estado hebreu. Michael Warchawski defende a tese audaciosa que Israel "não pode e não deve se separar de sua circunvizinhança árabe". O futuro da paz, e do próprio Israel, dependerá de sua vontade de se integrar na região. Raras, muito raras são as vozes israelenses que pleiteiam com tal transparência a favor da emergência de uma cultura de paz no Oriente Médio. É urgente escutar a voz de Michael Warchawski. Sua voz nos traz de volta a esperança.

....................................................

O PREÇO DE UMA PAZ VERDADEIRA

Por Michael Warchawski

Depois da guerra do Golfo, o conceito de paz foi usado até o extremo. Esta guerra, a primeira das guerras imperiais da nova ordem mundial americana, não teria sido apresentada como um meio de impor a paz no Kuwait? Já tinha sido o caso, pelo menos 10 anos antes, quando o exército israelense invadiu o Líbano em nome da operação “Paz na Galiléia”. Tudo se passa como se na virada deste milênio, os maiores horrores e as agressões mais sanguinárias não pudessem obter o consentimento das populações a menos que fossem apresentadas sob o ângulo da paz. 

O “PROCESSO DE PAZ”

O conceito de paz, mesmo quando definido de modo mais preciso, pode ter significados muito diferentes. Pode designar o fim de um conflito, mas também o desejo de não ser mais incomodado por outrem (“deixe-nos em paz”); o fruto de um compromisso mais ou menos justo, mas também o esmagamento total do inimigo (a paz dos cemitérios); o retorno do direito nas relações bilaterais, mas também a capitulação de uma das partes. Esta questão da definição da paz torna-se particularmente pertinente no momento em que as relações israelo-palestinas se desenvolvem no quadro geralmente chamado de “processo de paz”.

Desde 1991, o Oriente Médio entrou efetivamente na era do “processo de paz”. Se por trás da palavra “paz” esconde-se muitas coisas, freqüentemente contraditórias, o conceito de “processo”, ele mesmo, é ainda mais mistificador. Durante muitos anos, deixou supor uma dinâmica objetiva, quase natural e independente da ação dos homens e das mulheres. Raros foram os comentadores que, desde a assinatura da “Declaração de princípios de Washington” (DOP), em setembro 1993, oficializando os Acordos de Oslo, duvidaram da “irreversibilidade” do processo iniciado pelo aperto de mão histórico entre Yitzhak Rabin e Yasser Arafat. E, no entanto, em setembro de 2000, o processo de paz encalha nos arrecifes de Jerusalém, das colônias habitacionais e dos refugiados palestinos, isto é, sobre as questões essenciais do conflito que ele está destinado a resolver. O inevitável não se realizou, o irreversível se revelou reversível.

Todo mundo, ou quase, está surpreso: as esperanças de paz, de segurança e de reconciliação desabam em alguns dias para dar lugar a uma nova fase de conflito, mais violenta que nunca antes. Como chegamos lá? Eis a questão que se colocam ao mesmo tempo aqueles que estão diretamente envolvidos no conflito e aqueles que se contentaram em serem observadores, às vezes intermediários, nem sempre desinteressados, aliás. Questão que eles se colocam, ou deveriam se colocar, porque numerosos são os israelenses que rapidamente responderam apontando com um dedo acusador contra os palestinos e seus dirigentes. E fechando o dossiê por uma condenação da “intransigência” de seus inimigos.

UM IMENSO MAL ENTENDIDO

Houve, entretanto, no curso dos últimos anos, numerosos sinais anunciadores do impasse no qual se encontra o “processo” depois do fracasso das negociações de Camp David, em julho de 2000 (1). E se a surpresa é hoje o sentimento dominante, numerosas foram as tomadas de posição e analises preconizando o fracasso desse processo. De fato, comprovou-se rapidamente que todo o período que separa a assinatura da Declaração de Princípios da Cúpula de Camp David foi caracterizado por um grande mal entendido. Mal entendido sobre a realidade do conflito, para o qual se procurava negociar a solução, mal entendido sobre as condições da paz.

Façamos abstração das posições israelenses extremistas que põem toda a responsabilidade do conflito nas costas dos palestinos. Estes, na sua oposição irredutível à existência mesma de uma comunidade judaica no Oriente Médio teriam empreendido, depois de mais de um século, uma guerra terrorista visando a apagar a existência judaica na Palestina (2). Uma tal filosofia rejeitava à priori toda perspectiva de negociar e de encontrar uma solução. O conflito sendo, desde então, uma luta de morte entre dois povos, a existência de um dependendo da destruição do outro. Examinemos antes as posições e as percepções que guiaram os parceiros do processo negociado, sustentados, ambos, pela maioria de suas opiniões publicas. 

Para os israelenses, o conflito coloca face a face duas entidades assimétricas que disputam um território do qual cada um reivindica a posse em sua totalidade. Eles devem, entretanto, encontrar um compromisso razoável capaz de pôr um fim ao seu litígio. Esta posição é retomada, desde 1994, pelas diferentes administrações americanas que não falam mais de “territórios ocupados”, mas de “territórios cujo estatuto final está em negociação”. É lógico que com uma tal abordagem do conflito a relação de força entre os protagonistas é um dos elementos a tomar em consideração. O mais fraco devendo assumir mais compromissos do que o mais forte.

Para os Palestinos, ao contrario, o conflito visa reparar um erro que foi feito a eles e a recuperar direitos, como aqueles reconhecidos pelas resoluções da ONU, pela 4a Convenção de Genebra e pela Carta das Nações Unidas. Consciente da relação de forças, a Organização de Liberação da Palestina (OLP) já assumiu um imenso compromisso, reconhecendo o Estado de Israel nas suas fronteiras de 4 de junho de 1967. Que é bem mais do que o previsto pela resolução da ONU de novembro de 1947 para o futuro estado Judeu. O processo negociado tem, portanto, para os palestinos, como único objetivo decidir as modalidades da implementação das resoluções da ONU e do direito internacional: retirada do exercito israelense da Cisjordânia (inclusive a parte de Jerusalém que lhes pertence), desmantelamento das colônias habitacionais consideradas como crimes de guerra pela 4ª Convenção de Genebra, e o retorno dos refugiados. Estes objetivos não são negociáveis, somente as modalidades e os ritmos de sua implementação. Pode-se admitir, eventualmente, algumas exceções: troca de territórios, status particular dos lugares santos judeus em Jerusalém Oriental...

Contrariamente à posição israelo-americana, a Cisjordânia (inclusive Jerusalém Oriental) e a Faixa de Gaza são territórios ocupados, portanto destinados a serem evacuados tão logo um acordo seja encontrado. As colônias habitacionais, por sua vez, são entidades ilegais e destinadas a serem desmanteladas. E os refugiados são refugiados, tendo, portanto, o direito inalienável de voltar a seu país e de recuperar suas propriedades. É a posição da comunidade internacional, com exceção dos Estados Unidos e da Micronésia.

Estas profundas divergências sobre a natureza do conflito e, portanto, sobre o objetivo das negociações, tiveram, com certeza, repercussões sobre a natureza da paz. Esta, é preciso lembrar sempre, está destinada a ser o objetivo último das negociações israelo-palestinas. Para os palestinos, a paz é o resultado da concretização – mesmo que imperfeita – do direito. Para os israelenses, ao contrario, a paz é a neutralização da luta nacional palestina e a separação. Tudo o que puder garantir mais separação é um passo à frente em direção à paz, não importa que opinião os palestinos façam disso. O bloqueio dos territórios ocupados, colocado em prática desde o inicio do processo negociado, é vivido pelos palestinos como uma verdadeira agressão contra sua liber-dade de movimento. Para a maioria dos pacifistas israelenses, ele é visto como um dos avanços mais significativos da paz, porque ele é um inicio da realização do “nós em nossas casas e eles nas deles”.

Quando a paz de uns é vivida como uma agressão pelos outros, as chances de desembocar em “negociações de paz” são evidentemente mínimas.


RELAÇOES DE DOMINADORES COM DOMINADOS

“Não se preocupem, nada vai mudar”. É com estes termos, no mínimo surpreendentes, que o primeiro ministro Yitzhak Rabin tentou convencer a opinião publica israelense a aceitar as grande linhas dos Acordos de Oslo. O que é grave é que, no fundo, nada mudou. Ora, depois de cem anos de conflito – como o lembra com precisão o preâmbulo da Declaração de Princípios - tudo devia mudar. Sobretudo se o objetivo é de conseguir não somente o fim das hostilidades, mas também a reconciliação. Temos dificuldade para compreender a existência de uma tal margem entre o objetivo último – a reconciliação – e a decisão que nada deve mudar, do ponto de vista israelense, entenda-se.
Entretanto, se quisermos passar de um conflito mais do que centenário para a paz, é preciso que tudo, ou quase tudo, mude. E começando na relação com o outro. Ora, como indicou o jornalista Uri Avneri em varias ocasiões, depois de reconhecido o fracasso de Camp David, “o que se confirma, na incapacidade atual dos pacifistas israelenses de compreender a responsabilidade israelense no fracasso do processo de paz, é o fato que nós não soubemos, durante estes seis últimos anos, tratar os palestinos em pé de igualdade.”

As negociações e a construção dos acordos reproduziram a relação Dominadores-dominados: Israel ditou suas condições, impôs sua leitura dos acordos e sua concepção de segurança, fixou seus parâmetros das negociações. E se retraiu cada vez que precisou, a seus olhos, “punir” os palestinos.

As forças militares não mudaram em nada sua atitude em relação aos habitantes palestinos da Cisjordânia e de Gaza (menos para os VIPs que recebiam um tratamento de favor dado... e retomado, segundo o arbítrio das forças de ocupação); os tribunais militares continuaram como se nada tivesse acontecido em Washington em setembro de 1993. A recusa em libertar todos os presos políticos é, neste sentido, muito simbólica: só depois de longas negociações é que a maioria dos prisioneiros, detidos por lutarem contra a ocupação, foi libertada. Muitos permanecem na prisão até hoje. 

A relação de forças nunca deixou de se exprimir, perpetuando uma assimetria cada vez mais humilhante: os palestinos devendo mostrar permanentemente suas intenções pacificas, particularmente reprimindo as forças políticas hostis aos acordos, enquanto que em Israel a extrema direita e os colonos estavam no governo e promoviam uma campanha cheia de ódio contra os Acordos de Oslo. Os palestinos se viam castigados (reforço do bloqueio, supressão da permissão de trabalho, anulação das cartas VIP, recusa do acerto de dívidas devidamente assinadas) se não conseguissem prender tal líder islâmico suspeito, com ou sem razão, de ser responsável por um atentado. Enquanto os israelenses libertavam – se é que eles os tivessem aprisionados – os assassinos notórios de civis palestinos.

Jamais compreendemos como isso se devia. A violação sistemática dos acordos assinados não decorria unicamente, da parte de Israel, de uma simples má vontade ou de uma desonestidade gratuita, mas muito mais de uma atitude: a do professor frente ao aluno, do pai frente à criança, do diretor da prisão frente ao prisioneiro. Em todos os casos dessa imagem, seria preciso delimitar uma linha divisória que revele quem tem o poder, o direito e os meios de aplicá-lo. É uma atitude tipicamente colonial.

Tipicamente colonial, igualmente, é a falta de escuta do outro. Do ponto de vista do colonizador, o colonizado não tem uma palavra autônoma, também não tem o verdadeiro conhecimento da realidade. Tal como uma criança, é preciso lhe dar a palavra, convencê-lo daquilo que ele é e deve ser, ensinar-lhe o que é bom e o que é ruim, inclusive o que é bom para ele. Esta é a razão profunda pela qual não se negocia, dita-se, dá-se... E repreende-se para punir. Felicitá-se quando os palestinos demonstram que aprenderam bem e os repreendem quando eles se fazem de surdos. Uma tal atitude não é somente típica de negociadores teimosos e de militares obtusos, é própria de toda a sociedade israelense, inclusive de seus intelectuais de esquerda. É o que o editor do Haaretz, Doron Roseblum, denunciou com ironia pelo vocábulo “estilo didático”.

É isto que explica também os limites de autocrítica israelense face aos cem últimos anos de conflito. Ela não concerne nunca o fundamento das relações israelo-palestinas (racismo, colonização...) mas sobre o fato de nunca ter prova de uma inteligência suficiente para compreender que é extremamente difícil impor sua posição unicamente pela força. Como os bons mestres do fim do século XIX, teria sido necessário saber usar a cenoura e o bastão, a firmeza e a doçura, as recompensas e as punições.

A NECESSÁRIA REVOLUÇÃO DAS MENTALIDADES

Mas tudo isso é coerente. Se a paz é sinônimo de calma na sala de aula e não de ruptura da relação entre mestre e aluno, tudo depende exclusivamente da maneira correta de manejar as recompensas e as punições. Se, pelo contrário, como indica o bom senso, a paz requer relações de reciprocidade, de igualdade e de respeito mútuo, uma verdadeira revolução cultural é necessária para passar do estado de dominação ao estado da paz. Uma revolução das mentalidades e dos comportamentos. Uma tal mudança não se escreve em uma declaração de princípios e não deve ficar imobilizada num calendário tão fechado como aquele previsto pelos acordos de Oslo. Ele exige uma tomada de consciência da sociedade e da direção política, intelectual e espiritual. Todas coisas que fizeram uma imensa falta na ultima década. 

Longe de confiar em um “processo”, a paz necessita de um trabalho, de uma ação consciente e firme para substituir uma cultura colonial de guerra e de dominação por uma cultura de paz.

A assinatura da Declaração de princípios, em 1993, havia provocado muitas esperanças. Pela primeira vez, israelenses e palestinos reconheciam que era impossível, ou pelo menos não era desejável, impor sua existência exclusiva sobre a Terra Santa. E se engajaram para resolver seu contencioso em volta da mesa de negociações. Entretanto, para que essa declaração de intenções, como seu nome indica, se transforme em realidade, seria preciso preencher um imenso déficit: cem anos de conflito, de relações coloniais e de cultura de guerra. Não seria ambicioso, ou mesmo pretensioso, tentar preencher este déficit em seis anos? Porque o calendário era apertado e o objetivo, maximalista: o fim do conflito e a reconciliação. Nada de menos!

Para os israelenses, durante a maior parte deste século de conflito entre os dois povos, os palestinos simplesmente não existiam. O slogan do sionismo era: “uma terra sem povo para um povo sem terra”. E em 1973, Golda Meir (3) teria afirmado: “Os palestinos? Isto não existe”. Era, no máximo, um problema ecológico do qual era necessário se livrar, à semelhança dos mangues do Vale do Jordão, dos mosquitos ou da malária. “Fazer florescer o deserto”: outro mito. Aquele de um país árido e desértico que só o sionismo era capaz de valorizar, desprezando os campos de oliveiras, da cultura em terraços, das figueiras de barbárie que o judeu europeu que emigra de sua Polônia natal acredita terem caído diretamente do céu.

De 1948 a 1967, e particularmente após a depuração étnica de 1948 onde mais de 700.000 palestinos são rechaçados para fora das fronteiras do Estado Judeu, essa negação total do outro se fortaleceu. A minoria palestina que permanecerá no Estado Judeu representa então menos de 5% da população do país e vive, até 1965, confinada em verdadeiras reservas, sob o controle de um governo militar que a trata não apenas como um quinta-coluna, mas sobretudo como um acidente de percurso, um erro num Estado que se pretendia etnicamente puro. Estes 150.000 homens e mulheres, que em cinqüenta anos se tornarão um milhão, são como indica a lei israelense “presentes-ausentes”.

Portanto um arbítrio quase total e a ausência de direitos humanos elementares – sobretudo o direito à propriedade da terra – mesmo se essa população goza, paradoxalmente, de direitos civis.

A ocupação da Cisjordânia e da Faixa de Gaza, em junho de 1967, e a emergência de um forte movimento nacional (OLP) vão dar uma visibilidade ao povo palestino, mesmo se precise esperar mais de duas dezenas de anos para que esta se imponha à maioria da população israelense. Porém as dezenas de anos de ocupação militar, de arbítrio e de repressão institucionalizada não são sem efeitos sobre o ocupante. Este vai desenvolver uma cultura caracterizada por um racismo cada vez mais aberto e declarado que permitirá justificar uma desumanização do outro e uma negação permanente dos seus direitos humanos os mais elementares. O reforço espetacular de Israel, em termos econômicos e militares, vai ainda acentuar um sentimento de superioridade que não poupa quase ninguém.

  
UM MOVIMENTO CONTAMINADO DA PAZ

É sobre a base de uma verdadeira mentalidade racista e de comportamentos de conquistadores que Israel reconheceu, em 1993, a OLP e tenta resolver o conflito em seis anos. Compreende-se que havia motivo para ser céptico sobre uma solução positiva para o processo de Oslo e o sucesso do calendário. A existência de um forte movimento da paz em Israel teria talvez podido ajudar a realizar o impossível e criar relações de forças em favor de uma paz incluindo o direito, a equidade e a justiça. Infelizmente, este era, também, fortemente contaminado pelos efeitos perversos da ocupação e do colonialismo e dividia, sobre o fundamental, a concepção da paz defendida pelos dirigentes do país. Uma paz cujo objetivo era de se livrar das conseqüências da ocupação e não da ocupação como tal, de se livrar dos palestinos e não de lhes devolver seus direitos. E de fato, desde a assinatura da Declaração de princípios, a concepção de paz defendida pela grande maioria dos pacifistas israelenses aparece em toda sua fraqueza, como indicam estes extratos de uma “Carta aberta a um amigo do Paz Agora”, que escrevi em setembro de 1993 (4). Ela começa por descrever o tipo de paz que encheu de alegria o pacifista israe-lense.

“Você dançou na rua porque estava feliz com essa paz. Não somente a paz, mas uma mistura de paz, segurança, de palestino abjurando suas faltas (renúncia ao terrorismo) e esperando concessões mais importantes para mais tarde. Uma paz da qual poderias ficar orgulhoso. Uma paz pela qual você se alegrava. Não tínhamos cedido nada (“ Apenas um pouquinho”, cochichava o Primeiro-ministro) e ganhamos muito: o reconhecimento, uma maior segurança , o fim da Intifada, a renúncia ao terrorismo, o alivio da pressão árabe e mais ainda. Estás feliz com essa espécie de paz e me convidas para dançar em sua honra. Não, obrigado!

De fato, para o pacifista israelense, a paz não tem nada a ver com a realização dos direitos legítimos dos palestinos. Ela é apenas um meio de pôr fim aos efeitos do conflito, aqueles que lhe concernem, mas não aqueles que concernem à população ocupada. Numa tal perspectiva, está claro que quanto menos se assumir compromissos, melhor. Trata-se, com efeito, de uma negociação de barganha: “Paras de bater em troca de uma retirada militar a mais modesta possível”.

E a carta continua: “Desde que te conheci – há já quinze anos – lutavas por uma paz que não era um valor em si, mas um meio para nós, os israelenses, de garantir nossa segurança. És a favor da retirada dos Territórios Ocupados com a finalidade de assegurar uma maioria judaica em Israel. Protestas contra Sharon porque te preocupas com o futuro da juventude judaica e aceitas as negociações com a OLP porque sem isso teríamos de negociar com o Hamas. Eu, ao contrario, vejo a paz como um fim e não simplesmente como um meio. Peço que se deixem os Territórios Ocupados porque não temos nada a fazer lá, mesmo se essa ocupação não nos custasse nenhuma vítima e nem mesmo um centavo. E sou contra o assassinato de crianças e adultos simplesmente porque é proibido atirar em crianças e civis.”  

Em oposição a uma tal concepção mercantilista da paz, trata-se de pôr fim a uma longa negação de direitos cometida por Israel, por princípio mas também porque é o único meio de pôr fim ao que leva os palestinos a continuar o combate, como eu o sugiro ao meu interlocutor: “Então o que poderia ser melhor para ti que essa paz? Tu te livras de Gaza, separas os israelenses dos palestinos, deixa-lhes o trabalho sujo e, em troca, não lhes prometes nem mesmo a retirada militar ou um verdadeiro Estado. Uma paz poderia ser comprada a um melhor preço? Para ti, o acordo israelo-palestino sempre foi um jogo com resultado nulo: tudo o que lhes dermos, irá nos faltar. Ele ganha, eu perco. Si fosses capaz de pensar realmente em termos de paz, compreenderias a que ponto te enganas: quanto mais os palestinos receberem de independência, de orgulho, mais lucraremos. Quanto mais formos avaros, mais perderemos...”

Se quisermos criar as condições de uma verdadeira paz e não apenas de um cessar-fogo, não podemos nos contentar em cortar a pêra em duas partes. Ou, pior, de reduzir ao máximo as concessões a fazer pela parte responsável pela ocupação. É preciso devolver aquilo que foi tomado, completamente. É preciso que o ocupado sinta que o ocupante de ontem fez a escolha de mudar por completo sua atitude e seus objetivos.

E a carta conclui: “Assinamos um acordo de cessar-fogo e foi bom que o tivéssemos assinado. Mas a paz está ainda longe, porque a paz exige honestidade, a paz exige a igualdade. Vocês querem forçá-los a mentir, querem que eles capitulem para ter a paz, vocês celebram uma paz entre o senhor e o escravo. Em tais condições vocês terão talvez a pacificação e a tranqüilidade, mas vocês não terão a paz. Não enquanto não estivermos prontos para uma paz entre parceiros iguais”.

Oito anos se passaram e o mundo inteiro pôde se dar conta de que Oslo não engendrou a paz. Se a Declaração de Princípios permitiu, durante um certo tempo, pacificar os Territórios Ocupados, foi apenas um adiamento da violência, como demonstram os acontecimentos destes últimos meses. Paz e capitulação são complemente incompatíveis, da mesma maneira que a paz e a dominação.

A falta de escuta do outro – escuta que se define como uma das condições prévias a uma nova cultura de paz – fez-se sentir particularmente durante estes últimos oito anos. Porque os palestinos não cessaram de dizer, nas ruas e em volta da mesa de negociações, o que são, aos seus olhos, as condições necessárias a uma paz israelo-palestina. Porém quanto mais a segurança se impunha sobre o terreno, graças aos acordos interinos assinados com os palestinos, mais se fortalecia nos israelenses a ilusão de uma paz pela metade do preço e a certeza que eles poderiam impor aos palestinos um preço menor que aquele delineado nas primeiras fases das negociações. A recusa ou a incapacidade de escutar o outro levou não somente ao impasse de Camp David, mas também à imensa decepção das forças pacifistas israelenses. E à sua raiva atual contra os palestinos que não aceitaram jogar a partilha que os israelenses lhes ditavam. É desse modo que voltamos ao ponto de partida.

COMO CONSTRUIR A PAZ ?

No contexto israelo-palestino, uma estratégia de construção da paz é exatamente o oposto do que deixa entender o conceito de “processo”. Ela necessita de um trabalho de base que ataque os preconceitos e as percepções presentes e não hesite em colocar em questão interesses estabelecidos e alianças existentes. Uma tal estratégia se articula em torno de cinco objetivos que se completam mutuamente.

Desvendar as raízes do conflito

Trata-se inicialmente, de fazer compreender o que motiva, de uma parte e de outra, as hesitações, e até a recusa da paz. E de mostrar quais são os componentes da paz a que cada uma das duas comunidades aspira. Em outros termos, a primeira condição, necessária, porém sem dúvida, não suficiente, é de mostrar que o conflito não é nem um mal entendido lamentável, nem o resultado de um ódio irracional, mas sim a expressão de interesses reais e de escolhas contraditórias: a vontade colonizadora do sionismo, de um lado, a aspiração do povo palestino à liberdade e à independência, do outro. Por trás desses objetivos eminentemente políticos, há também, e é preciso que se compreenda, comportamentos e, em particular, angústias das quais algumas têm suas antigas raízes na história e na memória coletiva dos povos. Trabalhar a paz consiste inicialmente em racionalizar a conduta do outro aos olhos de cada uma das comunidades. Trata-se, portanto, de um trabalho de informação que se deve fazer sem compromissos: mostrar o outro, tal qual ele é, inclusive no seu ódio, e não como gostaríamos que ele fosse.


Definir a paz

O segundo objetivo consiste em definir os parâmetros da paz na qual acreditamos, de tal maneira que ela possa ser viável e o mais justa possível. Esses parâmetros são, por falta de melhores, os do direito tal qual é definido pelas resoluções e as convenções internacionais. Na falta de algo melhor, porque o direito também é o resultado de uma certa relação de forças e nem sempre a expressão de uma justiça histórica plena e inteira. Ele implica o direito ao retorno dos refugiados, o direito à autodeterminação, o “não direito” representado pelas colônias habitacionais ou pela anexação de territórios ocupados. Eis a base de uma paz israelo-palestina que poderia ser viável.

Trabalho de memória e arrependimento

Terceiro, é preciso criar uma ponte entre política e ética, entre direito e justiça, através dos conceitos de responsabilidade e perdão. A paz é o resultado de um compromisso político que, certamente, se define sobre a base do direito, mas continua o produto de uma negociação. Porém de um compromisso que é raramente simétrico. Se os palestinos estão prontos a fazer compromissos sobre a aplicação de seus direitos, em troca eles não estarão jamais dispostos a aceitar uma paz que apague a responsabilidade da injustiça histórica da qual eles foram as vitimas. Em primeiro lugar, é necessário que os historiadores, os educadores desmistifiquem a história sobre a formação do Estado de Israel e a redefinam. Porém não trata-se apenas de história. O político não pode fazer economia de uma volta ao passado e de um pedido de perdão.

Porque não poderia haver reconciliação sem o reconhecimento por Israel, seus dirigentes e sua população, da injustiça cometida, por eles e em seu nome, contra o povo palestino. E sem um pedido de perdão. Não se trata somente de uma divida moral a pagar às vitimas de mais de um século de colonização e espoliação, mas também da necessidade, para o povo israelense, de apreender as raízes do conflito. E de tomar a medida da generosidade, não de seus próprios dirigentes, mas dos palestinos que oferecem um compromisso. A paz e a reconciliação são incompatíveis com a amnésia. Elas exigem, ao contrario, reavaliar sua própria história e de se olhar no espelho, sem filtro e sem concessões. Apenas um pedido de perdão sincero e global pelos crimes cometidos pode criar as bases de uma igualdade real entre aqueles que perpetraram esses crimes e suas vítimas. É um condição não contornável para que a paz seja o ponto de partida de uma verdadeira reconciliação.

  
Expressar a solidariedade

Trabalhar a paz em Israel-Palestina implica traduzir numa realidade concreta e no tempo presente os valores sobre os quais essa paz poderia se apoiar para tornar-se uma realidade. Tratando-se de uma paz entre duas entidades não simétricas, isto é, entre um Estado que é o produto de um movimento colonizador e um povo que foi a vitima, o conceito de solidariedade se impõe como elemento mediador entre o presente, feito de repressão e de dominação, e o futuro, feito de respeito e igualdade.

Para que um dialogo de paz se estabeleça, é preciso que a parte israelense se engaje, reconheça sua responsabilidade especifica nos atos presentes de seu governo. E esteja disposto a traduzir em ações de solidariedade seu reconhecimento dos direitos dos palestinos
.
Promover a coexistência

Enfim, trabalhar a emergência de uma cultura de paz exige lutar contra a filosofia da separação. Esta filosofia, no coração do projeto sionista, acredita apenas em entidades etnicamente homogêneas e como tal é um obstáculo maior a uma verdadeira paz israelo-palestina. Israel não pode, Israel não deve se separar de sua circunvizinhança árabe, seu futuro – se este aspira a um futuro de paz – dependerá de uma vontade de se integrar na região, num espirito de parceria, de reciprocidade e de igualdade. A recusa de cooperação significará continuar a ser e a querer ser um corpo estranho e hostil. Isto apenas serviria para provocar a hostilidade do mundo árabe face ao povo israelense.

Essa revolução que representaria o lugar de Israel no mundo árabe começa, bem evidentemente, por uma atitude radicalmente diferente face os palestinos, sejam eles cidadãos de Israel ou cidadãos de um eventual Estado palestino. Uma atitude baseada sobre a cooperação e não mais sobre a separação étnica e que cessa de ser obcecada pelo “perigo demográfico” que representam os palestinos. Uma concepção da cidadania baseada sobre o solo e não mais sobre o pertencimento étnico ou religioso permitirá abordar sem medo a questão do direito de retorno dos refugiados palestinos.

COMPLACÊNCIA DA COMUNIDADE INTERNACIONAL

Fazer avançar a paz não é unicamente a tarefa dos atores diretamente implicados, palestinos e israelenses. Esse objetivo concerne também à comunidade internacional. De fato, ela tem não apenas interesse no Oriente Médio – e em particular aqueles ligados aos perigos que poderiam representar para o mundo inteiro uma explosão generalizada da violência – mas também responsabilidades. Inicialmente, porque foi através de uma ação da comunidade internacional que Israel nasceu e que os palestinos tiveram sua pátria confiscada. Assumindo, em novembro de 1947, a decisão de dividir a Palestina em um Estado judeu e um Estado árabe, a Assembléia Geral das Nações Unidas assumiu também a responsabilidade que uma tal resolução não se traduzisse pela negação dos direitos individuais e coletivos das populações judaicas e árabes.

Esses direitos, no que concerne aos palestinos, foram escarnecidos por completo: expulsão em massa, expropriações etc. Foi para tentar reparar esses efeitos, facilmente previsíveis, da resolução de 1947, que as Nações Unidas adotaram a resolução 194 a qual exige, entre outras coisas, o retorno dos refugiados e a restituição dos bens confiscados. O apoio por Israel dessa resolução foi mesmo a condição de sua aceitação na ONU. Ora, nada foi feito depois.

A complacência da comunidade internacional face à não aplicação por Israel das diferentes resoluções da ONU e a violação sistemática da 4ª Convenção de Genebra, assim como o verdadeiro estado de impunidade de que goza o Estado hebreu, não contribuem em nada para a paz, muito pelo contrario.

A inércia da comunidade internacional, ou mais precisamente dos estados ocidentais, se explica primeiro pelo sentimento de culpa da Europa face ao genocídio dos judeus na ultima guerra mundial. Uma Europa que não pôde, ou não quis, defender os judeus ante a barbárie nazista. A solução sionista tinha, alem disso, a vantagem para os estados ocidentais, os EUA inclusive, de resolver o problema dos sobreviventes da Europa do Leste que se encontravam fora das fronteiras do mundo ocidental. Depois de terem deixado massacrar os judeus, se livraram dos sobreviventes, enviando-os à Palestina. Com, além disso, o sentimento de fazer uma boa ação.

É sobre esse cenário de culpabilidade que os Estados ocidentais apoiaram não somente a criação do Estado de Israel, mas igualmente sua economia e sua força militar. Sem uma ajuda internacional maciça, Israel não se teria tornado a potência que é hoje, e provavelmente, não poderia ter se permitido desenvolver ambições hegemônicas no Oriente Médio. Continuando a sustentar Israel, quando este tornou-se hoje um verdadeiro fora-da-lei regional, a comunidade internacional se faz cúmplice da agressão israelense contra os palestinos e do fracasso das tentativas de paz entre Israel e o mundo árabe.

Mas é também prestar um mau serviço a Israel e a seu povo continuar a tratá-los como as crianças mimadas do ocidente a quem se perdoa quase tudo... Com a finalidade de se fazer perdoar a infância infeliz de seus pais. Quem ama verdadeiramente tem o dever, quando for preciso, de colocar limites àquele para quem quer o bem. E isto pode levar às vezes a dar uma palmada nos dedos. No contrário, à força de mimá-lo e de deixá-lo fazer o que quiser, contribuímos para a sua perda.

O apoio quase incondicional dos países ocidentais a Israel não é somente o resultado da história. Ele participa igualmente do conflito, mais ou menos latente, entre Norte e Sul. É muito natural que a Europa e os Estados Unidos se identifiquem com Israel que é, a seus olhos, a expressão do progresso, da democracia, da modernidade e do bom direito, em nome dos quais eles justificam sua política através do mundo. O mundo árabe, ao contrario, é identificado com o fanatismo, o terrorismo e a ditadura. Não é preciso, assim, entrar em detalhes. A ilegalidade flagrante da colonização, o uso de mísseis contra populações civis, a ausência de liberdade de culto ou de movimento, são precisamente questões de detalhes em um conflito cujas grandes linhas são aquelas do conflito entre o bem e o mal, entre o Norte e o Sul.

A identificação espontânea dos jovens dos subúrbios (5) com a luta dos palestinos não decorre de um antijudaismo atávico, mas precisamente do fato de que eles sentem, no discurso dos políticos e, sobretudo na cobertura midiática, uma semelhança de tratamento: fala-se dos palestinos como fala-se deles. Aqueles que eles vêem bombardeados em Ramalah ou a Beit Sahour são os excluídos da nova ordem regional, da mesma forma que eles são excluídos da democracia e da prosperidade.

Um retorno crítico sobre a nova ordem mundial, sobre essa nova forma de guerra fria que é a mundialização neoliberal, é indispensável para que a comunidade internacional desempenhe um papel construtivo em favor da paz no Oriente Médio. Uma nova cultura de paz é necessária tanto na Europa quanto nas regiões da periferia. E ela passa igualmente por uma necessária mudança na maneira de olhar o outro, por uma exigência de solidariedade. E pela elaboração de uma estratégia de coexistência baseada sobre a igualdade, o respeito e a cooperação. Se uma tal retomada em questão da desordem mundial atual não acontecer num futuro relativamente próximo, as guerras do sul, e em particular o conflito israelo-árabe atravessarão as suas fronteiras e se estenderão, como um lençol de petróleo em chamas, da periferia para o coração das metrópoles.

Michael Warchawski
_____________________________________________________
1) Reencontro entre Bill Clinton, Ehud Barak e Yasser Arafat que, devido à falta de discussão sobre a essência, levou ao fracasso das negociações.
(2) O primeiro Congresso Sionista, reunido em Báli em 1897 por iniciativa de Theodor Herzl, estipulava que o objetivo do sionismo era de “criar um lar para o povo judeu na Palestina”.
(3) eleita Primeira-ministra de Israel, de 1969 a 1973, ela teve de pedir demissão em conseqüência de uma Comissão de inquérito sobre a falta de preparo do exército israelense quando da guerra do Yom Kippur.
 4) Esta carta foi publicada em “News From Within”.
(5) Ndlr: O autor faz aqui referência aos jovens dos subúrbios franceses saídos da segunda geração de imi-grantes e sensíveis ao desencadeamento da segunda Intifada, jovens que conheceu quando de suas visitas à França.
Publicação do Centre Lebret, “Foi et Developpement” - no. 297, de outubro 2001

Seguidores: