Eleições municipais israelenses foram realizadas terça-feira em um clima marcado por nova vitória do racismo institucionalizado e segregacionista.
Maren Mantovani
Partidos israelenses, prefeitos e candidatos se envolveram em uma série de campanhas racistas, dirigidas contra as comunidades de não-judeus e não-brancos e, em particular, contra os cidadãos palestinos de Israel. Apesar de 75% dos palestinos que moraram antes da criação de Israel em 1948 nesse territorio foram expulsos já há décadas, hoje 20% da população de Israel é palestina.
Em Karmiel, um município da região de Haifa, o presidente do comitê local para as eleições do Likud (partido do governo), Koron Noimark, assegurou que vai garantir a predominância de judeus: mesquitas ou igrejas não serão permitidas no bairro, porque “se os árabes continuarem chegando, os judeus vão sair e vamos mesmo acabar com um prefeito árabe” [1]. A declaração ignora completamente que a propaganda israelense há décadas tenta vender Haifa como um símbolo do multiculturalismo e da coexistência entre judeus e palestinos. Além disso, vale lembrar que, antes de ‘chegar’, grande parte da população palestina foi expulsa brutalmente em 1948 de seus lares na área de Haifa. Em Jerusalém, os slogans de campanha eleitoral da lista Jerusalém Unida promoveram “Jerusalém para os judeus - segurança, habitação e Thora”. Em agosto jornais israelenses noticiaram sobre slogans racistas da campanha de outra lista eleitoral que retrataram homens árabes que “aterrorizam as meninas judias” em parques da cidade [2].
Outro exemplo foi a campanha eleitoral de Shimon Gapso, o atual prefeito de Alto Nazaré, uma cidade israelense construída em terras palestinas com a finalidade de ‘judaizar’ a área. ‘Judaização’ é uma expressão israelense cunhada para descrever uma série de políticas voltadas para a implantação de população judia e/ou expulsão de habitantes palestinos, a fim de garantir uma maioria judia. A campanha de Gapso visou a deixar bem claro que os cidadãos palestinos não eram bem-vindos na Alta Nazaré e foi tão racista que foi criticada mesmo dentro de Israel.
Num artigo esclarecedor intitulado ‘Se acha que sou racista, então Israel é um estado racista’, Gapso defende suas posições a partir da promessa bíblica da Terra de Israel para o povo judeu e a mensagem de Deus a Moisés para limpar a terra de seus habitantes. Em seguida, referindo-se à realidade do Estado de Israel, ele explica: “Os kibbutzim racialmente puros, sem um único membro árabe e um exército que protege certa estirpe racial foram estabelecidos, assim como os partidos políticos que orgulhosamente ostentam nomes racistas - Habayit Hayehudi, O lar judeu. Mesmo o nosso hino nacional racista ignora a existência da minoria árabe, ou seja, o povo que Ben-Gurion [nota: fundador do Estado de Israel] não consegui expulsar na guerra de 1948 [3]. Em outra intervenção no Washington Post, Gapso afirmou que “os 95% dos prefeitos judeus [em Israel] acham a mesma coisa. Eles têm apenas medo de dizer isso em voz alta” [4]. Provavelmente, Gapso está certo.
Outro exemplo foi a campanha eleitoral de Shimon Gapso, o atual prefeito de Alto Nazaré, uma cidade israelense construída em terras palestinas com a finalidade de ‘judaizar’ a área. ‘Judaização’ é uma expressão israelense cunhada para descrever uma série de políticas voltadas para a implantação de população judia e/ou expulsão de habitantes palestinos, a fim de garantir uma maioria judia. A campanha de Gapso visou a deixar bem claro que os cidadãos palestinos não eram bem-vindos na Alta Nazaré e foi tão racista que foi criticada mesmo dentro de Israel.
Num artigo esclarecedor intitulado ‘Se acha que sou racista, então Israel é um estado racista’, Gapso defende suas posições a partir da promessa bíblica da Terra de Israel para o povo judeu e a mensagem de Deus a Moisés para limpar a terra de seus habitantes. Em seguida, referindo-se à realidade do Estado de Israel, ele explica: “Os kibbutzim racialmente puros, sem um único membro árabe e um exército que protege certa estirpe racial foram estabelecidos, assim como os partidos políticos que orgulhosamente ostentam nomes racistas - Habayit Hayehudi, O lar judeu. Mesmo o nosso hino nacional racista ignora a existência da minoria árabe, ou seja, o povo que Ben-Gurion [nota: fundador do Estado de Israel] não consegui expulsar na guerra de 1948 [3]. Em outra intervenção no Washington Post, Gapso afirmou que “os 95% dos prefeitos judeus [em Israel] acham a mesma coisa. Eles têm apenas medo de dizer isso em voz alta” [4]. Provavelmente, Gapso está certo.
O racismo como parte da identidade nacional
Sem dúvida, ele tem amplo apoio na sociedade judia israelense. Em um estudo recente do instituto de pesquisa israelense ‘Diálogo’, um terço dos entrevistados disseram que os cidadãos palestinos de Israel devem ter o seu direito de voto negados. Quase metade disse que os cidadãos israelenses palestinos devem ter sua cidadania retirada. Metade dos entrevistados disseram acreditar que os judeus deveriam ser tratados melhor do que os cidadãos palestinos, e 59% disseram que gostariam que os judeus recebecem tratamento preferencial no emprego do setor público. Mais de 40% dos entrevistados disseram que querem habitação segregada e salas de aula separadas para judeus e palestinos. A maior parte do público judeu (58 %) acreditam que Israel utiliza práticas de apartheid contra os palestinos [5].
Resultados similares aparecem em uma pesquisa de 2007 realizada pela Associação pelos Direitos Civis em Israel. Cerca de 55% dos judeus acreditam que os cidadãos palestinos de Israel devessem deixar o país, 75% não gostaria de viver no mesmo bairro com os palestinos e 74% dos jovens israelenses disseram que os árabes são ‘sujos’. Mais da metade dos entrevistados também disse que uma mulher judia que se casa com um homem árabe "comete uma traição ao país e ao povo judeu."[6]
Ao fim de garantir a pureza racial dos hábitos de namoro, o estado ajuda com uma nova regulamentação aprovada na semana passada. Ela rege que “mulheres jovens israelenses que façam voluntariado em hospitais de Israel como parte de seu serviço nacional [..] não serão mais autorizadas a fazer turnos a noite, para evitar qualquer contato com os árabes” [7]. Se tudo isso não ajudar, há duas linhas de atendimento telefônico para denunciar sobre garotas judias ‘desviadas’, homens palestinos que se atrevem a sair com mulheres judias e procurar conselho se algum dia você se sentir atraída por um homem árabe [8].
O racismo que como alvo principal tem a opressão, a expulsão da população indígena palestino, os massacres contra eles e outros povos árabes, não dispensa outras comunidades não-brancas e não-judaicas. O jornalista israelense David Sheen recentemente publicou um vídeo chocante que mostra cenas de várias manifestações contra refugiados africanos em diferentes cidades israelenses: uma multidão violenta incitada contra a ameaça dos ‘infiltrados negros’, uma mulher branca suspeita de ser casada com um homem negro atacada e ameaçada, homens negros atacados gratuitamente. Políticos israelenses participam e conduzem as massas contra os africanos. O vice-ministro de Defesa de Israel traz a questão para o ponto em um comício Anti-Africano: “A coisa mais importante é expulsar os infiltrados do país para proteger Israel como um Estado judeu.” No mesmo comício, a presidente do comitê pelos assuntos internos do parlamento israelense Miri Regev chama os sudaneses de ‘um câncer em nosso corpo’ [9].
Atualmente, Israel está utilizando a lei antiinfiltração aprovada em 1954 para impedir que os refugiados palestinos regressem às suas casas, a fim de encarcerar sem julgamento os refugiados africanos, que em muitos casos fugem de conflictos em seus países que são travados com armas israelenses. Para este efeito, Israel está construindo o que será a maior prisão desse tipo em qualquer país.
As pessoas não nascem racistas, eles são ensinados a pensar e agir assim.
Peled -Elhanan, professor de línguas e educação na Universidade Hebraica de Jerusalém, estudou o conteúdo dos livros escolares israelenses durante os últimos cinco anos, e diz que em centenas de livros ela não encontrou uma fotografia que mostrava um árabe como uma ‘pessoa normal’. Ela diz: “Não é que os massacres são negados, eles são representados nos livros escolares israelenses como algo que, a longo prazo é bom para o Estado judeu.” Ela acrescenta que as crianças são orientadas a interiorizar a mensagem de que os palestinos são “pessoas cuja vida é dispensável impunemente. E não só isso, mas pessoas, cujo número deve ser reduzido.” [10]
Décadas de propaganda patrocinada pelo Estado e as mídias criaram uma sociedade onde o racismo é largamente parte da identidade nacional. Iniciativas israelenses de contro-informação são reprimidas ou marginalizadas pelo discurso das institucões públicas e corporativas. Entretanto, elevando os conceitos de ‘povo escolhido’ e uma ‘terra prometida por Deus’ para categorias políticas, se produz necessariamente ideias de superioridade racial e todas as consequências dramáticas que vêm junto com ele.
Décadas de propaganda patrocinada pelo Estado e as mídias criaram uma sociedade onde o racismo é largamente parte da identidade nacional. Iniciativas israelenses de contro-informação são reprimidas ou marginalizadas pelo discurso das institucões públicas e corporativas. Entretanto, elevando os conceitos de ‘povo escolhido’ e uma ‘terra prometida por Deus’ para categorias políticas, se produz necessariamente ideias de superioridade racial e todas as consequências dramáticas que vêm junto com ele.
A essência institucional do apartheid
Tudo citado acima é apenas a ponta do iceberg - as expressões de racismo e de regras que teriam sido chamadas de praticas de ‘apartheid trivial’ até duas décadas atrás, na África do Sul. O grande esquema reside na realidade de leis e de fatos repressões, desapropriações e exclusões, que são parte integrante de práticas do estado de Israel desde a sua criação em 1948 e isso é o que transforma Israel em um estado de apartheid.
Apartheid é definido como “qualquer situação em qualquer lugar do mundo onde existem os três elementos principais a seguir: (I) que dois grupos raciais distintos podem ser identificados, (II) que ‘atos desumanos’ sejam cometidos contra o grupo subordinado, e (III) que tais atos são cometidos sistematicamente no contexto de um regime institucionalizado de dominação de um grupo sobre o outro” [11].
Entre os atos desumanos listados na Convenção para a Proibição e Repressão do Crime de Apartheid são incluidas medidas legislativas para separar grupos ao longo de linhas raciais, bem como “todas as medidas legislativas e outras medidas calculadas para evitar que um grupo ou grupos raciais participam na política, na vida social, econômica e cultural do país e a criação deliberada de condições que impeçam o pleno desenvolvimento de um grupo ou grupos, em especial, ao negar aos membros de um grupo ou grupos raciais direitos humanos e liberdades fundamentais”.[12]
De acordo com Adalah, uma organização palestina de direitos humanos, “há mais de 50 leis israelenses que discriminem cidadãos palestinos de Israel em todas as áreas da vida, incluindo seus direitos à participação política, acesso a terra, educação, recursos do orçamento do Estado e procedimentos criminais” [13]. Um sistema dual de lei cria discriminação entre cidadãos judeus e cidadãos palestinos indígenas, pois apenas os cidadãos com ‘nacionalidade judaica’ tem acesso a todos os direitos. Isso resulta em os palestinos não ser autorizados a locações de médio e longo prazo da terra da Administração do Território de Israel, que controla 93% das terras em Israel. Cidadãos palestinos de Israel não são elegíveis para programas de previdência social do abono de família e os gastos anuais de assistência social per caso é de US$ 257 dolares por palestinos, enquanto um cidadão judeu receberia US$ 598 dolares [14]. Como conseqüência, mais de metade das famílias palestinas em Israel são classificados como pobres e as taxas de mortalidade infantil entre os palestinos são o dobro daqueles entre os judeus [15].
A segregação institucionalizada reduz o direito a moradia, entre outros, através de uma lei de 2011, que legaliza os ‘comitês de admissão’, que operam em cerca de 700 vilas. A lei dá aos comitês de admissão plena liberdade para aceitar ou rejeitar os candidatos considerados “impróprios para a vida social da comunidade ou o tecido social e cultural da cidade”. Muitas aldeias palestinas, algumas criadas já antes do Estado de Israel, simplesmente não são reconhecidos pelo governo e portanto, não recebem água encanada, eletricidade ou estradas de acesso. Atualmente em debate final no parlamento israelense é a Lei Prawer, que vai resultar na destruição de 35 aldeias "não reconhecidas", o deslocamento forçado de mais de 70.000 cidadãos beduínos palestinos de Israel e a desapropriação de suas terras históricas.[16]
O respaldo legal para tais leis e práticas vem da Suprema Corte. Em 2012, o juiz da Corte Asher Grunis, justificou a decisão de negar o direito dos cônjuges palestinos da Cisjordânia e Gaza para se juntar a seus maridos israelenses com o argomento que a implementação desse direito humano seria “uma receita para o suicídio nacional” [17]. Para garantir que as coisas não deixam espaço para dúvidas, um projeto de lei constitucional está sendo votado em breve no parlamento, que visa subordinar oficialmente o caráter ‘democrático’ do Estado ao seu caráter ‘judeu’.[18]
Não é de surpreender então que o Tribunal Russell, um tribunal ético internacional promovido por juristas e personalidades de fama reconhecida, concluiu em uma sessão na África do Sul que “os cidadãos palestinos de Israel, mesmo com o direito a voto, não são parte da nação judaica, tal como definido pela lei de Israel. Portanto, estão excluídos dos benefícios de nacionalidade judaica e sujeitos a discriminação sistemática em todo o amplo espectro dos direitos humanos reconhecidos. [ ... ] O Tribunal conclui que o governo de Israel sobre o povo palestino, onde quer que estejam, coletivamente equivale a um único regime integrado de apartheid.” [19]
Uma vez que se tenha criado um sistema jurídico, social e econômico onde o respeito pelos direitos humanos é considerado um suicídio nacional e o racismo uma necessidade, é algo de difícil superação. A única coisa que certamente não ajuda ninguém - nem o povo palestino, nem as comunidades negras, nem a pequena minoria de israelenses que lutam activamente contra o racismo e pelos direitos humanos - é o resto do mundo encorajar e, contra todas as evidências, legitimar a situação chamando-a de "a única democracia no Oriente Médio".
(*) Maren Mantovani é coordenadora de relações internacionais para ‘Stop the Wall’, a campanha palestina contra o Muro de apartheid que Israel está construindo na Palestina.
NOTAS:
[1] http://972mag.com/jews-arabs-work-to-resist-racist-municipal-election-campaign/80276/
[2] http://972mag.com/city-council-campaign-calls-to-judaize-jerusalem/79827/
[3] http://www.haaretz.com/opinion/1.540278
[4] http://articles.washingtonpost.com/2013-09-19/world/42229879_1_israeli-mayor-largest-arab-city-citizens
[5] http://www.haaretz.com/news/national/survey-most-israeli-jews-support-apartheid-regime-in-israel.premium-1.471644
[6] Http://digitaljournal.com/article/336331#ixzz2iNrzZIrX ; http://www.haaretz.com/news/civil-rights-group-israel-has-reached-new-heights-of-racism-1.234831
[7] http://www.redressonline.com/2013/10/israel-takes-apartheid-a-step-further/
[8] http://www.timesofisrael.com/hotline-lets-callers-inform-on-jewish-arab-couples/
[9] http://electronicintifada.net/blogs/ali-abunimah/watch-video-israeli-racism-new-york-times-didnt-want-you-see
[10] http://www.theguardian.com/world/2011/aug/07/israeli-school-racism-claim
[11] http://www.russelltribunalonpalestine.com/en/sessions/south-africa/south-africa-session-%E2%80%94-full-findings/cape-town-session-summary-of-findings
[12] http://www1.umn.edu/humanrts/instree/apartheid-supp.html
[13] http://adalah.org/eng/Israeli-Discriminatory-Law-Database
[14] http://itisapartheid.org/facts01.html
[15] http://adalah.org/upfiles/2011/Adalah_The_Inequality_Report_March_2011.pdf
[16] http://www.adalah.org/eng/?mod=db&dld_page=law&slg=admissions-committees-law-law-to-amend-the-cooperative-societies-ordinance-no-8
[17] http://www.aljazeera.com/indepth/opinion/2012/01/20121121785669583.html
[18] http://www.adalah.org/eng/?mod=db&dld_page=law&slg=basic-law-israel-nation-state-of-the-jewish-people-bill
[19] http://www.russelltribunalonpalestine.com/en/sessions/south-africa/south-africa-session-%E2%80%94-full-findings/cape-town-session-summary-of-findings
Fonte: Carta Maior
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