Soldados israelenses procuram prisioneiros jordanianos durante operação de limpeza em Jerusalém, em 8 de 1967, quando a cidade ficou sob o domínio judeu durante a Guerra dos Seis Dias. |
The Intercept_Brasil – Por Mehdi Hasan
50 ANOS ATRÁS, entre 5 e 10 de junho de 1967, Israel invadiu
e ocupou Jerusalém Oriental, a Cisjordânia, a Faixa de Gaza e as Colinas de
Golã. A Guerra dos Seis Dias, como ela ficaria conhecida depois, viu o “Davi”
israelense impor uma humilhante derrota ao “Golias” árabe – talvez
personificado no presidente egípcio Gamal Abdel Nasser.
“A existência do estado israelense estava por um fio”,
afirmou o primeiro-ministro do país, Levi Eshkol, dois dias após o fim da
guerra, “mas as esperanças dos líderes árabes de aniquilar Israel foram
destruídas”. O argumento israelense é que um genocídio, um segundo Holocausto
havia sido evitado.
No entanto, há problema com este argumento: ele é uma
completa ficção, uma mentira, um mito, uma fantasia egoísta construída após o
evento para justificar uma guerra agressiva e expansionista. Não sou eu quem
diz isso: “A tese segundo a qual o perigo de genocídio pendia sobre nós em
junho de 1967 e, segundo a qual, Israel estava lutando por sua existência, não
passa de um blefe nascido e alimentado após a guerra.” As palavras são do
general Matituahu Peled, chefe do comando logístico na Guerra dos Seis Dias e
um dos 12 membros do Estado-Maior de Israel, em março de 1972.
Um ano antes, Mordechai Bentov, membro do governo durante a
guerra e uma das 37 pessoas a assinar a Declaração de Independência de Israel,
fez um reconhecimento semelhante. “Toda essa história sobre a ameaça do
extermínio foi totalmente planejada, e depois elaborada, a posteriori, para
justificar a anexação de novos territórios árabes”, afirmou Bentov em abril de
1971.
Mesmo o primeiro-ministro israelense Menachem Begin,
ex-terrorista e queridinho da extrema direita israelense, admitiu, em um
discurso em agosto de 1982, que “em junho de 1967, nós fizemos uma escolha. As
movimentações do exército egípcio ao abordar a península do Sinai não eram prova
de que Nasser realmente estava a ponto de nos atacar, precisamos ser honestos.
Nós decidimos atacá-lo. ”
As consequências desse ataque são sentidas no Oriente Médio
até os dias atuais. Poucos conflitos modernos tiveram impacto tão profundo e
duradouro quanto a Guerra dos Seis Dias. Como observa o acadêmico e ativista
norte-americano Thomas Reifer, a Guerra dos Seis Dias parecia o “golpe de morte
no nacionalismo pan-árabe, o surgimento do Islã político, de um nacionalismo
palestino independente” e “a emergência de Israel como um ‘ativo’ estratégico
dos Estados Unidos no coração do Oriente Médio, com os EUA enviando bilhões de
dólares a Israel, numa parceria sem precedentes na história mundial”.
Acima de tudo, a guerra, definida pelo London Daily
Telegraph, em 1967, como “um triunfo da civilização”, forçou 300 mil palestinos
a abandonar suas casas e inaugurou uma brutal ocupação militar para os milhões
de palestinos que lá ficaram.
A guerra pode ter durado apenas seis dias, mas a ocupação
que se seguiu ao conflito está entrando em sua sexta década. É a mais longa
ocupação militar no planeta. Os defensores de Israel negam que isso seja uma
ocupação: dizem que os Territórios Ocupados estão “em disputa” – uma afirmação
mentirosa, negada até mesmo pela Suprema Corte de Israel, que decidiu, em 2005,
que a Cisjordânia é “posse do Estado de Israel em uma ocupação beligerante”.
Cinquenta longos anos de ocupação; de desapropriação e
limpeza étnica; de demolições de casas e toques de recolher noturnos; de postos de controle, muros e pedidos de licenças.
Cinquenta anos de bombardeios e bloqueios; de ataques aéreos
e ataques noturnos; de “assassinatos específicos” de “escudos humanos“; e
crianças palestinas torturadas.
Cinquenta anos de discriminação racial e preconceito étnico;
de um sistema judicial desigual e de dois níveis – um para palestinos e outro
para israelenses; de tribunais militares e “detenção administrativa“.
Cinquenta anos de humilhação e submissão; de mulheres
palestinas grávidas que dão à luz nos postos de controle; dos pacientes de
câncer palestinos que não têm acesso à radioterapia; de jogadores de futebol
palestinos impedidos de jogar.
Cinquenta anos de negociações inúteis e planos de paz
fracassados: Allon, Rogers, Fahd, Fez, Reagan, Madrid, Oslo, Wye River, Camp David, Taba, Red Sea, Annapolis. O que, de fato, essas negociações conseguiram
para os palestinos em territórios ocupados? Nada, além de assentamentos,
assentamentos e mais assentamentos israelenses?
Veja só: em 1992, um ano antes do início do processo de paz
de Oslo, os assentamentos na Cisjordânia cobriam 77 quilômetros e abrigavam 248
mil colonos israelenses. Até 2016, esses assentamentos aumentaram para 197
quilômetros e o número de colonos que viviam neles, mais do que triplicou: eram
763 mil pessoas.
Esses assentamentos tornaram praticamente impossível a
famosa “solução de dois estados”. A Cisjordânia ocupada foi retalhada em uma
série de bantustões, separados entre si e do mundo. Os colonos não vão sair de
lá tão cedo. Eles são os “fatos” sobre os quais Israel argumenta. Ignorá-los é
ignorar o maior obstáculo para acabar com a ocupação. “É como você e eu
estivéssemos negociando sobre um pedaço de pizza”, explicou o advogado
palestino-americano e ex-conselheiro da OLP, Michael Tarazi, em 2004. “Quanto
da pizza vou receber? E quanto você vai obter? Mas enquanto estamos negociando,
você continua a comer a pizza”.
Não apenas a guerra de 1967 foi construída sobre uma
mentira; foi assim também com a ocupação que veio depois dela. A ocupação não
foi pensada como algo temporário, nem que os palestinos recuperariam suas
terras depois. Se Israel tivesse planos para se retirar dos Territórios
Ocupados, como sugerem alguns de seus apoiadores, então, por que o primeiro
assentamento na Cisjordânia, Kfar Etzion, estabelecido menos de quatro meses
após a Guerra dos Seis Dias, desafiando o “conselho ultrassecreto” do
conselheiro jurídico do Ministério das Relações Exteriores israelense de que o
“assentamento civil” nos Territórios violaria “as disposições explícitas na
Quarta Convenção de Genebra”?
Por que o Estado judeu passou as últimas cinco décadas
usando um processo de paz fantoche para engolir mais terras palestinas e criar
mais assentamentos ilegais? A verdade é que o Estado judeu, desde o início,
“usou as negociações como uma cortina de fumaça para ampliar seu projeto
colonial”, usando emprestada a expressão do militante e ativista palestino
preso Marwan Barghouti. Cinquenta anos depois, é hora das lideranças palestinas
e a comunidade internacional pararem de fingir o contrário.
O lendário general israelense e ministro da Defesa, Moshe
Dayan, um dos arquitetos da vitória de Israel em 1967 – e defensor ferrenho de
que o estado judeu deveria manter os territórios que havia conquistado, é quem
melhor resume a atitude cínica dos governos israelenses (sejam de esquerda ou
de direita) nas últimas cinco décadas. “As únicas negociações de paz”, declarou Dayan, quando questionado sobre a possibilidade de um acordo de paz com os
palestinos, em novembro de 1970, “são aqueles nas quais consolidamos os
territórios e, de tempos em tempos, vamos de novo para a guerra.”
Tradução: Charles Nisz
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