Lei contra infiltração prevê pena de 3 anos de prisão, sem
direito à julgamento, à todos os imigrantes que entrarem ilegalmente em Israel,
sem fazer distinção entre imigrantes ilegais e os refugiados. Está cada vez
mais claro que o modelo sionista prevê um Estado excludente e colonizador
"Vivendo sob as trevas do Holocausto e esperando ser
perdoados por tudo o que fazem em nome do que eles sofreram parece-me ser
abusivo. Eles não aprenderam nada com o sofrimento dos seus pais e avós."
José Saramago
Por Luciana Garcia de Oliveira*
Sob o prisma do “problema judeu” emergido desde os pogroms e
o antijudaísmo na Europa, há que se notar a terrível semelhança no tratamento
aos palestinos nos territórios ocupados e, mais atualmente, aos imigrantes
africanos em Israel, Estado criado em 1948, oficialmente como refúgio para os
judeus, vítimas das perseguições na Europa e na União Soviética e para os
sobreviventes do holocausto nazista.
Isso porque, no início de 2012, em mais uma decisão
arbitrária do parlamento israelense, foi aprovada uma lei, denominada de Lei
contra infiltração, que prevê pena de 3 anos de prisão, sem direito à
julgamento, à todos os imigrantes que entrarem ilegalmente no país, sem fazer
distinção entre imigrantes ilegais e os refugiados. Cabe ressaltar, no entanto,
que o Estado de Israel é membro signatário da Convenção das Nações Unidas sobre
o Estatuto dos Refugiados, por isso teria o dever de conceder asilo político a
esses imigrantes, uma vez que o status de refugiado é conferido a todo
imigrante que corre risco de vida ao regressar ao seu país de origem, como é
justamente o caso dos imigrantes advindos de países como a Eritréia e o Sudão,
com grande incidência de guerras civis, massacres e crimes de genocídio.
Esse dispositivo legal, foca especialmente os imigrantes
africanos de uma maneira geral, sobretudo os 157 africanos já reconhecidos pelo
Ministério do Interior como refugiados, que entraram no país por terra através
da fronteira Israel-Egito, pelo deserto do Sinai. Assim, para conter esse tipo
de “infiltração” as autoridades israelenses, começaram a construir, desde
janeiro, uma cerca ao longo da fronteira com o Egito. Além dessa medida, está
prevista a construção de um grande campo de detenção que será localizado no sul
do país, denominado Saharonim, com capacidade para 10 mil imigrantes e que
deverá abrigar inclusive crianças que entrarem de maneira irregular no país.
É estimado, no entanto, que esses imigrantes representam
cerca de 10% da população local de Tel Aviv, cujo total populacional gira em
torno de 400 mil habitantes. E, o desagrado da sociedade israelense com relação
aos imigrantes do Sudão e da Eritréia tem sido demonstrado muito além das medidas
judiciais. Foi em meados do mês de abril que foi registrada ocorrência de que
quatro casas e uma creche de refugiados africanos em Tel Aviv, haviam sido
alvos de bombas incendiárias, em um ataque atribuído a um grupo de extrema
direita, “Comitê contra infiltrados”, cuja bandeira é a defesa da qualidade de
vida dos moradores e contra a desvalorização dos imóveis quando há incidência
da presença dos refugiados nos espaços públicos como ruas, parques e praças de
determinados bairros da capital de Israel.
Mais pra frente, em maio, houve ocorrência de que centenas
de manifestantes israelenses atacaram covardemente alguns imigrantes africanos
e depredaram muitas lojas e veículos, após um comício organizado por moradores
de Tel Aviv contrários à presença dos africanos no país. O evento político
contou inclusive com a presença de alguns deputados do partido Likud e de
outros partidos de coalizão do governo. Segundo a jornalista Guila Flint, foi
durante esse evento que a deputada Miri Regev chamou os imigrantes africanos de
“câncer em nosso corpo”.
Ações violentas
Todas as ações violentas contra esses indivíduos foram
atribuídas ao governo de Israel, de acordo com as palavras de Sigal Rozen,
diretora da ONG Moked, instituição de defesa dos direitos humanos dos imigrantes
africanos. Segundo a ativista, citada no artigo Imigrantes africanos são
perseguidos por multidão e agredidos após comício em Tel Aviv, “os líderes do
governo, que chamam os refugiados de ‘infiltradores de trabalho’ e incitam os
moradores contra eles, são os responsáveis pela violência”. De acordo com as
palavras de Rozen, o primeiro ministro Benjamin Netanyahu teria alegado
publicamente que a “inundação” de imigrantes africanos em Israel representa uma
“ameaça à segurança e ao caráter judaico e democrático de Israel”.
Essas ações violentas geralmente correspondem à opinião de
grande parcela dos moradores da cidade, como a de Benny Shlomo, que na matéria
intitulada Presença crescente de imigrantes africanos gera polêmica em Israel,
afirmou que todos os imigrantes em situação irregular, sem exceção, deveriam
ser “imediatamente expulsos”, muito devidamente ao suposto aumento do índice de
criminalidade nos bairros onde há predomínio da presença desses imigrantes.
Nesse sentido, segundo o departamento de pesquisa do Parlamento israelense, foi
apontado que o índice médio de criminalidade entre o total de imigrantes em
situação irregular é de 2,04%, enquanto o índice na população geral é de 4,99%,
segundo a mesma matéria.
É demostrado, por sua vez que, o aumento da violência em
Israel está diretamente relacionado ao aumento do número de refugiados no país
nos últimos anos. Sobre isso, o comandante de polícia, Yohanan Danino defende
que, para conter o aumento da criminalidade entre os imigrantes africanos (ou pelo
menos evitar que a situação piore), é necessário que o Estado permita que eles
trabalhem para que possam se sustentar. Porém, o governo não lhes concedem
empregos formais.
Irmãos africanos e palestinos
A situação vivida pelos imigrantes africanos é muito
semelhante à situação de milhares de palestinos: em ambos os casos não são
concedidos status legal dentro de Israel. O que torna tanto os palestinos como
os africanos seres invisíveis e à mercê de quem quer explorá-los. A única
diferença, apontada no artigo Today Israel moved one step closer to nazi
Germany circa 1938, é que os africanos, particularmente, encontram-se dentro do
corpo político de Israel, enquanto os palestinos já foram afastados e excluídos
da política sionista.
Entre as muitas causas alegadas para a discriminação dos
palestinos e dos demais estrangeiros (não-judeus) em Israel, atribui-se a
“ameaça demográfica” um destaque especial, uma vez que a defesa do caráter
judaico- sionista de Israel é consenso entre todos os sionistas. Diante desse
modelo de “Estado judeu democrático”, é sumariamente defendido que algumas
medidas drásticas devem ser tomadas contra os imigrantes, sobretudo os da
África e os palestinos, ao contrário, haverá uma redução considerável da
população judaica nas próximas décadas.
Esse tipo de ameaça pôde ser comprovada, muito recentemente,
em um programa de rádio em Israel, a qual o Ministro do Interior, de maneira
bastante alarmista, afirmou: “Eu quero que todos sejam capazes de andar pelas
ruas sem medo ou receio ... Os imigrantes estão prestes à dar à luz à cetenas
de milhares, e o sonho sionista esta morrendo”.
Ainda, durante toda a onda de violência física e verbal
contra os refugiados africanos em Israel, muitos judeus etíopes têm sofrido, da
mesma forma, com o racismo contra os negros, desde o ano passado, quando houve
uma grande incidência de manifestações de rua por parte da comunidade etíope,
após algumas escolas se recusarem a matricular alunos etíopes e alguns
condomínios proibirem o aluguel de apartamentos aos membros dessa comunidade.
Foram, inclusive, durante as perseguições aos africanos
nesse ano que um advogado etíope teve a iniciativa de confeccionar algumas
camisetas com os seguintes dizeres: “cuidado, não sou infiltrado africano”, com
a estrela de Davi estampada em fundo amarelo. O que, por outro lado, desagradou
muitos ativistas etíopes, sobretudo os integrantes do grupo Young Ethiopian
Students (YES), os quais discordaram veementemente desse gesto, sob a alegação
de que o slogan da camiseta passa a mensagem de que os judeus etíopes querem se
diferenciar dos demais imigrantes africanos. O que, de certa forma, poderia
legitimar todas as agressões cometidas.
De fato, todas essas ações e discursos discriminatórios e
racistas são ainda mais assustadores quando advindos por parte daqueles que,
como Hannah Arendt, já foram perseguidos no passado. E, justamente essa
passagem trágica do passado judaico, fomentou muitas manifestações em Israel
sob o slogans “We are all refugees” (“nós somos todos refugiados”), numa clara
alusão ao passado e ao reconhecimento sincero do sofrimento dos imigrantes
africanos.
A contradição
Ao reafirmar-se como “Estado judeu democrático, Israel
torna-se uma contradição. Por um lado, serviu desde antes de sua proclamação
como um “lar nacional para o povo judeu” (descrito na declaração Balfour), por
outro lado, um grupo extremista endossado por muitos cidadãos israelenses,
exercem contra os palestinos e, mais recentemente contra os refugiados
africanos, tudo o que foram submetidos no passado. Toda brutalidade cometida
contra os não-judeus em Israel, nos revela que Israel não pode ser considerado
um Estado Democrático. Ao contrário, é cada vez mais claro que o modelo
sionista prevê um Estado excludente e colonizador, que não respeita os seus
vizinhos, muito menos sua própria população que, cada vez mais, é confundida
com a imagem truculenta e negativa de seus governantes e de seu exército.
Assim, de acordo com o seguinte adágio “Deus nos concedeu a
memória, mas também o esquecimento”, é possível concluir que, para esquecer, é
preciso lembrar. O que torna toda a tragédia, exílio e totalitarismo do passado
bastante presente na história de Israel.
* Luciana Garcia de Oliveira– Pós-graduanda em Política e Relações Internacionais pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESP).
REFERÊNCIAS:
ARENDT,
Hannah. We refugees. The memorah journal, 1943.
CANNING,
Paul. “Pogrom” on africans refugees in Tel Aviv.