Wikileaks: Israel trabalha para estrangular Gaza, mostram
telegramas. Arquivos fazem parte de uma série de documentos vazados pelo site
dirigido por Julian Assange sobre o conflito entre Israel e Palestina.
“Autoridades israelenses confirmaram diversas vezes aos
funcionários da Embaixada (dos EUA) que a intenção do governo de Israel é
manter a economia de Gaza funcionando em nível precário, pouco acima de uma
crise humanitária”. Este é o primeiro parágrafo de um telegrama enviado pelaEmbaixada dos EUA em Tel Aviv para Washington em 3 de novembro de 2008, vazado
pelo site Wikileaks nesta segunda-feira, 4 de agosto.
O telegrama faz parte de uma série de documentos vazados
pelo site dirigido pelo australiano Julian Assange sobre o conflito entre
Israel e Palestina. Dentre os assuntos abordados na correspondência da
Embaixada em Tel Aviv estão a criação do Hamas, o uso de palestinos como
escudos humanos pelas Forças de Defesa israelenses, o ataque deliberado a alvos
civis em Gaza, o bombardeio de hospitais e o corte de suprimento de remédios
aos habitantes de Gaza.
De acordo com o documento, o Conselho de Segurança Nacional
de Israel controla a quantidade de dinheiro a ser liberada mensalmente para a
Autoridade Palestina. O governo da Autoridade Palestina requisitava cerca de
US$ 30 milhões ao mês no ano de 2009 como piso básico de transferência, de modo
a garantir os serviços básicos para a população palestina – 4 milhões de
pessoas. A ideia era a de manter serviços essenciais, mas sem o estabelecimento
de comércio e negócios em Gaza.
Autoridade Palestina x Hamas
No telegrama, a embaixada sugere ao governo do EUA o
encorajamento das relações entre Israel e a Autoridade Palestina. Para os
diplomatas, uma economia e um sistema bancário frágeis seriam adequados aos
radicais do Hamas. No entanto, o governo israelense prefere repassar menos
dinheiro aos palestinos de modo que o Hamas não tenha acesso à moeda israelense
e que a população de Gaza não tenha benefícios econômicos, mesmo ao custo do
fortalecimento do Hamas.
Em outro telegrama, datado de 23 de setembro de 1988, um
diplomata americano fala sobre a visão política dos habitantes da Cisjordânia:
“Muitos habitantes da Cisjordânia acreditam que Israel apoiou nos bastidores a
criação do Hamas, ainda na década de 1980. O objetivo era dividir politicamente
os palestinos. Philip Wilcox, responsável pelo consulado em Jerusalém,
afirmava: “Não há apoio concreto, mas Israel faz vista grossa às atividades do
Hamas”.
A estratégia israelense, segundo os documentos, era
enfraquecer os partidos palestinos seculares, mostra um telegrama de 29 desetembro de 1989. Com a ascensão do Hamas, mais radical e de orientação sunita,
haveria menos espaço para entidades como a Organização para a Libertação da
Palestina, órgão liderado por Yasser Arafat no passado, e atualmente do Fatah e
da Autoridade Palestina. Sem a atuação de partidos moderados, Israel não
precisaria negociar com os palestinos.
Suprimento alimentar
Além da força militar, o bloqueio israelense a Gaza limita o
acesso a gêneros alimentícios, combustíveis e remédios ao território palestino.
Com isso, a infraestrutura local opera no limite, informa um telegrama enviadoem 18 de setembro de 2009. A falta de remédios compromete o setor de saúde em
Gaza e a estrutura elétrica e de saneamento no fim de 2009 regrediu ao mesmo
nível no qual estava em 2008.
Para se ter ideia, o suprimento alimentar na região em
agosto de 2009 era de 2.600 caminhões. Isso representava 20% do total de
alimentos que entravam em Gaza em junho de 2007. O ingresso de combustível era
capaz de prover apenas dois terços da usina elétrica local. Para iluminar Gaza,
os palestinos usavam petróleo egípcio, trazido através dos túneis na fronteira
com custo de US$ 0,60 por litro. Já o petróleo israelense custa US$ 1,80 por
litro.
O abastecimento de água e o saneamento também eram
precários: cerca de 10 mil habitantes de Gaza não tem acesso à agua. Outros 60%
da população não têm acesso diário, com fornecimento intermitente. Apenas 10%
dos 1,8 milhões de habitantes em Gaza tem água de acordo com os padrões
estabelecidos pela Organização Mundial de Saúde. Quando não são atacados
militarmente, os palestinos estão sem água, sem luz e com fome: são
economicamente estrangulados por Israel.
Instalações da ONU e alvos civis
Já um outro telegrama confidencial, despachado em 7 de maiode 2009, fala sobre uma carta enviada por Ban Ki-moon, secretário-geral das
Nações Unidas, confirmando ataques das forças israelenses às instalações da ONU
em Gaza. “Sete dos nove ataques contra nossas instalações em Gaza foram feitas
pelo Exército de Israel, violando as instalações da ONU. As forças de Israel
não tiveram precaução de proteger a ONU, nem os civis refugiados nesses
locais”. Esses ataques custaram US$ 11 milhões aos cofres das Nações Unidas.
Israel, conforme mostra um documento secreto de 30 de julhode 2009, usou palestinos como escudos humanos. A prática ocorreu na Operação
Chumbo Fundido, uma ofensiva contra Gaza entre dezembro de 2008 e janeiro de
2009. Além disso, o Exército israelense usou bombas de fósforo branco contra
uma população civil. Essas atitudes culminaram com a criação de uma entidade
chamada “Quebrando o silêncio”.
Por meio dessa entidade, foram coletados os testemunhos
anônimos de 26 soldados envolvidos na Operação Chumbo Fundido. Os depoimentos
confirmaram o uso desproporcional de força militar, causando mortes e prejuízos
econômicos desnecessários para a população de Gaza. Outros documentos mostram
como esse incidente não foi um fato isolado.
Ataque como política deliberada
Uma comunicação de 15 de outubro de 2008 mostra como o
ataque a áreas civis era uma política deliberada de Israel. O documento faz
referência à Doutrina Dahiya – assim batizada pelo general Gadi Eizenkot por
conta do bairro de Beirute bombardeado durante a segunda guerra do Líbano em
2006. Na ocasião, Israel atacou a capital libanesa, destruindo a infraestrutura
urbana e causando problemas para a população civil.
Nas palavras de Eizenkot, “Israel vai usar força militar
desproporcional contra qualquer vila que ataque forças israelenses, causando
grande destruição”. O general foi específico: não é apenas recomendação, mas um
plano aprovado pelo governo de Tel Aviv – na perspectiva de Israel, não são
apenas povoados, mas bases militares dos palestinos”. Para Eizenkot, a segunda
guerra do Líbano se estendeu demais: “um outro conflito deverá ser resolvido de
forma rápida e com vigor”.
Charles Nisz, Opera Mundi
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