domingo, 28 de junho de 2015

Palestino toca piano rodeado pelos escombros e mortes no Yarmouk



'Quero trazer de volta o movimento das ruas', diz palestino que toca piano para refugiados na Síria


Janaina Cesar | Veneza - 28/06/2015 - Opera Mundi


Jovem Aeham Ahmad, que teve de deixar o conservatório após a eclosão da guerra civil* síria, anda com seu piano pelas ruas do campo de refugiados de Yarmouk

Todos os dias Aeham Ahmad, um jovem palestino de 27 anos, leva seu velho piano para as ruas do campo de refugiados de Yarmouk, em Damasco, e, em meio aos escombros do que ainda resta da cidade síria, toca canções para “lembrar as pessoas que ainda existe beleza no mundo, mesmo em meio a tanta dor e sofrimento”. Acompanhado pela orquestra de amigos The Youth Troupe Yarmouk, ou por um coro infantil, Ahmad quer novamente dar esperança aos que vivem no campo como ele.

   Reprodução
Aeham Ahmad toca piano nos escombros de Yarmouk
O palestino Aeham Ahmad, 27, vive na Síria; após a eclosão da guerra civil, teve que abandonar o conservatório onde estudava música


A música sempre esteve presente em sua vida. Filho de um tocador de acordeon, cresceu em meio a instrumentos musicais. Formado em piano clássico, entrou no curso de educação artística, do Conservatório de Damasco, mas com a guerra que minou o país, teve que interromper os estudos. “Deixei o conservatório por causa desse conflito, mas não sai daqui”, diz, em entrevista via internet a Opera Mundi, que o contatou através de sua página no Facebook. Ele conta que começou a tocar pelas ruas porque o campo foi invadido por um silêncio estarrecedor. “De repente, todos as pessoas que eu conhecia não estavam mais lá, fugiram ou morreram. Os ruídos, as risadas e os sons que ocupavam as estradas desapareceram. Comecei a tocar piano para trazer de volta o movimento das ruas, porque não conseguia manter a calma e percebi que só a música me tranquilizava”.

No início no conflito, Ahmad se isolou da música e vendeu falafel por seis meses, mas percebeu que deveria fazer algo. Pegou o velho piano, o fixou em um carrinho de entregas de um tio e começou a tocar entre as ruas deprimentes do campo. Se apropriou da música como forma de resistência à guerra e enfrentou de peito aberto tanto as correntes proibicionistas do islã que veem na música o pecado, quanto os milicianos que o ameaçaram. “Disseram que quebrariam os ossos das minhas mãos caso continuasse tocando, ai eu tocava somente pela manhã, enquanto eles dormiam. Me certifico que a rua esteja livre antes de sair com o piano", relata.
Com uma trilha sonora inspiradora, toca desde jazz árabe a músicas da resistência palestina e síria, além de ser autor de canções próprias, como Não lembro o meu nome. [assista abaixo]





O campo de Yarmouk


O jovem palestino vive com sua família em Yarmouk: o pai cego e doente, a mulher e o filho. Ahmad conta que apesar do garoto ter dois anos, não diz uma palavra, a não ser 'bum bum bum'. “Ele não entende o que acontece no campo e é aterrorizado pelos sons das bombas. Tem medo de tudo, principalmente de aviões, e se esconde entre as pernas de minha mulher ou embaixo das cobertas”.

Yarmouk é o maior campo de refugiados palestinos na Síria. Localizado a cerca de 8 quilômetros do centro de Damasco, se transformou, ao longo dos anos, em um destino para a diáspora palestina, chegando a abrigar cerca de 150 mil pessoas. A partir de 2011, com o início da guerra civil na Síria, esse número foi diminuindo até chegar aos atuais 18 mil. Segundo as Nações Unidas, hoje o campo vive em escassez constante de alimentos, remédios e outras necessidades básicas; a ONU definiu Yarmouk como uma "cidade fantasma" onde "a devastação é inacreditável e não há um edifício habitável".

Ahmad, assim como seu filho, nasceu no campo. Seus antepassados chegaram lá em 1948 em virtude da hospitalidade que o povo sírio oferecia. Hoje a realidade é outra. Após três anos de guerra e destruição, a vida ficou extremamente difícil; falta tudo: água, luz, comida, roupas, cobertas, etc. “ O inverno é muito rígido e sem poder se cobrir as pessoas acabam morrendo de frio, além de fome e sede. Outro problema é o estado psicológico das pessoas, que vem se deteriorando rapidamente”, diz ele.

A violência do conflito sírio é causada por vários grupos armados. O país está dividido: uma parte está nas mãos do Exército de Bashar Al Assad, outra nas mãos do Estado Islâmico e uma outra ainda nas mãos dos opositores do Exército Sírio Livre, que lutam para derrubar o governo Assad. “Há mortes sistemáticas de civis em todas as partes”, relata o pianista. Escapar da violência não é possível. Fugir de Yarmouk é muito arriscado, pois o campo é isolado e sitiado por opositores e pelo Exército sírio. “Eu quero sair deste lugar, mas não posso. Existem obstáculos. Aqui escolhemos entre a morte ou a pena de morte. Então procuro contribuir para melhorar as condições de sobrevivência no campo”, diz.


     Reprodução/UNRWA
Refugiados palestinos fazem fila para recebr comida no Yarmouk
Fila para receber comida de entidades de assistência humanitária no campo de refugiados de Yarmouk


Sonhos

Mesmo vivendo entre escombros, o jovem palestino nunca deixou de sonhar. “Quando a guerra acabar, gostaria de abrir uma escola de música para as crianças de Yarmouk, onde também possa ensinar mensagens de paz, de esperança e não de ódio”. Sua história poderia ser confundida com a de Wladyslaw Szpilman, o pianista judeu polonês que sobreviveu ao gueto de Varsóvia durante a Segunda Guerra Mundial e cuja biografia inspirou o cineasta Roman Polanski a produzir o filme O Pianista, em 2002. Ahmad viu o filme, mas não poderia imaginar que faria a mesma vida de Szpilman. Ainda que sonhando ele mantém os pés no chão porque sabe que a guerra e sua carga de morte (falta de alimentos, remédios e bens primários), em Damasco, não dão trégua.

A história de resistência da Ahmad chegou à Bienal de Artes de Veneza deste ano. A mostra “The Bridges of Graffiti”, um dos eventos colaterais da 56° edição, juntou dez nomes da arte de rua. Eron, um dos artistas, dedicou sua intervenção ao pianista de Yarmouk. Em um grande muro são projetadas imagens de Ahmad tocando seu piano que são sobrepostas à escrita “The World’s Future”.

Assista a outro vídeo do pianista palestino Ahmad:




* Nota do Blog: o governo sírio contesta que a guerra seja de natureza civil:





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sábado, 27 de junho de 2015

Por que Israel declarou 18 vacas leiteiras um risco de segurança nacional

PRI's The World - By Carol Hills

Tradução do Blog SANAÚD - VOLTAREMOS


As 18 vacas leitieras declaras risco de segurança para Israel
A produção The Wanted 18 usa de técnicas de animação, juntamente com desenhos, pessoas reais, atores e imagens de arquivo. Aqui, um palestino fazendeiro olha para as vacas com a bandeira palestina.  Em 1987, ativistas na cidade Cisjordânia de Beit Sahour compraram as vacas de um pacifista israelense para tentar criar sua própria fonte de leite em vez de depender  de uma  leiteria israelense.       Crédito:  Courtesy of Intuitive Pictures

As vacas são muitas coisas, mas raramente elas têm sido considerados uma ameaça à segurança nacional. Isso é exatamente o que aconteceu com um grupo de 18 vacas em uma cidade da Cisjordânia em 1987.

Foi durante a primeira Intifada, quando os moradores de Beit Sahour, perto de Belém, queriam boicotar produtos israelenses. Eles compraram 18 vacas de um pacifista israelense para criar sua própria fonte de leite. Era tanto um ato de desobediência civil e um pequeno passo em direção à independência. "Eles sentiram que eles não podem decidir o seu futuro, a menos que eles possam controlar a sua economia e os alimentos básicos", diz Amer Shomali, um artista palestino e co-diretor de "As 18 procuradas", um título que se refere às vacas. A família de Shomali é de Beit Sahour e ele aprendeu sobre as vacas em uma história em quadrinhos que circulavam em seu campo de refugiados na Síria no início de 1990.

Amer Shomali diz que começar um laticínio foi um passo ousado para os palestinos. "As vacas não fazem parte da nossa cultura. Somos agricultores, talvez ovelhas e cabras, mas as vacas eram algo mais complicado para nós." E agricultura em geral não era o que os adultos em Beit Sahour tinham conhecimento prático. "O engraçado é que nenhum deles tinha visto uma vaca antes. Todos eles eram intelectuais, médicos, farmacêuticos. Eles nunca viram uma vaca antes."

Uma foto de 1987, protestos em Beit Sahaur. A cidade foi um centro de resistência não-violenta à ocupação israelense, no início da primeira Intifada. Crédito: Cortesia de Intuitive Pictures

Dentro de seis meses, a cidade inteira aderiu ao laticínio local para beber do seu leite, apelidado de "Leite Intifada."  Os leiteiros entregavam o produto a noite para que os soldados israelenses não pudessem vê-los. Um dia, um soldado israelense veio à fazenda, tirou fotos das vacas. Disse aos palestinos que eles não foram autorizados a ter as vacas e deu-lhes 24 horas para encerrar as atividades. Ele disse que as vacas eram uma ameaça à segurança nacional de Israel. Amer Shomali acha que sabe o motivo.

"Para os palestinos, isso significava um passo mais perto de ser livre, de poder decidir o seu futuro, a ser independente. Basicamente era isso que era a ameaça de segurança para Israel Não é a própria vaca, é o que a vaca representa: um passo em direção à independência. "

Os ativistas de Beit Sahour começaram a mover as vacas de um lugar para outro. Amer Shomali diz que não foi fácil. "É muito difícil esconder uma vaca." Todo o subterfúgio teve seus efeitos sobre as vacas. "Vacas, honestamente, não são animais feitos para estar na linha de frente, as vacas começaram a ficar cansados e a produção de leite começou a diminuir.”

"As 18 procuradas" é um documentário multi-mídia. Ele usa imagens de arquivo, stills, atores, recriações, cabeças de fala, desenhos e claymation para contar a história das vacas e outros atos de desobediência civil em Beit Sahour no final de 1980. Shomali diz, logo no início, a idéia era fazer com que as vacas fossem os personagens principais no filme. "Quisemos contar a história através dos olhos das vacas. Basicamente, qualquer audiência em todo o mundo pode se relacionar com a vaca. Elas são bonitas. Ells têm os olhos bonitos. Eu sempre digo, é mais fácil para o público ocidental  simpatizar com a vaca ao invés de um palestino. "

Shomali quis falar diretamente com as vacas, mas não deu muito certo. "Basicamente, eu tentei convencer essas vacas para fazer isso. Elas se recusaram. Elas não paravam de dizer 'moo'. Por isso, tentamos vacas em representação animada."

As vacas representam personagens no filme. Rivka é um pacifista. Ruth, o líder do rebanho, não gosta do palestinos. A piada típica: "Eles não querem trabalhar. Palestinos preferem motim do que trabalho." Lola é a sexy e uma grande fã de Madonna. Goldie é jovem e ingênua. "Mesmo metaforicamente, se você se lembrar de George Orwell   'Fazenda de animais'  é uma forma interessante de contar esse tipo de história complicada, o conflito palestino-israelense, através de animais. Acho que as pessoas se cansaram depois de 60 anos com todos os filmes e relatórios sobre Palestina. Agora é hora de encontrar uma nova maneira de abordá-los. "

Shomalis diz que há um lado político em se usar multimídia para fazer o filme: a falta de imagens de arquivo. "A maior parte das filmagens da época vieram de agências de notícias e eles filmavam os palestinos como vítimas ou como terroristas."  Shomali diz que nenhuma das câmeras de televisão naquela época estavam filmando digamos, um palestino ensinando seus filhos em casa porque as escolas foram fechadas, ou um palestino ordenhar sua vaca ou um palestino plantando no seu quintal.

"Queríamos retratar os palestinos fazendo essas atividades não-violentas, que não estavam no material de arquivo. Então, basicamente, nós levamos a animação como uma ferramenta para recriar um arquivo de imagens alternativas como se tivéssemos a chance de nos representar na época."

Amer Shomali, co-diretor e artista visual do "The Wanted 18"
Crédito: Cortesia de Intuitive Pictures


Shomali diz que ele foi atraído para a história de Beit Sahour e as vacas porque mostra um ato importante de resistência, bem como o custo econômico para os palestinos que vivem sob a ocupação de Israel


"Hoje em dia somos surpreendidos em uma matriz em que não podemos decidir nada. Nós não estão autorizados a cavar água sob cidades palestinas. Nós temos que comprá-lo de uma empresa israelense. É bastante estranho, a maneira que nós estamos vivendo. Nós não controlamos as fronteiras, nós não controlamos a água, nós não controlamos a eletricidade, não podemos importar coisas. Nós não podemos exportar material. É como uma grande prisão. " Shomali diz que não podem mesmo ter o serviço de celular 3G, porque Israel não concede permissão para a Autoridade Palestina

"As 18 procuradas" estreou em Nova York em 13 de junho, mas Shomali não foi capaz de ir. Solicitou um visto americano no dia 4 de Junho, em Jerusalém. "É apenas a 25 minutos de distância da minha casa, mas você precisa de uma autorização israelense para atravessar o posto de controle.”  Ele se candidatou para a visto, mas os israelenses rejeitaram por motivos de segurança." É muito engraçado. Depois de 30 anos, estamos mostrando  um filme sobre vacas sendo uma ameaça à segurança. Agora, o cineasta é uma ameaça a segurança. "




Saiba mais sobre o filme: Just Vision 



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