Depois de uma greve de fome, prisioneiros políticos
palestinos obtiveram um acordo que estipula o fim do isolamento, a limitação
das detenções administrativas e direitos de visita às famílias. Porém, O
sistema carceráro israelense permanece um instrumento essencial de controle dos
territórios ocupados e da população
(Defensores da prisioneira Hana Shalabi exibem seu retrato em protesto diante da Cruz Vermelha em Jerusalém Ocidental) |
por Stéphanie Latte Abdallah
Os palestinos falam em “prisioneiros de guerra” (asra) ou
prisioneiros políticos; por outro lado, os que trabalham nas prisões
israelenses evocam a expressão “detentos por segurança”, qualificação que não
corresponde a nenhuma realidade legal e que depende de decisões do Exército,
dos serviços de informação (Shin Beth) e da administração penitenciária. Essa
categoria é reservada aos palestinos, tenham ou não cidadania israelense. Mais
duras que as destinadas a outros presos, as condições de interrogatório, o
acesso a um advogado e o tipo de detenção são constantemente reavaliados em
função da situação política e de segurança. As penas são pesadas: condenações
perpétuas segundo o número de mortes israelenses causadas direta ou
indiretamente; e ausência quase completa de qualquer flexibilidade ou
reavaliação da pena.
O sistema carcerário
destinado aos palestinos não foi elaborado somente como forma de sanção para os
delitos demonstrados e provados: ligado ao sistema judiciário militar, tem sido
um dos modos de governar a população. Assim, desde 1967, cerca de 40% dos homens
passaram pelas prisões israelenses. Após a assinatura dos acordos de Oslo, em
1993, a maior parte dos prisioneiros foi libertada. A partir de setembro de
2000 e da Segunda Intifada, as detenções tornaram-se maciças e a população
carcerária chegou a 8 mil detentos em meados da década de 2000. Em 30 de março
de 2012, pouco depois da libertação de 1.027 palestinos em troca do soldado
israelense Gilad Shalit, no fim de 2011, os presos somavam 4.386.1
A partir de 2002, com
os bloqueios, as incursões regulares do Exército e os assassinatos
premeditados, essas prisões permitiram a gestão a distância dos territórios
palestinos. A Cisjordânia foi recortada em centenas de enclaves monitorados por
um sistema de pontos de controle fixos e móveis ao redor das cidades e
vilarejos palestinos.
Esse véu carcerário
constitui o dispositivo mais importante de reconhecimento e controle da
população ocupada, que, regido pela justiça militar, funciona por meio dos
serviços de informação. Esse sistema repousa sobre um regime de provas baseado
nos próprios interesses de Israel ou de terceiros. As confissões que os
interrogatórios querem obter a qualquer preço justificaram a utilização de
pressões físicas e psicológicas intensas similares à tortura – incentivadas
pelo relatório Landau de 1987 −2 até que uma decisão da Suprema Corte
israelense colocou um limite em 1999.
As confissões,
contudo, permanecem essenciais na medida em que 95% dos processos não avançam:
os casos se ajustam por uma negociação da pena entre advogados e juízes, o que
requer primeiramente a confissão do acusado. As autoridades judiciárias
militares impulsionam essas negociações para evitar os processos, e aqueles que
se recusam a aceitar essas condições são condenados de forma ainda mais pesada
após procedimentos intermináveis. A quase totalidade dos detentos é declarada
culpada,3 o que justifica aos olhos da opinião pública israelense e
internacional as prisões em massa e as modalidades – contestáveis – do
funcionamento dessa justiça militar.
Em 2008, após três
anos na prisão, o franco-palestino Salah Hamuri foi declarado culpado pela bala
que matou o dirigente do partido ultraortodoxo Shas Ovadia Yussef e foi
condenado a sete anos de prisão depois da negociação: ele confessou sua
atividade militante na juventude da Frente Popular pela Libertação da Palestina
(FPLP). Após o julgamento, as autoridades francesas, invocando o respeito da
decisão da justiça local, não voltaram a se mobilizar pelo tema.
Os delitos
qualificados como “de segurança”, definidos pelo Exército como “atividade
terrorista hostil”, representavam 47% das acusações em 2007. Contudo, a maior
parte não correspondia a atos que resultaram em mortes nem a preparativos de
atentados, mas simplesmente ao fato de o detento ter algum vínculo com uma
“organização ilegal”.4 A classificação abrange todos os partidos políticos
palestinos e uma série de associações e ONGs, e a lista não para de crescer. No
rol ainda figura o Fatah − autor dos acordos de Oslo, ocasião em que se
reconheceu a nação israelense em suas fronteiras pré-1967 −, declarado
“organização terrorista” em 1986. Atualmente, mesmo os militantes engajados em
mobilizações pacíficas de comitês de resistência popular (de localidades como
Nailin, Beilin, Nabi Saleh etc.) são frequentemente detidos.
218 menores na prisão
Esse sistema permite
prender quase todo mundo, homens e mulheres, a partir dos 12 anos. Os menores
ficam sob a guarda da justiça militar e podem ser transferidos às mesmas
prisões dos adultos a partir dos 16 anos, e não aos 18, como estipulam a
Constituição civil israelense e o direito internacional. Essa especificidade da
justiça militar começou a ser questionada no fim de 2011. Em 1º de maio de
2012, 218 menores foram presos, dos quais 33 com idade inferior a 16 anos.5
Real e virtual, o véu
carcerário desconstrói qualquer temporalidade. Os palestinos podem ser presos
por qualquer ato e por seus laços familiares, sociais e políticos atuais,
passados e até mesmo futuros. As disposições da prisão administrativa autorizam
que uma pessoa seja mantida detida por seis meses, renováveis por várias vezes,
com a discrição do Shin Beth, sem que nenhuma acusação formal seja necessária;
no início de maio de 2012, 308 pessoas estavam nessas condições. Outros podem
permanecer presos inclusive após a própria morte, em necrotérios ou cemitérios
com esse fim. Para essas prisões contínuas, os serviços de informação recrutam
colaboradores, infiltram-se na sociedade, negociam serviços e alimentam uma
rede de informação considerável sobre a vida política, social e cotidiana dos
palestinos. Após os acordos de Oslo, as prisões, antes em territórios ocupados,
foram transferidas para Israel. A esse deslocamento, soma-se, desde 2003, a
integração dessas casas de detenção ao sistema carcerário civil israelense, sob
a autoridade unicamente do Shabas – órgão administrador do sistema
penitenciário israelense. Essas mudanças contribuem para a diluição das
fronteiras entre Israel e os territórios palestinos, perenizam a ocupação
militar ao normalizá-la em suas instituições e a tornam invisível. Ademais,
negligenciam a IV Convenção de Genebra, segundo a qual as populações ocupadas
devem ser detidas em seu próprio território. O ministro palestino dos
prisioneiros pretende levar às instâncias internacionais essa questão do
estatuto jurídico até agora indeterminada para os prisioneiros palestinos.
A passagem das
prisões militares à tutela do Serviço de Prisões foi justificada pela
possibilidade de redução dos custos da política carcerária como um todo em função
das competências profissionais do Shabas e por motivos humanitários, como a
melhoria das condições de detenção. Os serviços de informação, contudo,
desempenharam um papel essencial nessa decisão. Membros de direito do conselho
de administração do Shabas, eles participam atualmente das decisões e
contribuíram muito para a nova administração carcerária inaugurada em 2003.
A diminuição dos
custos de detenção foi facilitada pela Autoridade Palestina: com a retomada das
detenções em massa, o papel do Ministério dos Prisioneiros de Guerra e
Ex-Detentos, criado em 1998, cresceu, assim como seu investimento financeiro. A
Autoridade Palestina transfere por mês entre 20 e 25 milhões de shekels (R$
10,5 milhões e R$ 13 milhões) a Israel, participando, com seus financiadores
europeus e internacionais, dos custos de detenção. O ministério oferece
assistência jurídica e paga a quantia destinada às compras na loja da prisão.
Em agosto de 2004, o
Shabas reduziu consideravelmente a quantidade de alimentos e os produtos de
primeira necessidade fornecidos aos detentos (detergentes, sabão, uniformes,
sapatos etc.). As compras cotidianas na loja da prisão – cujas tarifas
aumentaram desde sua privatização – tornaram-se, portanto, necessárias. A
Autoridade Palestina também deposita uma quantia por mês a todos os detentos
“de segurança”, palestinos ou árabes. Nos casos que correspondem, também
financia seus estudos na Universidade Aberta de Tel-Aviv, a única autorizada
pelo Shabas, que é privada e com cursos em hebraico.
Desde 2011, entre as
medidas repressivas tomadas em função da manutenção em cativeiro do soldado
Shalit, suspenderam-se os estudos superiores e a possibilidade de completar o
ensino médio, assim como a disposição de livros e materiais para escrever. Além
disso, recentemente, o Shabas instaurou em suas punições habituais (solitária,
isolamento prolongado às vezes de anos, privação de visitas etc.) um sistema de
multas (400 shekels, ou R$ 210) por qualquer infração às regras internas da
prisão. As sanções financeiras se tornaram sistemáticas nos últimos anos, e
para impedir a continuidade dessa inflação carcerária a Autoridade Palestina
limitou seu apoio a 4 mil shekels por prisioneiro para afiançar as multas dos
tribunais.
As autoridades
penitenciárias trataram de agudizar a cisão ocorrida entre o Hamas e o Fatah em
2007. Os prisioneiros foram acomodados em diferentes alas, divididos em
afiliados aos partidos religiosos (Hamas e Jihad islâmica) e membros de
partidos políticos (Fatah, FPLP, Frente Democrática pela Libertação da
Palestina e comunistas).
Os prisioneiros
também foram separados em função de sua cidadania e posição social, seguindo as
mesmas linhas de fragmentação e isolamento em vigor nos territórios ocupados,
em um paralelo cada vez mais marcado pelo dentro e fora. Os palestinos ditos
“de 1948” – cidadãos de Israel e de Jerusalém Leste – foram tratados da mesma
forma e em geral isolados dos outros prisioneiros, medida acorde à perspectiva
israelense de incorporação total da Cidade Santa. Considerados prisioneiros “de
segurança”, são, pela condição de “inimigos do interior”, condenados de forma
mais pesada que os palestinos dos territórios. É por essa razão que, no fim de
2011, a libertação excepcional de 48 cidadãos de Jerusalém e sete palestinos
“de 1948” foi interpretada como uma das vitórias do Hamas nesse acordo.
Segundo o testemunho
de Walid Dacca, encarcerado há vinte anos6 em distintos estabelecimentos, o
Shabas multiplicou as separações em função de distinções geográficas ou mesmo
familiares: os residentes de cidades foram afastados dos residentes de campos e
vilarejos; os originários de Ramallah foram distinguidos dos de Nablus, Jenine
ou Hebron.
Individualismo e
passividade
O deslocamento das
prisões para Israel restringiu as visitas familiares (limitadas desde 1996
apenas aos parentes de primeiro grau: pais, filhos, irmãs e irmãos), que
necessitam, agora, de permissão para entrar no território israelense, em geral
recusada por motivos de “segurança” ou contestação dos laços de parentesco. São
principalmente mulheres que visitam os detentos, ou filhos sozinhos, sem
acompanhantes. Desde 2004, a regra determina que não haja contato físico nas
visitas, à exceção dos menores de 6 anos, que podem ter contato com os presos.
Em geral, as conversas se desenrolam através de um vidro e por intermédio de um
telefone.
Esses mecanismos de
isolamento crescente se apoiam, igualmente, em uma lógica neoliberal de
promoção material dos prisioneiros destinada a incentivar o individualismo e a
passividade. Em algumas prisões, as condições antes deploráveis mudaram
radicalmente com a integração ao Shabas e a reforma ou construção de novos
prédios: em Ofer, Ksiot ou Hadarim, há uma nova ala de estilo norte-americano
equipada com todo conforto, cozinha, máquina de lavar roupa. As novas
tecnologias tornam mais visíveis o controle e a privação de liberdade − os
próprios detentos fecham suas portas antes que o guarda acione o sistema
centralizado de trancamento de uma centena de células; outros vivem em um
espaço “independente” sem ver os vigilantes, dedicados “livremente” às suas
ocupações. Essa normalização pelo conforto material visa sobretudo – mas não
somente – às figuras proeminentes da prisão, gerando uma desigualdade no
tratamento que se torna fator ativo na desassociação entre os presos.
Essa política
pretende favorecer a solidão dos encarcerados. O esporte e os divertimentos
televisivos foram substituídos por atividades de formação política e cultural
ou pela leitura – espaços que até então vêm sendo o eixo da socialização dos
prisioneiros.
A banalidade da
experiência carcerária e as idas e vindas entre fora e dentro criam uma
porosidade cada vez maior entre a vida na prisão e a vida no exterior. Os
detentos têm a sensação de que possuem uma vida para além e apesar da prisão –
como atestam a multiplicação por cinco dos universitários em detenção no
período pós-Oslo e os incentivos ao casamento. Diante da fragmentação induzida
pela prisão, as tecnologias da comunicação substituem os laços efetivos e
militantes: a partir de 2002-2003, os telefones celulares entraram em certas
prisões de homens e facilitaram o diálogo com o exterior, criando um mercado
negro e uma ferramenta de vigilância por parte das autoridades penitenciárias.
O acesso à internet e a criação de perfis no Facebook alimentados por parentes
ou ONGs permitem que esses prisioneiros existam virtualmente no exterior e dão
uma nova ressonância coletiva às mobilizações dos prisioneiros.
Stéphanie Latte Abdallah
*Stéphanie Latte
Abdallahé pesquisadora do Centro Nacional de Pesquisa Científica (CNRS-Iremam,
Aix-en-Provence) e autora, com Cédric Parizot (orgs.), da obra A l’ombre du
mur: Palestiniens et Israéliens entre séparation et occupation [À sombra do
muro: palestinos e israelenses entre separação e ocupação], Actes Sud, Arles, 2011.
Ilustração: Ammar-Awad/Reuters
1.Fonte: . Esses
números não incluem os palestinos de 1948, cidadãos de Israel.
2.Comissão israelense criada após a morte em detenção de
dois prisioneiros palestinos e dirigida pelo juiz Moshe Landau, presidente da
Suprema Corte. Reconheceu o uso sistemático da tortura nas prisões israelenses,
mas decidiu estabelecer regras autorizando o “uso moderado de pressões
físicas”.
3.“Guilty, membership and activity in unlawful
associations − Military courts 2008” [Culpa, pertencimento e atividade em
associações ilegais − Cortes militares 2008], Machsom Watch, Tel-Aviv, 2008. Disponível
em: .
4.Ibidem.
5.Disponível em: .
6“Consciousness
molded. Or: of the re-identification of torture” [Consciência moldada. Ou:
sobre a reidentificação da tortura]. In: Abeer Baker e Anat Matar (orgs.),
Threat: Palestinian political prisoners
in Israel[Ameaça: prisioneiros políticos palestinos em Israel], Pluto Press,
Londres, 2011.
03 de Julho de 2012
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