Palestinos superaram prisões, bombardeios, interrogatórios e
perda de atletas para estar na elite do continente
Jogadores da Palestina conseguiram participar pela primeira
vez da Copa da Ásia. Mal Fairclough/AFP
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Gustavo Mesa
Uma seleção eliminada na fase de grupos da Copa da Ásia após duas goleadas será recebida com festa ao retornar da Austrália. Uma reação dessas é inconcebível para quem tem a soberba de um pentacampeonato mundial. Mas, definitivamente, esse não é o caso dos palestinos. Devido às tamanhas dificuldades enfrentadas pelo povo, a inédita classificação para um torneio de primeiro escalão do futebol já é uma vitória.
Afinal, não é moleza jogar bola na Palestina. Praticar o
esporte por lá significa estar sujeito a prisões arbitrárias, interrogatórios
intermináveis, horas de espera em locomoções para outras cidades. Tudo por
causa do conflito entre palestinos e israelenses, que disputam há décadas a
faixa de terra que abriga os dois povos (entenda o conflito no infográfico
abaixo).
Por causa das dificuldades de passar pela fronteira da Faixa
de Gaza, a Palestina é obrigada a ter duas ligas nacionais – a da Cisjordânia e
a de Gaza – mesmo com uma distância de apenas 70 km entre os dois territórios.
Cada uma delas tem duas divisões de 12 equipes, com acesso e descenso de dois
times por temporada.
Esse problema não afeta apenas as equipes do torneio
nacional. A seleção palestina – que é reconhecida pela Fifa desde 1998 – já viu
suas esperanças de disputar a Copa do Mundo irem por água abaixo devido devido
à intransigência nos postos de controle militarizados nas fronteiras, os
checkpoints.
Para o meia Roberto Kettlun, um chileno descendente de
palestinos que defende a seleção desde 2001, esta dificuldade é um dos
principais entraves para o desenvolvimento do futebol na Palestina:
"Passar pelos checkpoints leva horas, as pessoas ficam
espremidas de forma desumana e você não tem nenhuma certeza de quando vão
deixar passar, e se vão te deixar passar. Muitas vezes as partidas se atrasam,
os árbitros se atrasam ou nem chegam. É uma dificuldade muito básica e simples
como se deslocar por um território que te pertence reconhecidamente, que não
pode acontecer por causa da ocupação”, detalhou ao Portal da Band o jogador do
Hilal Al-Quds, que atua na Liga da Cisjordânia desde 2012.
Confira a seguir os detalhes da luta de um povo para poder também jogar futebol em paz.
Fazendo história
Apesar da dificuldade com a mobilidade, da incerteza em
relação ao elenco e da violência que aflige a população, a seleção palestina de
futebol conseguiu ir para a Austrália medir forças com as principais potências
da Ásia.
No primeiro jogo da Palestina em um torneio deste porte,
ocorreu uma derrota por 4 a 0 para o Japão, atual campeão.
Na partida seguinte, a goleada por 5 a 1 contra a Jordânia,
a seleção marcou o primeiro gol, anotado por Jaka Ihbeisheh.
Na próxima terça-feira, sem chances de se classificar, a
Palestina encerrará a participação no torneio diante do Iraque.
Seleção
Mas a vitória por estar na Austrália e poder disputar a Copa
da Ásia foi conquistada com muitos sacrifícios, que vêm desde 1998, ano em que
a Federação Palestina de Futebol (PFA) foi reconhecida pela Fifa.
Nas eliminatórias para o Mundial de 2006, a PFA fez um
esforço para atrair estrangeiros descendentes de palestinos e montou uma equipe
competitiva. No primeiro jogo, a seleção goleou Taipei por 8 a 0. No segundo,
os palestinos foram ao Iraque e conseguiram voltar de lá com um empate por 1 a
1.
A animação popular com a chance de ir ao Mundial acabou no
jogo seguinte, quando cinco atletas de Gaza ficaram presos no checkpoint dias
após um atentado suicida em Beersheba, em Israel. A Palestina mal conseguiu
juntar 11 atletas e acabou derrotada por 3 a 0 pelo Uzbequistão, complicando
sua situação no grupo.
O qualificatório para 2010 seguiu enredo similar, mas com
final ainda mais abrupto. Com dificuldades para montar um time, a Palestina
levou um elenco fraco aos Emirados Árabes – onde atuou como mandante – e acabou
derrotada por 4 a 0 por Singapura na partida de ida da primeira fase. Na volta,
os palestinos sequer conseguiram comparecer ao campo adversário.
“É sempre um pesadelo tentar montar um time quando não se
tem certeza se alguém terá um visto negado ou será detido. Mas nós somos um
povo determinado. Vamos superar isso”, afirmou, confiante, Susan Shalabi
Molano, membro da Confederação Asiática de Futebol (AFC) e encarregada de
assuntos internacionais da Federação Palestina de Futebol (PFA).
A determinação citada pela dirigente pôde ser vista na AFC
Challenge Cup de 2014, o torneio para nações ascendentes da Confederação
Asiática que daria ao campeão a chance de medir forças com as melhores equipes
do continente.
Com uma vitória por 1 a 0 nos acréscimos sobre Quirguistão,
um triunfo por 2 a 0 sobre Mianmar e um empate sem gols contra as Maldivas, os
palestinos asseguraram a primeira posição do Grupo A. Nas semifinais contra o
Afeganistão, Ashraf Nu'man marcou duas vezes e garantiu a vaga na decisão. O
artilheiro do torneio fez seu quarto gol na competição de falta, contra as
Filipinas, e garantiu o título e a vaga na Copa da Ásia de 2015, que está em
andamento na Austrália.
Jogadores sofrem com o conflito
O dia era 17 de julho de 2014. Garotos jogavam futebol em
uma praia na Faixa de Gaza, talvez empolgados com o primeiro título de sua
seleção, a AFC Challenge Cup, conquistado cerca de um mês antes, no
Uzbequistão. Enquanto a bola rolava às margens do Mediterrâneo, um navio
israelense os atacou com um bombardeio, que vitimou quatro crianças da mesma
família (veja imagem abaixo).
Os ataques foram parte da resposta israelense ao assassinato
de três colonos do país em terras palestinas. Com a Operação Protective Edge
(Proteção à Fronteira, em tradução livre), as forças armadas do país comandaram
bombardeios à Faixa de Gaza entre 7 de julho e 27 de agosto, com mais de 2,1
mil palestinos mortos, segundo a Anistia Internacional. Entre as vítimas,
também houve atletas, treinadores e outras pessoas ligadas ao esporte
palestino.
Os jogadores – assim como qualquer outro cidadão palestino –
estão sujeitos a prisões a súbitas, visto que a lei israelense permite
detenções sem acusação formal ou julgamento, sob a premissa da segurança
nacional. Dois casos de atletas detidos chamaram a atenção nos últimos anos.
Em 2009, Mahmoud Sarsak, uma jovem promessa do futebol de
Gaza, tinha acertado sua transferência para o Balata Youth, da liga da
Cisjordânia. Quando tentava atravessar o checkpoint de Erez, ele foi preso por
suspeita de ter ligação com a Jihad Islâmica.
Sarsak permaneceu encarcerado por três anos sem ir à
justiça. Ele só deixou a prisão após uma greve de fome de 97 dias que custou
metade do seu peso e mobilizou figuras célebres do futebol, como Eric Cantona,
Liliam Thuram, Michel Platini e o próprio Joseph Blatter.
Em entrevista à CNN em 2013, Sarsak falou sobre sua
detenção:
"Passei três anos na prisão sem acusação. Se eu
realmente tivesse conexões (com a Jihad Islâmica), deveria ter sido levado à
corte. Mas eles não tinham nada contra mim. Me deixaram na prisão por uma
acusação falsa. Perdi três anos da minha vida”, afirmou Sarsak, que não tem
mais condições de seguir a carreira como futebolista devido às complicações da
greve de fome.
Em abril de 2014, o zagueiro Sameh Mar’aba retornava dos
Emirados Árabes Unidos com a seleção palestina quando foi detido pelas forças
israelenses. Segundo a CNN, o jogador foi acusado de “trazer fundos do Hamas
para a região e se encontrar com o inimigo”. As autoridades israelenses dizem
que o defensor admitiu o contato e foi flagrado com dinheiro, um celular da
organização e mensagens escritas. A PFA rejeitou as acusações e disse que não
houve confissão alguma.
Mar’aba ficou preso até o dia 6 de dezembro. Por estar
detido, ele perdeu a disputa da Challenge Cup. E também não foi liberado para
viajar à Austrália junto com seus companheiros para a disputa da Copa da Ásia.
De acordo com as forças israelenses, uma viagem do zagueiro ao estrangeiro
“constitui um risco de segurança para a região”.
A Fifa tenta mediar
Entre a conquista da Challenge Cup e o início dos
bombardeios a Gaza, houve um famoso evento chamado Copa do Mundo, que, por
acaso, aconteceu no Brasil. A PFA aproveitou a convenção da Fifa que ocorreu em
São Paulo às vésperas do torneio para denunciar os abusos sofridos por
esportistas palestinos.
A comissão apresentou aos membros da Fifa um dossiê de 46
páginas intitulado “Transgressões Israelenses Contra o Esporte Palestino”. Susan Shalabi resumiu as principais reclamações
contra Israel:
“A ocupação israelense restringe a locomoção de jogadores e
dirigentes; previne a construção e manutenção de instalações esportivas; mata,
machuca e prende atletas; e interfere na organização de eventos amistosos com o
resto do mundo do futebol”, explicou a dirigente.
Segundo informações publicadas recentemente pelo site Inside
World Football, autoridades do futebol israelense sustentam que estão
intensificando seus esforços para melhorar as condições aos jogadores e
funcionários palestinos. No entanto, um dos principais argumentos das forças
militares israelenses contra os palestinos é que estes "utilizam o futebol
para ocultar movimentos e grupos terroristas” dentro da região.
Após as denúncias dos palestinos, a Fifa divulgou uma circular com medidas que facilitariam a mobilidade dos esportistas palestinos e
deu ao presidente da Federação Cipriota de Futebol, Costakis Koutsokoumnis, a
missão de supervisioná-las. Embora a entidade máxima do futebol tenha classificado as implementações como “satisfatórias”, a impressão que se tem na
Palestina é diferente:
“Nada mudará enquanto os israelenses continuarem
entrincheirados com o pretexto da ‘segurança’ como razão para suprimir os
direitos básicos da população palestina na ocupação, inclusive no direito de
jogar”, analisou Susan Shalabi. Peto seguiu a mesma linha da dirigente ao dizer
que “não se viu muito resultado porque o comitê esteve bem frouxo, sem muita
vontade de participar e ajudar”.
As pressões internacionais vão surtindo efeito, mesmo que
lentamente. No final de dezembro, Fifa, Israel e Palestina conseguiram um
acordo para que os jogadores palestinos pudessem participar pela primeira vez
na Copa da Ásia. No entanto, a entidade máxima do futebol quer que as
negociações entrem em um novo ritmo:
"O Comitê Executivo espera claramente que o ritmo
acelere nos próximos meses", afirmou comunicado da FIFA, convidando
representantes governamentais de ambas as partes para se juntar ao grupo de
trabalho criado para tentar encontrar uma solução viável ao impasse da
locomoção dos palestinos.
Seja como for e apesar dos problemas, a torcida palestina
apoia e acredita que dias melhores virão para seu povo e para a seleção.
Torcedores palestinos acompanham seleção do país na Copa da
Ásia. Foto: Mal Fairclough/AFP
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Fonte:http://www.band.uol.com.br/m/conteudo.asp?id=100000731234&programa=Futebol%20Internacional
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