sexta-feira, 3 de abril de 2015

A dura trajetória da Palestina no futebol

Palestinos superaram prisões, bombardeios, interrogatórios e perda de atletas para estar na elite do continente



Seleção Palestina de Futebol
Jogadores da Palestina conseguiram participar pela primeira vez da Copa da Ásia. Mal Fairclough/AFP


















Gustavo Mesa

Uma seleção eliminada na fase de grupos da Copa da Ásia após duas goleadas será recebida com festa ao retornar da Austrália. Uma reação dessas é inconcebível para quem tem a soberba de um pentacampeonato mundial. Mas, definitivamente, esse não é o caso dos palestinos. Devido às tamanhas dificuldades enfrentadas pelo povo, a inédita classificação para um torneio de primeiro escalão do futebol já é uma vitória.


Afinal, não é moleza jogar bola na Palestina. Praticar o esporte por lá significa estar sujeito a prisões arbitrárias, interrogatórios intermináveis, horas de espera em locomoções para outras cidades. Tudo por causa do conflito entre palestinos e israelenses, que disputam há décadas a faixa de terra que abriga os dois povos (entenda o conflito no infográfico abaixo).


Por causa das dificuldades de passar pela fronteira da Faixa de Gaza, a Palestina é obrigada a ter duas ligas nacionais – a da Cisjordânia e a de Gaza – mesmo com uma distância de apenas 70 km entre os dois territórios. Cada uma delas tem duas divisões de 12 equipes, com acesso e descenso de dois times por temporada.


Esse problema não afeta apenas as equipes do torneio nacional. A seleção palestina – que é reconhecida pela Fifa desde 1998 – já viu suas esperanças de disputar a Copa do Mundo irem por água abaixo devido devido à intransigência nos postos de controle militarizados nas fronteiras, os checkpoints.


Para o meia Roberto Kettlun, um chileno descendente de palestinos que defende a seleção desde 2001, esta dificuldade é um dos principais entraves para o desenvolvimento do futebol na Palestina:


"Passar pelos checkpoints leva horas, as pessoas ficam espremidas de forma desumana e você não tem nenhuma certeza de quando vão deixar passar, e se vão te deixar passar. Muitas vezes as partidas se atrasam, os árbitros se atrasam ou nem chegam. É uma dificuldade muito básica e simples como se deslocar por um território que te pertence reconhecidamente, que não pode acontecer por causa da ocupação”, detalhou ao Portal da Band o jogador do Hilal Al-Quds, que atua na Liga da Cisjordânia desde 2012.

Confira a seguir os detalhes da luta de um povo para poder também jogar futebol em paz.


Fazendo história


Apesar da dificuldade com a mobilidade, da incerteza em relação ao elenco e da violência que aflige a população, a seleção palestina de futebol conseguiu ir para a Austrália medir forças com as principais potências da Ásia.

No primeiro jogo da Palestina em um torneio deste porte, ocorreu uma derrota por 4 a 0 para o Japão, atual campeão.

Na partida seguinte, a goleada por 5 a 1 contra a Jordânia, a seleção marcou o primeiro gol, anotado por Jaka Ihbeisheh.

Na próxima terça-feira, sem chances de se classificar, a Palestina encerrará a participação no torneio diante do Iraque.


Seleção

Mas a vitória por estar na Austrália e poder disputar a Copa da Ásia foi conquistada com muitos sacrifícios, que vêm desde 1998, ano em que a Federação Palestina de Futebol (PFA) foi reconhecida pela Fifa.


Nas eliminatórias para o Mundial de 2006, a PFA fez um esforço para atrair estrangeiros descendentes de palestinos e montou uma equipe competitiva. No primeiro jogo, a seleção goleou Taipei por 8 a 0. No segundo, os palestinos foram ao Iraque e conseguiram voltar de lá com um empate por 1 a 1.


A animação popular com a chance de ir ao Mundial acabou no jogo seguinte, quando cinco atletas de Gaza ficaram presos no checkpoint dias após um atentado suicida em Beersheba, em Israel. A Palestina mal conseguiu juntar 11 atletas e acabou derrotada por 3 a 0 pelo Uzbequistão, complicando sua situação no grupo.


O qualificatório para 2010 seguiu enredo similar, mas com final ainda mais abrupto. Com dificuldades para montar um time, a Palestina levou um elenco fraco aos Emirados Árabes – onde atuou como mandante – e acabou derrotada por 4 a 0 por Singapura na partida de ida da primeira fase. Na volta, os palestinos sequer conseguiram comparecer ao campo adversário.


“É sempre um pesadelo tentar montar um time quando não se tem certeza se alguém terá um visto negado ou será detido. Mas nós somos um povo determinado. Vamos superar isso”, afirmou, confiante, Susan Shalabi Molano, membro da Confederação Asiática de Futebol (AFC) e encarregada de assuntos internacionais da Federação Palestina de Futebol (PFA).


A determinação citada pela dirigente pôde ser vista na AFC Challenge Cup de 2014, o torneio para nações ascendentes da Confederação Asiática que daria ao campeão a chance de medir forças com as melhores equipes do continente.


Com uma vitória por 1 a 0 nos acréscimos sobre Quirguistão, um triunfo por 2 a 0 sobre Mianmar e um empate sem gols contra as Maldivas, os palestinos asseguraram a primeira posição do Grupo A. Nas semifinais contra o Afeganistão, Ashraf Nu'man marcou duas vezes e garantiu a vaga na decisão. O artilheiro do torneio fez seu quarto gol na competição de falta, contra as Filipinas, e garantiu o título e a vaga na Copa da Ásia de 2015, que está em andamento na Austrália.




Jogadores sofrem com o conflito

O dia era 17 de julho de 2014. Garotos jogavam futebol em uma praia na Faixa de Gaza, talvez empolgados com o primeiro título de sua seleção, a AFC Challenge Cup, conquistado cerca de um mês antes, no Uzbequistão. Enquanto a bola rolava às margens do Mediterrâneo, um navio israelense os atacou com um bombardeio, que vitimou quatro crianças da mesma família (veja imagem abaixo).


Os ataques foram parte da resposta israelense ao assassinato de três colonos do país em terras palestinas. Com a Operação Protective Edge (Proteção à Fronteira, em tradução livre), as forças armadas do país comandaram bombardeios à Faixa de Gaza entre 7 de julho e 27 de agosto, com mais de 2,1 mil palestinos mortos, segundo a Anistia Internacional. Entre as vítimas, também houve atletas, treinadores e outras pessoas ligadas ao esporte palestino. 



Os jogadores – assim como qualquer outro cidadão palestino – estão sujeitos a prisões a súbitas, visto que a lei israelense permite detenções sem acusação formal ou julgamento, sob a premissa da segurança nacional. Dois casos de atletas detidos chamaram a atenção nos últimos anos.


Em 2009, Mahmoud Sarsak, uma jovem promessa do futebol de Gaza, tinha acertado sua transferência para o Balata Youth, da liga da Cisjordânia. Quando tentava atravessar o checkpoint de Erez, ele foi preso por suspeita de ter ligação com a Jihad Islâmica.


Sarsak permaneceu encarcerado por três anos sem ir à justiça. Ele só deixou a prisão após uma greve de fome de 97 dias que custou metade do seu peso e mobilizou figuras célebres do futebol, como Eric Cantona, Liliam Thuram, Michel Platini e o próprio Joseph Blatter.


Em entrevista à CNN em 2013, Sarsak falou sobre sua detenção:


"Passei três anos na prisão sem acusação. Se eu realmente tivesse conexões (com a Jihad Islâmica), deveria ter sido levado à corte. Mas eles não tinham nada contra mim. Me deixaram na prisão por uma acusação falsa. Perdi três anos da minha vida”, afirmou Sarsak, que não tem mais condições de seguir a carreira como futebolista devido às complicações da greve de fome.


Em abril de 2014, o zagueiro Sameh Mar’aba retornava dos Emirados Árabes Unidos com a seleção palestina quando foi detido pelas forças israelenses. Segundo a CNN, o jogador foi acusado de “trazer fundos do Hamas para a região e se encontrar com o inimigo”. As autoridades israelenses dizem que o defensor admitiu o contato e foi flagrado com dinheiro, um celular da organização e mensagens escritas. A PFA rejeitou as acusações e disse que não houve confissão alguma.


Mar’aba ficou preso até o dia 6 de dezembro. Por estar detido, ele perdeu a disputa da Challenge Cup. E também não foi liberado para viajar à Austrália junto com seus companheiros para a disputa da Copa da Ásia. De acordo com as forças israelenses, uma viagem do zagueiro ao estrangeiro “constitui um risco de segurança para a região”.



A Fifa tenta mediar

Entre a conquista da Challenge Cup e o início dos bombardeios a Gaza, houve um famoso evento chamado Copa do Mundo, que, por acaso, aconteceu no Brasil. A PFA aproveitou a convenção da Fifa que ocorreu em São Paulo às vésperas do torneio para denunciar os abusos sofridos por esportistas palestinos.


A comissão apresentou aos membros da Fifa um dossiê de 46 páginas intitulado “Transgressões Israelenses Contra o Esporte Palestino”. Susan Shalabi resumiu as principais reclamações contra Israel:


“A ocupação israelense restringe a locomoção de jogadores e dirigentes; previne a construção e manutenção de instalações esportivas; mata, machuca e prende atletas; e interfere na organização de eventos amistosos com o resto do mundo do futebol”, explicou a dirigente.


Segundo informações publicadas recentemente pelo site Inside World Football, autoridades do futebol israelense sustentam que estão intensificando seus esforços para melhorar as condições aos jogadores e funcionários palestinos. No entanto, um dos principais argumentos das forças militares israelenses contra os palestinos é que estes "utilizam o futebol para ocultar movimentos e grupos terroristas” dentro da região.


Após as denúncias dos palestinos, a Fifa divulgou uma circular com medidas que facilitariam a mobilidade dos esportistas palestinos e deu ao presidente da Federação Cipriota de Futebol, Costakis Koutsokoumnis, a missão de supervisioná-las. Embora a entidade máxima do futebol tenha classificado as implementações como “satisfatórias”, a impressão que se tem na Palestina é diferente:


“Nada mudará enquanto os israelenses continuarem entrincheirados com o pretexto da ‘segurança’ como razão para suprimir os direitos básicos da população palestina na ocupação, inclusive no direito de jogar”, analisou Susan Shalabi. Peto seguiu a mesma linha da dirigente ao dizer que “não se viu muito resultado porque o comitê esteve bem frouxo, sem muita vontade de participar e ajudar”.


As pressões internacionais vão surtindo efeito, mesmo que lentamente. No final de dezembro, Fifa, Israel e Palestina conseguiram um acordo para que os jogadores palestinos pudessem participar pela primeira vez na Copa da Ásia. No entanto, a entidade máxima do futebol quer que as negociações entrem em um novo ritmo:


"O Comitê Executivo espera claramente que o ritmo acelere nos próximos meses", afirmou comunicado da FIFA, convidando representantes governamentais de ambas as partes para se juntar ao grupo de trabalho criado para tentar encontrar uma solução viável ao impasse da locomoção dos palestinos.


Seja como for e apesar dos problemas, a torcida palestina apoia e acredita que dias melhores virão para seu povo e para a seleção.



Torcedores palestinos acompanham seleção na Copa da Ásia
Torcedores palestinos acompanham seleção do país na Copa da Ásia. Foto: Mal Fairclough/AFP

Fonte:http://www.band.uol.com.br/m/conteudo.asp?id=100000731234&programa=Futebol%20Internacional


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domingo, 29 de março de 2015

Israel Vota pelo Apartheid – Caiu a fachada sionista liberal




[*] Neve Gordon, Al-Jazeera (reproduzido em Counterpunch)


Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu


Benjamin Netanyahu faz mágica. Ainda na 6ª-feira (20/3/2015), a maioria das pesquisas indicava que seu partido Likud conquistaria em torno de 21 cadeiras no Parlamento israelense, quatro cadeiras a menos que o Campo Sionista (Partido Labor, com nome novo) de Yitzhak (Bougie) Herzog. Revelações de corrupção na residência do primeiro-ministro, seguidas de relatório devastador sobre a crise imobiliária real, além do encolhimento da indústria, greves sindicais, previsões de economia fraca, impasse diplomático e crescente isolamento internacional, tudo parecia indicar que Netanyahu estaria de saída. Mas quando mais parecia que o Campo Sionista substituiria o campo nacionalista, o exímio marqueteiro de campanhas eleitorais começou a tirar seus coelhos da cartola.

Como se não bastasse a decisão de atropelar o governo Obama na questão das negociações com o Irã, Netanyahu pôs-se a martelar a favor da direita, dando a conhecer ao mundo  que os palestinos estariam condenados para sempre a jamais ter estado seu, dado que ele já não promoveria a criação de mais um estado árabe para cercar Israel. Apresentou o partido Likud como vítima de uma conspiração da “mídia” esquerdista para derrubar o governo da direita. E convenientemente não disse a ninguém que seu aliado Sheldon Adelson é o proprietário do jornal Yisrael Hayom, o jornal impresso de maior circulação em todo o país. Convidou seus eleitores a voltar para “casa”, prometendo dar conta de todas suas carências econômicas. E no próprio dia das eleições, aterrorizou os judeus com declarações de que os cidadãos palestinos de Israel estariam correndo às urnasem multidões, apresentando os palestinos, que votam em seus próprios candidatos, como se fossem mais uma ameaça existencial.

A poção envenenada de Netanyahu é feita com campanhas para gerar medo, muito ódio racista contra árabes e ódio militante contra a esquerda política. Pelo que agora se vê, muitos eleitores foram realmente envenenados. Em questão de poucos dias, Netanyahu conseguiu virar a favor dele votos suficientes para eleger mais dez candidatos do seu partido, canibalizando dois dos seus aliados da extrema direita: o partido de Avigdor Lieberman e o partido de Naftali Bennett. Graças à mágica-veneno de Netanyahu, o Likud saiu-se muito melhor do que esperava, e em coalizão com os partidos ultra-ortodoxos e um novo partido recém criado por um ex-ministro do Likud, o partido Kulanu (All of US), será muito provavelmente criado um bloco de extrema direita, com 67 dos 120 assentos com direito a voto (e isso ainda antes de se computarem os votos dos soldados, que em geral são de centro-direita).

Esse resultado é claro: o povo de Israel votou a favor do Apartheid.



Agora é extremamente provável que volte à tona uma leva de leis antidemocráticas  que haviam sido engavetadas. Entre essas, as leis que monitoram e limitam o financiamento de ONGs de direitos humanos, restringem a liberdade de expressão, reduzem aautoridade da Suprema Corte, cancelam o status oficial da língua árabe e, claro, levam a votação a lei do estado-nação. Essa lei, originalmente proposta por um membro do Likud, define a judaicidade como padrão do estado em todas as instâncias, legal ou legislativa – na qual conflitam as definições de “estado judeu” e “estado democrático”. Significa que as leis que garantem direitos iguais a todos os cidadãos israelenses podem ser derrubadas, sob a alegação de que não respeitam o “estado judeu”. Além disso, essa lei reserva direitos comunitários só para judeus; nega portanto aos cidadãos palestinos qualquer tipo de identidade nacional.

Além da legislação antidemocrática, podemos esperar todo um desfile de políticas de discriminação. O novo governo provavelmente implementará alguma variação do Plano Prawer, que visa a realocar à forçamilhares de beduínos palestinos e tomar a terra que pertence a eles. Continuarão a jorrar bilhões de dólares nas colônias israelenses na Cisjordânia e nas colinas do Golan, e mais casas serão expropriadas em Jerusalém Leste. E provavelmente serão presos milhares de refugiados e trabalhadores migrantes “ilegais” que atualmente vivem e trabalham em cidades israelenses.

Mas, sim, os resultados dessas eleições trazem uma importante vantagem: afinal, as coisas estão postas às claras.

Agora, pelo menos, caiu a fachada sionista liberal, que camuflava a disposição de Israel para fazer avançar seu projeto colonial. O refrão israelense, de que não se poderia alcançar solução diplomática com os palestinos, porque os palestinos não teriam liderança, soará mais vazio, a cada dia. Finalmente, já se pode ver que pretender que Israel seria a única democracia no Oriente Médio é o que é: meia verdade. Israel só é democracia para judeus. Para palestinos, é regime repressor.

Deve-se também esperar pouca resistência contra o governo de extrema direita, porque o Campo Sionista de Herzog e o partido de Yair Lapid também são arabofóbicos e, portanto, pouco lutarão contra a substância racista do novo governo, embora talvez lutem contra o estilo direitista agora já desavergonhado de Netanyahu.

Afinal de contas, nos dias antes da eleição via-se um só pacote político, com enormes cartazes que mostravam foto de (Bibi) Netanyahu e seu adversário, representante oficial da extrema direita, Naftali Bennett, em que se lia que “Com Bibibennet continuaremos contra os palestinos por toda a eternidade”. A dupla deve ter esquecido o fato de que 20% dos cidadãos israelenses são palestinos.

Pois mesmo assim, durante essas eleições, um raio de esperança brilhou na escuridão. O esforço concentrado de quase todos os partidos judeus para excluir os cidadãos palestinos produziu um efeito não esperado. Criando uma frente unida, os palestinos conquistaram 14 cadeiras no Parlamento, 25% a mais do que jamais antes. Hoje, os palestinos já são a terceira maior força no Knesset.

Diferente de seus contrapartes noutros partidos, Ayman Odeh, que preside a nova Lista Árabes Unidos, é líder genuíno. Extremamente incisivo, é orador que muitas vezes se serve de muita ironia para ridicularizar seus detratores, ao mesmo tempo em que divulga incansavelmente sua visão igualitária do futuro. Num raro momento de sinceridade, uma conhecida jornalista comentarista israelense denunciou a atitude de Odeh, para ela uma grave ameaça: “É homem muito perigoso”, disse ela. “Ele projeta algo com que todos os israelenses podem relacionar-se”.

Será essa “ameaça” capaz de deter a iminente avalanche de novas leis de Apartheid em Israel? Sinceramente, duvido.



[*] Neve Gordon é judeu, residente em Israel, nasceu nos EUA em 15/6/1965, é professor de Política e Governo na Universidade Ben-Gurion do Negev, onde leciona sobre questões relacionadas com o conflito israelense-palestino e direitos humanos. Pertencente à terceira geração de Israel, Gordon fez o serviço militar em uma unidade de paraquedistas tendo sofrido ferimentos graves na ação em Rosh Hanikra; como resultado ele tem uma deficiência motora de 42%. Durante a Primeira Intifada atuou como diretor dos Médicos pelos Direitos Humanos em Israel. É membro ativo da Ta’ayush, uma parceria entre árabes e judeus. Identifica-se como membro do campo da paz israelense e descreve Israel como um Estado de “apartheid” e apoia o movimento Boicote, Desinvestimento e Sanções contra Israel.

Gordon recebeu seu doutorado na Universidade de Notre Dame (EUA) em 1999, e tem sido professor visitante na University of Califórnia - Berkeley, University of Michigan e na Universidade de Brown.

Seus artigos são usualmente publicados no LA Times, The Washington Post, The Nation, The Guardian, Haaretz,The Jerusalem Post, The Chicago Tribune, Boston Globe, In These Times, The National Catholic Reporter, Al Jazeera, The Chronicle of Higher Education e CounterPunch.

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quarta-feira, 25 de março de 2015

Senhor Obama, ainda está em tempo de reconstruir o Oriente Médio

Numa carta aberta ao presidente dos Estados Unidos, uma liderança palestina exorta os Estados Unidos a intensificar os esforços de paz após a reeleição israelense de Benjamin Netanyahu. A carta foi publica originalmente no jornal britânico The Independent no domingo de 22 de março de 2015 sob o título de “Mr. Obama, there is still  time to remake the Middle East”.


Obama e Netanyahu




Caro Senhor Presidente,


A América é uma sociedade fascinante. É uma nação de nações: o mundo em miniatura. Cada continente, cada cultura e civilização está representada dentro de suas fileiras.


Em nosso mundo unipolar, o não alinhamento não é mais a opção política dos países do Terceiro Mundo que temiam uma colisão ou conluio das duas superpotências rivais. Em contrapartida, isso é que deve caracterizar a política externa americana. Porque se os EUA se alinham com um protagonista beligerante num conflito regional, isso não só aliena e antagoniza desnecessariamente todos os demais países na área, mas também ofende e marginaliza um componente doméstico de seu próprio tecido nacional e social.


Uma recente pesquisa mostrou que 66 por cento dos americanos queriam neutralidade dos EUA no conflito israelense-palestino.

Sr. Presidente,


No circuito de palestras nos Estados Unidos, fui muitas vezes interpelado sobre os meus sentimentos relativos à sua candidatura à Casa Branca. Minha resposta habitual era: “Como um diplomata estrangeiro, devo me abster de opinar sobre assuntos internos americanos, mas minha esposa acredita que Barak Obama está reavivando o idealismo americano e é o único candidato capaz de conciliar a América consigo mesma e com o mundo”.


Depois de vários começos promissores de sua parte, especialmente o discurso no Cairo acerca da abertura de um novo capítulo nas relações americano-árabes e americano-muçulmanas, é de conhecimento público que Netanyahu disse ao seu círculo mais próximo, à véspera de uma de suas visitas aos EUA: “Sou mais forte do que esse homem em Washington, DC”. Em seus reiterados confrontos de vontades, Netanyahu inegavelmente vem levando a melhor. Comentaristas escreveram que ele deu um tiro no próprio pé, mas, até agora, isso não parece tê-lo afetado.


Na semana passada, as eleições israelenses para o Parlamento foram reveladoras.  Pública e categoricamente, Netanyahu rejeitou não só um estado palestino, mas eleitores palestinos. Para ele, somos uma ameaça tanto como nação quanto como indivíduos. 


O lado palestino e árabe tem sido o que denomino de “irracionalmente racional” em sua busca por um acordo negociado. Eles não ameaçam mais a existência de Israel, apenas questionam sua expansão. Hoje, todavia, não se pode deixar de concluir que aquilo que é democraticamente aceitável para um lado, é totalmente inaceitável para o outro. E talvez resida nisso a maior falha no processo de paz como foi coreografado até agora. Coisas demais foram deixadas para os beligerantes locais resolver.


O lado palestino negociou à mercê de um equilíbrio desconfortável de forças, pois o processo permaneceu refém das políticas domésticas israelenses. Israel era constantemente inclinado a ditar o limite do possível e do aceitável. A opinião pública israelense queria um resultado diplomático que refletisse a intransigência israelense, o alinhamento americano com Israel, o declínio russo, a abdicação europeia, a impotência árabe e o que eles esperavam que fosse a resignação palestina.


Os últimos 24 anos de pacificação teórica não foram anos de retiradas territoriais israelenses, mas anos nos quais testemunhamos a expansão da ocupação por meio do crescimento dos assentamentos ilegais. O impasse diplomático hoje não é devido a uma rejeição árabe da existência de Israel, mas precisamente da rejeição por parte de Israel da sua própria aceitação pelos árabes. Especificamente, Israel persiste em sua recusa a renunciar à aquisição territorial feita em 1967.


Sr. Presidente, ante as decepções acumuladas nos últimos seis anos, permita-me partilhar com o senhor três observações as quais, acredito, podem ser úteis no planejamento do caminho futuro:


Primeiro, o senhor não parece ter se dado conta da mudança verificada no centro de gravidade dentro da comunidade judaica americana. Ela percebe cada vez mais as políticas e as práticas israelenses como uma fonte de constrangimento para uma comunidade de americanos que se acostumaram a ser a vanguarda dos direitos humanos e civis. Relegada, devido a sua ligação com Israel, a defender o indefensável, essa comunidade sente muito desconforto com as escolhas feitas por Israel e consideraria bem-vinda uma abordagem mais assertiva por parte dos EUA.


Em segundo, ao contrário do seu irritante antecessor, um unilateralista impenitente, o senhor é autêntica e genuinamente um multilateralista. Mesmo assim, o senhor tem feito um uso insuficiente de seus parceiros europeus e internacionais para se contrapor às pressões domésticas. A Europa é ainda um ator em busca de um papel. Nós, no Oriente Médio, temos um papel à procura de um ator. É interesse de todos se afastar da impotência autoinfligida dos atores externos.


Terceiro – e até agora, Sr. Presidente – o senhor não demonstrou coragem para corresponder à audácia dos cidadãos americanos que ousaram, contra todas as probabilidades e preconceitos, votar no senhor para o cargo. Não apenas uma, mas duas vezes. Sucessivas administrações americanas têm dito que um estado palestino está no interesse nacional americano; que a América está comprometida com a existência de Israel, mas não com sua expansão; que o problema irresoluto palestino é prejudicial aos interesses dos EUA e é um agente importante de recrutamento para movimentos extremistas. Netanyahu teimosamente quer projetar a imagem de um conluio americano-israelense para manter os EUA em curso de colisão com o mundo árabe-islâmico.


Sr. Presidente, suspeito que o senhor ficará surpreso com o massivo apoio que lhe será dado, tanto interna, quanto internacionalmente, se o senhor vincular a ajuda dos EUA a Israel ao aconselhamento americano. Resumindo: se o senhor quiser reconciliar o poder americano com os princípios americanos. Responder ao clamor palestino por liberdade, ou seja, fim da ocupação e servidão, é crucial para a credibilidade, respeitabilidade e – ouso dizer - amabilidade dos EUA. 


Com um simples telefonema, em 1956, o presidente Eisenhower conseguiu que David Ben Gurion se retirasse do Sinai ocupado – e durante um ano de campanha presidencial. Comparado a Ben Gurion, Netanyahu parece um cordeiro.


Temos ainda mais dois anos. Se a vontade internacional tiver primazia sobre o capricho nacional israelense, um território que foi ocupado em seis dias, em 1967, pode também ser evacuado em seis dias, de forma que os israelenses possam descansar no sétimo, e nós poderemos finalmente nos lançar na fascinante jornada da construção do estado e da recuperação econômica.

Poderemos realmente testemunhar um outro momento Eisenhower? Sim, Sr. Presidente, acredito que poderemos.



Respeitosamente,


Afif Emile Safieh.



Afif Emile Safieh é Embaixador Palestino Itinerante para Missões Especiais e antigo chefe da missão diplomática palestina em Londres, Washington e Moscou.


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