[*] Neve Gordon, Al-Jazeera (reproduzido em Counterpunch)
Benjamin Netanyahu faz mágica. Ainda na 6ª-feira (20/3/2015),
a maioria das pesquisas indicava que seu partido Likud conquistaria em torno de
21 cadeiras no Parlamento israelense, quatro cadeiras a menos que o Campo
Sionista (Partido Labor, com nome novo) de Yitzhak (Bougie) Herzog. Revelações
de corrupção na residência do primeiro-ministro, seguidas de relatório
devastador sobre a crise imobiliária real, além do encolhimento da indústria,
greves sindicais, previsões de economia fraca, impasse diplomático e crescente
isolamento internacional, tudo parecia indicar que Netanyahu estaria de saída.
Mas quando mais parecia que o Campo Sionista substituiria o campo nacionalista,
o exímio marqueteiro de campanhas eleitorais começou a tirar seus coelhos da
cartola.
Como se não bastasse a decisão de atropelar o governo Obama
na questão das negociações com o Irã, Netanyahu pôs-se a martelar a favor da
direita, dando a conhecer ao mundo que
os palestinos estariam condenados para sempre a jamais ter estado seu, dado que
ele já não promoveria a criação de mais um estado árabe para cercar Israel.
Apresentou o partido Likud como vítima de uma conspiração da “mídia”
esquerdista para derrubar o governo da direita. E convenientemente não disse a
ninguém que seu aliado Sheldon Adelson é o proprietário do jornal Yisrael
Hayom, o jornal impresso de maior circulação em todo o país. Convidou seus
eleitores a voltar para “casa”, prometendo dar conta de todas suas carências
econômicas. E no próprio dia das eleições, aterrorizou os judeus com
declarações de que os cidadãos palestinos de Israel estariam correndo às urnasem multidões, apresentando os palestinos, que votam em seus próprios
candidatos, como se fossem mais uma ameaça existencial.
A poção envenenada de Netanyahu é feita com campanhas para
gerar medo, muito ódio racista contra árabes e ódio militante contra a esquerda
política. Pelo que agora se vê, muitos eleitores foram realmente envenenados.
Em questão de poucos dias, Netanyahu conseguiu virar a favor dele votos
suficientes para eleger mais dez candidatos do seu partido, canibalizando dois
dos seus aliados da extrema direita: o partido de Avigdor Lieberman e o partido
de Naftali Bennett. Graças à mágica-veneno de Netanyahu, o Likud saiu-se muito
melhor do que esperava, e em coalizão com os partidos ultra-ortodoxos e um novo
partido recém criado por um ex-ministro do Likud, o partido Kulanu (All of US),
será muito provavelmente criado um bloco de extrema direita, com 67 dos 120
assentos com direito a voto (e isso ainda antes de se computarem os votos dos
soldados, que em geral são de centro-direita).
Esse resultado é claro: o povo de Israel votou a favor do
Apartheid.
Agora é extremamente provável que volte à tona uma leva de leis antidemocráticas que haviam sido
engavetadas. Entre essas, as leis que monitoram e limitam o financiamento de
ONGs de direitos humanos, restringem a liberdade de expressão, reduzem aautoridade da Suprema Corte, cancelam o status oficial da língua árabe e,
claro, levam a votação a lei do estado-nação. Essa lei, originalmente proposta
por um membro do Likud, define a judaicidade como padrão do estado em todas as
instâncias, legal ou legislativa – na qual conflitam as definições de “estado
judeu” e “estado democrático”. Significa que as leis que garantem direitos
iguais a todos os cidadãos israelenses podem ser derrubadas, sob a alegação de
que não respeitam o “estado judeu”. Além disso, essa lei reserva direitos
comunitários só para judeus; nega portanto aos cidadãos palestinos qualquer
tipo de identidade nacional.
Além da legislação antidemocrática, podemos esperar todo um
desfile de políticas de discriminação. O novo governo provavelmente
implementará alguma variação do Plano Prawer, que visa a realocar à forçamilhares de beduínos palestinos e tomar a terra que pertence a eles.
Continuarão a jorrar bilhões de dólares nas colônias israelenses na Cisjordânia
e nas colinas do Golan, e mais casas serão expropriadas em Jerusalém Leste. E
provavelmente serão presos milhares de refugiados e trabalhadores migrantes
“ilegais” que atualmente vivem e trabalham em cidades israelenses.
Mas, sim, os resultados dessas eleições trazem uma
importante vantagem: afinal, as coisas estão postas às claras.
Agora, pelo menos, caiu a fachada sionista liberal, que
camuflava a disposição de Israel para fazer avançar seu projeto colonial. O
refrão israelense, de que não se poderia alcançar solução diplomática com os
palestinos, porque os palestinos não teriam liderança, soará mais vazio, a cada
dia. Finalmente, já se pode ver que pretender que Israel seria a única
democracia no Oriente Médio é o que é: meia verdade. Israel só é democracia
para judeus. Para palestinos, é regime repressor.
Deve-se também esperar pouca resistência contra o governo de
extrema direita, porque o Campo Sionista de Herzog e o partido de Yair Lapid
também são arabofóbicos e, portanto, pouco lutarão contra a substância racista
do novo governo, embora talvez lutem contra o estilo direitista agora já
desavergonhado de Netanyahu.
Afinal de contas, nos dias antes da eleição via-se um só
pacote político, com enormes cartazes que mostravam foto de (Bibi) Netanyahu e
seu adversário, representante oficial da extrema direita, Naftali Bennett, em
que se lia que “Com Bibibennet continuaremos contra os palestinos por toda a
eternidade”. A dupla deve ter esquecido o fato de que 20% dos cidadãos
israelenses são palestinos.
Pois mesmo assim, durante essas eleições, um raio de
esperança brilhou na escuridão. O esforço concentrado de quase todos os
partidos judeus para excluir os cidadãos palestinos produziu um efeito não
esperado. Criando uma frente unida, os palestinos conquistaram 14 cadeiras no
Parlamento, 25% a mais do que jamais antes. Hoje, os palestinos já são a
terceira maior força no Knesset.
Diferente de seus contrapartes noutros partidos, Ayman Odeh,
que preside a nova Lista Árabes Unidos, é líder genuíno. Extremamente incisivo,
é orador que muitas vezes se serve de muita ironia para ridicularizar seus
detratores, ao mesmo tempo em que divulga incansavelmente sua visão igualitária
do futuro. Num raro momento de sinceridade, uma conhecida jornalista
comentarista israelense denunciou a atitude de Odeh, para ela uma grave ameaça:
“É homem muito perigoso”, disse ela. “Ele projeta algo com que todos os
israelenses podem relacionar-se”.
Será essa “ameaça” capaz de deter a iminente avalanche de
novas leis de Apartheid em Israel? Sinceramente, duvido.
[*] Neve Gordon é judeu, residente em Israel, nasceu nos EUA
em 15/6/1965, é professor de Política e Governo na Universidade Ben-Gurion do
Negev, onde leciona sobre questões relacionadas com o conflito
israelense-palestino e direitos humanos. Pertencente à terceira geração de
Israel, Gordon fez o serviço militar em uma unidade de paraquedistas tendo
sofrido ferimentos graves na ação em Rosh Hanikra; como resultado ele tem uma
deficiência motora de 42%. Durante a Primeira Intifada atuou como diretor dos
Médicos pelos Direitos Humanos em Israel. É membro ativo da Ta’ayush, uma
parceria entre árabes e judeus. Identifica-se como membro do campo da paz
israelense e descreve Israel como um Estado de “apartheid” e apoia o movimento
Boicote, Desinvestimento e Sanções contra Israel.
Gordon recebeu seu doutorado na Universidade de Notre Dame
(EUA) em 1999, e tem sido professor visitante na University of Califórnia -
Berkeley, University of Michigan e na Universidade de Brown.
Seus
artigos são usualmente publicados no LA Times, The Washington Post, The Nation,
The Guardian, Haaretz,The Jerusalem Post, The Chicago Tribune, Boston Globe, In
These Times, The National Catholic Reporter, Al Jazeera, The Chronicle of
Higher Education e CounterPunch.
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