quarta-feira, 25 de março de 2015

Senhor Obama, ainda está em tempo de reconstruir o Oriente Médio

Numa carta aberta ao presidente dos Estados Unidos, uma liderança palestina exorta os Estados Unidos a intensificar os esforços de paz após a reeleição israelense de Benjamin Netanyahu. A carta foi publica originalmente no jornal britânico The Independent no domingo de 22 de março de 2015 sob o título de “Mr. Obama, there is still  time to remake the Middle East”.


Obama e Netanyahu




Caro Senhor Presidente,


A América é uma sociedade fascinante. É uma nação de nações: o mundo em miniatura. Cada continente, cada cultura e civilização está representada dentro de suas fileiras.


Em nosso mundo unipolar, o não alinhamento não é mais a opção política dos países do Terceiro Mundo que temiam uma colisão ou conluio das duas superpotências rivais. Em contrapartida, isso é que deve caracterizar a política externa americana. Porque se os EUA se alinham com um protagonista beligerante num conflito regional, isso não só aliena e antagoniza desnecessariamente todos os demais países na área, mas também ofende e marginaliza um componente doméstico de seu próprio tecido nacional e social.


Uma recente pesquisa mostrou que 66 por cento dos americanos queriam neutralidade dos EUA no conflito israelense-palestino.

Sr. Presidente,


No circuito de palestras nos Estados Unidos, fui muitas vezes interpelado sobre os meus sentimentos relativos à sua candidatura à Casa Branca. Minha resposta habitual era: “Como um diplomata estrangeiro, devo me abster de opinar sobre assuntos internos americanos, mas minha esposa acredita que Barak Obama está reavivando o idealismo americano e é o único candidato capaz de conciliar a América consigo mesma e com o mundo”.


Depois de vários começos promissores de sua parte, especialmente o discurso no Cairo acerca da abertura de um novo capítulo nas relações americano-árabes e americano-muçulmanas, é de conhecimento público que Netanyahu disse ao seu círculo mais próximo, à véspera de uma de suas visitas aos EUA: “Sou mais forte do que esse homem em Washington, DC”. Em seus reiterados confrontos de vontades, Netanyahu inegavelmente vem levando a melhor. Comentaristas escreveram que ele deu um tiro no próprio pé, mas, até agora, isso não parece tê-lo afetado.


Na semana passada, as eleições israelenses para o Parlamento foram reveladoras.  Pública e categoricamente, Netanyahu rejeitou não só um estado palestino, mas eleitores palestinos. Para ele, somos uma ameaça tanto como nação quanto como indivíduos. 


O lado palestino e árabe tem sido o que denomino de “irracionalmente racional” em sua busca por um acordo negociado. Eles não ameaçam mais a existência de Israel, apenas questionam sua expansão. Hoje, todavia, não se pode deixar de concluir que aquilo que é democraticamente aceitável para um lado, é totalmente inaceitável para o outro. E talvez resida nisso a maior falha no processo de paz como foi coreografado até agora. Coisas demais foram deixadas para os beligerantes locais resolver.


O lado palestino negociou à mercê de um equilíbrio desconfortável de forças, pois o processo permaneceu refém das políticas domésticas israelenses. Israel era constantemente inclinado a ditar o limite do possível e do aceitável. A opinião pública israelense queria um resultado diplomático que refletisse a intransigência israelense, o alinhamento americano com Israel, o declínio russo, a abdicação europeia, a impotência árabe e o que eles esperavam que fosse a resignação palestina.


Os últimos 24 anos de pacificação teórica não foram anos de retiradas territoriais israelenses, mas anos nos quais testemunhamos a expansão da ocupação por meio do crescimento dos assentamentos ilegais. O impasse diplomático hoje não é devido a uma rejeição árabe da existência de Israel, mas precisamente da rejeição por parte de Israel da sua própria aceitação pelos árabes. Especificamente, Israel persiste em sua recusa a renunciar à aquisição territorial feita em 1967.


Sr. Presidente, ante as decepções acumuladas nos últimos seis anos, permita-me partilhar com o senhor três observações as quais, acredito, podem ser úteis no planejamento do caminho futuro:


Primeiro, o senhor não parece ter se dado conta da mudança verificada no centro de gravidade dentro da comunidade judaica americana. Ela percebe cada vez mais as políticas e as práticas israelenses como uma fonte de constrangimento para uma comunidade de americanos que se acostumaram a ser a vanguarda dos direitos humanos e civis. Relegada, devido a sua ligação com Israel, a defender o indefensável, essa comunidade sente muito desconforto com as escolhas feitas por Israel e consideraria bem-vinda uma abordagem mais assertiva por parte dos EUA.


Em segundo, ao contrário do seu irritante antecessor, um unilateralista impenitente, o senhor é autêntica e genuinamente um multilateralista. Mesmo assim, o senhor tem feito um uso insuficiente de seus parceiros europeus e internacionais para se contrapor às pressões domésticas. A Europa é ainda um ator em busca de um papel. Nós, no Oriente Médio, temos um papel à procura de um ator. É interesse de todos se afastar da impotência autoinfligida dos atores externos.


Terceiro – e até agora, Sr. Presidente – o senhor não demonstrou coragem para corresponder à audácia dos cidadãos americanos que ousaram, contra todas as probabilidades e preconceitos, votar no senhor para o cargo. Não apenas uma, mas duas vezes. Sucessivas administrações americanas têm dito que um estado palestino está no interesse nacional americano; que a América está comprometida com a existência de Israel, mas não com sua expansão; que o problema irresoluto palestino é prejudicial aos interesses dos EUA e é um agente importante de recrutamento para movimentos extremistas. Netanyahu teimosamente quer projetar a imagem de um conluio americano-israelense para manter os EUA em curso de colisão com o mundo árabe-islâmico.


Sr. Presidente, suspeito que o senhor ficará surpreso com o massivo apoio que lhe será dado, tanto interna, quanto internacionalmente, se o senhor vincular a ajuda dos EUA a Israel ao aconselhamento americano. Resumindo: se o senhor quiser reconciliar o poder americano com os princípios americanos. Responder ao clamor palestino por liberdade, ou seja, fim da ocupação e servidão, é crucial para a credibilidade, respeitabilidade e – ouso dizer - amabilidade dos EUA. 


Com um simples telefonema, em 1956, o presidente Eisenhower conseguiu que David Ben Gurion se retirasse do Sinai ocupado – e durante um ano de campanha presidencial. Comparado a Ben Gurion, Netanyahu parece um cordeiro.


Temos ainda mais dois anos. Se a vontade internacional tiver primazia sobre o capricho nacional israelense, um território que foi ocupado em seis dias, em 1967, pode também ser evacuado em seis dias, de forma que os israelenses possam descansar no sétimo, e nós poderemos finalmente nos lançar na fascinante jornada da construção do estado e da recuperação econômica.

Poderemos realmente testemunhar um outro momento Eisenhower? Sim, Sr. Presidente, acredito que poderemos.



Respeitosamente,


Afif Emile Safieh.



Afif Emile Safieh é Embaixador Palestino Itinerante para Missões Especiais e antigo chefe da missão diplomática palestina em Londres, Washington e Moscou.


........................................................................................


Veja as ultimas publicações:


Mar 2015



Fev 2015


Jan 2015






Dez 2014




 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Seguidores: