Numa carta aberta ao presidente dos
Estados Unidos, uma liderança palestina exorta os Estados Unidos a intensificar
os esforços de paz após a reeleição israelense de Benjamin Netanyahu. A carta foi publica originalmente
no jornal britânico The Independent no domingo de 22 de março de 2015 sob o
título de “Mr. Obama, there is still
time to remake the Middle East”.
Sr. Presidente,
Caro Senhor Presidente,
A América é uma sociedade fascinante.
É uma nação de nações: o mundo em miniatura. Cada continente, cada cultura e
civilização está representada dentro de suas fileiras.
Em nosso mundo unipolar, o não
alinhamento não é mais a opção política dos países do Terceiro Mundo que temiam
uma colisão ou conluio das duas superpotências rivais. Em contrapartida, isso é
que deve caracterizar a política externa americana. Porque se os EUA se alinham
com um protagonista beligerante num conflito regional, isso não só aliena e
antagoniza desnecessariamente todos os demais países na área, mas também ofende
e marginaliza um componente doméstico de seu próprio tecido nacional e social.
Uma recente pesquisa mostrou que 66
por cento dos americanos queriam neutralidade dos EUA no conflito
israelense-palestino.
Sr. Presidente,
No circuito de palestras nos Estados
Unidos, fui muitas vezes interpelado sobre os meus sentimentos relativos à sua
candidatura à Casa Branca. Minha resposta habitual era: “Como um diplomata
estrangeiro, devo me abster de opinar sobre assuntos internos americanos, mas minha
esposa acredita que Barak Obama está reavivando o idealismo americano e é o
único candidato capaz de conciliar a América consigo mesma e com o mundo”.
Depois de vários começos promissores
de sua parte, especialmente o discurso no Cairo acerca da abertura de um novo
capítulo nas relações americano-árabes e americano-muçulmanas, é de
conhecimento público que Netanyahu disse ao seu círculo mais próximo, à véspera
de uma de suas visitas aos EUA: “Sou mais forte do que esse homem em Washington,
DC”. Em seus reiterados confrontos de vontades, Netanyahu inegavelmente vem
levando a melhor. Comentaristas escreveram que ele deu um tiro no próprio pé,
mas, até agora, isso não parece tê-lo afetado.
Na semana passada, as eleições
israelenses para o Parlamento foram reveladoras. Pública e categoricamente, Netanyahu rejeitou
não só um estado palestino, mas eleitores palestinos. Para ele, somos uma
ameaça tanto como nação quanto como indivíduos.
O lado palestino e árabe tem sido o
que denomino de “irracionalmente racional” em sua busca por um acordo
negociado. Eles não ameaçam mais a existência de Israel, apenas questionam sua
expansão. Hoje, todavia, não se pode deixar de concluir que aquilo que é
democraticamente aceitável para um lado, é totalmente inaceitável para o outro.
E talvez resida nisso a maior falha no processo de paz como foi coreografado
até agora. Coisas demais foram deixadas para os beligerantes locais resolver.
O lado palestino negociou à mercê de
um equilíbrio desconfortável de forças, pois o processo permaneceu refém das
políticas domésticas israelenses. Israel era constantemente inclinado a ditar o
limite do possível e do aceitável. A opinião pública israelense queria um
resultado diplomático que refletisse a intransigência israelense, o alinhamento
americano com Israel, o declínio russo, a abdicação europeia, a impotência
árabe e o que eles esperavam que fosse a resignação palestina.
Os últimos 24 anos de pacificação
teórica não foram anos de retiradas territoriais israelenses, mas anos nos
quais testemunhamos a expansão da ocupação por meio do crescimento dos
assentamentos ilegais. O impasse diplomático hoje não é devido a uma rejeição
árabe da existência de Israel, mas precisamente da rejeição por parte de Israel
da sua própria aceitação pelos árabes. Especificamente, Israel persiste em sua
recusa a renunciar à aquisição territorial feita em 1967.
Sr. Presidente, ante as decepções
acumuladas nos últimos seis anos, permita-me partilhar com o senhor três
observações as quais, acredito, podem ser úteis no planejamento do caminho
futuro:
Primeiro, o senhor não parece ter se
dado conta da mudança verificada no centro de gravidade dentro da comunidade
judaica americana. Ela percebe cada vez mais as políticas e as práticas
israelenses como uma fonte de constrangimento para uma comunidade de americanos
que se acostumaram a ser a vanguarda dos direitos humanos e civis. Relegada,
devido a sua ligação com Israel, a defender o indefensável, essa comunidade
sente muito desconforto com as escolhas feitas por Israel e consideraria
bem-vinda uma abordagem mais assertiva por parte dos EUA.
Em segundo, ao contrário do seu
irritante antecessor, um unilateralista impenitente, o senhor é autêntica e
genuinamente um multilateralista. Mesmo assim, o senhor tem feito um uso
insuficiente de seus parceiros europeus e internacionais para se contrapor às
pressões domésticas. A Europa é ainda um ator em busca de um papel. Nós, no
Oriente Médio, temos um papel à procura de um ator. É interesse de todos se
afastar da impotência autoinfligida dos atores externos.
Terceiro – e até agora, Sr.
Presidente – o senhor não demonstrou coragem para corresponder à audácia dos
cidadãos americanos que ousaram, contra todas as probabilidades e preconceitos,
votar no senhor para o cargo. Não apenas uma, mas duas vezes. Sucessivas
administrações americanas têm dito que um estado palestino está no interesse
nacional americano; que a América está comprometida com a existência de Israel,
mas não com sua expansão; que o problema irresoluto palestino é prejudicial aos
interesses dos EUA e é um agente importante de recrutamento para movimentos
extremistas. Netanyahu teimosamente quer projetar a imagem de um conluio americano-israelense
para manter os EUA em curso de colisão com o mundo árabe-islâmico.
Sr. Presidente, suspeito que o senhor
ficará surpreso com o massivo apoio que lhe será dado, tanto interna, quanto
internacionalmente, se o senhor vincular a ajuda dos EUA a Israel ao
aconselhamento americano. Resumindo: se o senhor quiser reconciliar o poder
americano com os princípios americanos. Responder ao clamor palestino por
liberdade, ou seja, fim da ocupação e servidão, é crucial para a credibilidade,
respeitabilidade e – ouso dizer - amabilidade dos EUA.
Com um simples telefonema, em 1956, o
presidente Eisenhower conseguiu que David Ben Gurion se retirasse do Sinai
ocupado – e durante um ano de campanha presidencial. Comparado a Ben Gurion,
Netanyahu parece um cordeiro.
Temos ainda mais dois anos. Se a
vontade internacional tiver primazia sobre o capricho nacional israelense, um
território que foi ocupado em seis dias, em 1967, pode também ser evacuado em
seis dias, de forma que os israelenses possam descansar no sétimo, e nós
poderemos finalmente nos lançar na fascinante jornada da construção do estado e
da recuperação econômica.
Poderemos realmente testemunhar um
outro momento Eisenhower? Sim, Sr. Presidente, acredito que poderemos.
Respeitosamente,
Afif Emile Safieh.
Afif Emile Safieh é
Embaixador Palestino Itinerante para Missões Especiais e antigo chefe da missão
diplomática palestina em Londres, Washington e Moscou.
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