A estratégia da Organização para a Libertação da Palestina
para contornar o impasse nas negociações com Israel é afirmar o Estado da
Palestina como ator internacional, mas a responsabilização israelense por
crimes de guerra também é prioridade. Em entrevista, o ex-chanceler Nabil
Shaath explicou os avanços para a conferência entre Estados parte da Quarta
Convenção de Genebra e a votação de uma resolução no Conselho de Segurança da
ONU pelo fim da ocupação.
Por Moara Crivelente*, para o Vermelho
“Estamos num esforço de três linhas principais”, explicou
Shaath, por telefone, nesta segunda-feira (15): “A primeira é buscar o
reconhecimento do Estado independe da Palestina nas fronteiras de 1967, com
capital em Jerusalém Oriental, conforme as resoluções da Organização das Nações
Unidas (ONU).” Ao todo, 135 países já reconhecem o Estado da Palestina,
inclusive oito europeus e os independentes da América Latina e Caribe, à
exceção da Colômbia, Panamá e México.
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Shaath, que foi o chefe das negociações na OLP (1988-1997) e
ministro das Relações Exteriores (1994-2006), pontua que isso “é uma forma de
reafirmar legal e politicamente os direitos dos palestinos ao seu Estado.”
Atualmente, ele compõe o Comitê Central da OLP e do partido Fatah. Sua experiência
colocou-o em contato direto com o chamado “processo de paz de Oslo”, uma série
de conferências para negociações e acordos mediados principalmente pelos EUA,
durante a década de 1990. A assinatura do primeiro texto, a Declaração de
Princípios, aconteceu em 1993.
Para o ex-chanceler, a estratégia empenhada pelos palestinos
agora é uma alternativa ao impasse estrutural e aparentemente intransponível do
“paradigma” enraizado nesse processo de paz. A mediação acabou dominada pelos
Estados Unidos, aliados primários de Israel, sem qualquer amostra de intenção
real de mudança ou superação do status quo. Durante os últimos 20 anos, o
conjunto de acordos que deveriam ser temporários entranhou na Palestina as
várias facetas da ocupação israelense, inclusive a proliferação das colônias
ilegais e a construção de um muro de oito metros de altura, com mais de 700
quilômetros de extensão, anexando ainda mais porções da Cisjordânia
restringindo a movimentação dos palestinos.
Os avanços da ocupação traçam a inviabilidade da chamada
“solução de dois Estados”, o consenso internacional para o estabelecimento do
Estado da Palestina, vizinho ao de Israel. Além disso, a restrição da
movimentação dos palestinos, a segregação relativa aos colonos israelenses (com
estruturas e permissões de mobilidade e leis distintas, por exemplo) e as
detenções arbitrárias sujeitas à tortura e à falta de julgamentos por longos
períodos são amostras das diversas violações da Quarta Convenção de Genebra,
assinada em 1949 (inclusive por Israel), “relativa à proteção dos civis em
tempos de guerra”.
No texto, as obrigações de uma “Potência Ocupante” estão bem
definidas, mas Israel rechaça esta definição por completo, negando a
classificação do regime que impõe sobre a Cisjordânia, a Faixa de Gaza e
Jerusalém Oriental, enquanto “ocupação”. Shaath explica: “os israelenses alegam
que se tratam de territórios em disputa”, uma forma de esquivarem-se das
obrigações estabelecidas pela Convenção. Para isso, mantêm uma narrativa
religiosa “de quatro mil anos atrás” segundo a qual o “povo judeu merece”
aquela terra. A manipulação da religião ou outras identidades para a
colonização não é novidade no caso da Palestina, mas parece nunca ter durado e
inculcado tanto.
Por outro lado, a mudança no cenário internacional, de um
mundo unipolar dominado pelos Estados Unidos para a multipolaridade, tem
impulsionado a questão palestina, continuou o diplomata. “Veja o que acontece
com o Brasil, ou a América Latina, onde os países fortalecem suas democracias e
sua soberania, como atores importantes no âmbito global.” Com a Europa, a
Rússia, o Brasil e outros atores, diz Shaath, “temos a chance de mudar as
coisas, tirando as negociações das mãos dos Estados Unidos, pressionando para
tornar possível um acordo. Apenas com os EUA como facilitador não fizemos
qualquer avanço em 20 anos, pelo contrário!”
Soldados israelenses vasculham veículos e revistam
palestinos em um posto de controle próximo a Hebron, em junho, quando a
"operação militar Guardião Fraterno" foi lançada na Cisjordânia.
(Foto: Reuters)
O Parlamento Europeu prepara uma votação sobre o
reconhecimento do Estado da Palestina. A Suécia foi o primeiro grande país da
União Europeia a já afirmar o reconhecimento, enquanto Espanha, Portugal,
França, Bélgica e Reino debatiam a questão em seus Parlamentos, com resoluções
que pedem aos governos o reconhecimento já aprovadas. Para o ex-chanceler, a
Europa reavalia suas posições porque a opinião pública tem pressionado os
governos, principalmente depois dos 50 dias de bombardeios israelenses contra a
Faixa de Gaza, em julho e agosto, que mataram cerca de 2.200 palestinos,
devastando o estreito território sitiado pela terceira vez em cinco anos. Além
disso, a violência intensificada também na Cisjordânia e Jerusalém Oriental
revela o que é de fato um longo histórico de opressão sistemática, e não casos
isolados de agressão. “As pessoas têm reconhecido a justiça da causa palestina
por autodeterminação”, disse o diplomata.
Alternativas do Direito Internacional
Em 2001, quando Shaath ainda era o chanceler palestino, a
Suíça já havia convocado uma conferência entre os Estados signatários das
Convenções de Genebra de 1949 para discutir a situação na Palestina. O objetivo
foi avaliar as violações israelenses, sobretudo com base na classificação de
Israel como “Potência Ocupante” com obrigações. Diversos artigos da Quarta
Convenção proíbem a deportação, transferência ou evacuação de habitantes, a
destruição de propriedades, a mudança da demografia e a construção de colônias
ou transferência da população do ocupante para os territórios ocupados. Também
reforçam obrigações sobre o acesso a alimentos e remédios, assistência
humanitária, condições de trabalho, condições dignas de vida, julgamentos
justos, leis penais, tratamento dos detidos, entre tantos outros. Os artigos
são praticamente descrições das violações perpetradas no regime israelense
imposto aos palestinos em seus territórios. O Estatuto de Roma ao que os
palestinos têm trabalhado para aceder, que constitutiu a Corte Penal
Internacional (em vigor desde 2002), também define ações reconhecidas como
"crimes de guerra":
Além disso, por exemplo, em 2004, o Tribunal Internacional
de Justiça também emitiu uma Opinião Consultiva (demandada pela Assembleia
Geral da ONU) em que afirmava: “a construção do muro erguido por Israel, a
Potência Ocupante, no Território Palestino Ocupado, inclusive dentro e ao redor
de Jerusalém Oriental, assim como seu regime associado [postos de controle,
pedidos de permissão para movimentação, etc] são contrários ao direito
internacional (...) e Israel é obrigado a cessar os trabalhos de construção
(...), a desmantelar a estrutura ali situada e a repelir ou declarar sem efeito
os atos legislativos ou regulatórios relativos a ela.”
A conferência de 2001 resultou num relatório de avaliação
contundente sobre as violações israelenses, mas como em outras ocasiões, a
pressão política enterrou o documento. Naquele momento, novos ensaios
diplomáticos confrontaram-se com o aumento da violência na Cisjordânia, o
nascer da segunda intifada (levante) palestina e a repressão israelense, com
operações militares e invasões com tanques em campos de refugiados como o de Jenin, onde uma verdadeira batalha aconteceu entre os soldados israelenses e os
movimentos da resistência palestina, taxados de “terroristas”, ainda que
diversas convenções e resoluções também reconheçam o direito de povos como o palestino
a lutar contra a dominação estrangeira “através de todos os meios disponíveis”.
Esta quarta-feira (17), porém, pode ser um dia importante.
Além da Conferência entre a maioria dos 196 Estados partes das Convenções de
Genebra (que Shaath garantiu ter angariado pleno apoio internacional apesar das
pressões contrárias e oposição aberta de Israel, dos Estados Unidos, da
Austrália e do Canadá), uma proposta de resolução com um prazo para o fim da
ocupação israelense sobre os territórios palestinos também poderá ser votada no
Conselho de Segurança da ONU. A proposta deve ser encaminhada nesta
segunda-feira pela Jordânia e pela Palestina.
O órgão já lidou com a questão palestina de forma
majoritariamente negativa diversas vezes no passado, enquanto os EUA, membro
permanente com poder de veto, barraram mais de 50 resoluções que condenariam a
política israelense de ocupação. Ainda assim, em 1980, ano em que o governo
israelense aprovou leis para a anexação da porção palestina de Jerusalém e de
outros territórios ocupados (as leis omitem a palavra “anexação” para usarem os
termos “extensão da jurisdição israelense”), a resolução 465 do Conselho de
Segurança reafirmava de forma unânime a ilegalidade da construção de colônias
israelenses nos territórios palestinos ocupados.
Shaath explica que a proposta de resolução palestina pede um
prazo de dois anos para a retirada das tropas e das colônias israelenses (uma
contraproposta da França transforma esta parte em um “período para a negociação
de um estatuto final”), o estabelecimento do Estado independente da Palestina
nas fronteiras de 1967 (anteriores à Guerra de Junho daquele ano, quando Israel
avançou na ocupação de territórios palestinos e de outros vizinhos árabes), com
Jerusalém Oriental como capital. Esta configuração inclui apenas 22% da
Palestina histórica, numa concessão de 78% do território a Israel. É assim que
135 países já reconhecem o Estado palestino hoje, apesar das lacunas
estruturais a serem superadas para a sua efetivação.
O primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu refere-se
às estratégias palestinas como “trapaças” e “agressões diplomáticas”. Seu
governo já impôs sanções ao governo palestino, acusando-o de rejeitar as
negociações, por exemplo, congelando o repasse dos impostos que recolhe pelas
exportações palestinas. Netanyahu reuniu-se com o secretário de Estado dos EUA
John Kerry em Roma, nesta segunda-feira, para pressionar contra a resolução.
Kerry também deve reunir-se com chanceleres dos países árabes, que afirmaram
apoio à estratégia palestina.
Enquanto movimentos massivos em diversos países fortaleceram
a demanda contra a política israelense de ocupação da Palestina e das ofensivas
reiteradas contra a Faixa de Gaza, a Cisjordânia e Jerusalém Oriental, os
esforços no sentido do direito internacional são rechaçados pela liderança israelense ou apresentados quase como atos de guerra. Os apelos populares,
inclusive dentro de Israel, pelo fim dessas políticas de um verdadeiro regime
de apartheid, são temidos pelo governo israelense, apreensivo com a ideia de
ver-se no banco dos réus, finalmente.
*Moara Crivelente é cientista política, jornalista e membro
do Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e Luta pela Paz (Cebrapaz),
assessorando a presidência do Conselho Mundial da Paz.
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Dez 2014
Nov 2014
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