Por Mohamad Hadjab
O ataque ocorrido esta quarta-feira 07 de janeiro contra o jornal satírico francês Charlie Hebdo não é só um ataque contra a liberdade de imprensa, e/ou contra o estado democrático de direito que a França encarna, mas, sobretudo um ataque contra os valores sagrados do Islã. Se nenhuma certeza comprova a origem islâmica dos autores desse atentado, ao gritarem "Deus é grande!" em árabe.. o mal foi feito.
Efetivamente, se os assassinos desse horrível atentado se expressaram em árabe por meio da expressão "Ala u akbar" (Deus é grande) enquanto acrescentaram querer vingar o profeta (Mohammed), foi o próprio islã, suas tradições, bem como seus valores que eles sujaram, atraiçoaram e assassinaram. Aqueles que são hoje e serão amanhã os principais reféns dessa barbaridade ocorrida na França são os membros da comunidade muçulmana (segunda maior religião praticada na França) que mais uma vez são injuriados, estigmatizados e acusados de todos os mais que se abaterão sobre a França como isso acontece já há mais de quinze anos. Na final das contas, a islamofobia é uma moeda política.
Os muçulmanos da França, sejam eles franceses ou residentes, devem manifestar sua indignação relembrando os fundamentos islâmicos, que são a paz e a tolerância. Aliás, o termo islã não contem o trilítero "Slm" que também originou a palavra árabe "Salam" que significa paz? Os mesmos muçulmanos devem cada vez mais se organizar na sociedade francesa à qual eles pertencem, defendo seu espaço dentro dela: eu farei minhas as palavras do pesquisador sociólogo argelino Abdelmalek Sayad : "Existir significa existir politicamente". Já chegou a hora desta frase escoar nos corações e mentes dos muçulmanos da França e do mundo inteiro antes de eles serem engolidos pela onda " à la mode" de islamofobia que não cessa de se estender na França e na Europa1 como isso já ocorreu nos anos 30 contra a comunidade judaica. Cada época precisa do seu bode expiatório e o islã foi designado em substituição ao judaísmo, comunismo ou outros!
Um dos principais sucessos literários nas livrarias francesas se chama "le suicide français" (O suicido francês) escrito pelo jornalista e ensaísta islamofóbico Eric Zemmour, que, numa entrevista dada ao jornal italiano "Corriere della Sera2" cogita a eventual deportação dos cinco milhões de muçulmanos vivendo no território francês. O escritor e premiado Michel Houellebeq que declarou que a religião mais babaca era o islã3, acabou de publicar uma obra intitulada "Soumission" (Submissão) que narra a chegada ao poder na França de um partido político muçulmano como se tratasse de uma novela profética exaltando o medo coletivo presente na França quando se trata do islã. Tantos sinais de alerta que mostram o quanto a islamofobia constitui um comércio lucrativo dentro de uma França que se afasta cada vez mais dos seus valores universais e entre eles a liberdade, a democracia, a separação do poder temporal e espiritual e também a liberdade de culto.
O jornal francês satírico 'Charlie Hebdo' - anteriormente libertário e anárquico - se tornou cada vez mais extremista e particularmente virulento contra os muçulmanos sob a nova direção de Philippe Val, acabou de perder bem como o país inteiro, seus melhores caricaturistas, sob as balas de assassinos. Eu não compartilho o humor e os ataques fáceis por meio de caricaturas contra os muçulmanos e sua religião, publicado pelo jornal francês sendo lucrativo, porém, como o fala essa frase geralmente atribuída ao filósofo das luzes Voltaire "Posso não concordar com o que você diz, mas defenderei até a morte o seu direito de dizê-lo". Mas isso não impede de afirmar que a liberdade também possui seus próprios limites.
Este ataque mostra o mal-estar social e econômico presente na sociedade francesa em relação a uma parte da sua população hoje em dia definida como muçulmana, e antigamente como árabe, cuja presença na França demonstra a relação ambígua que essa grande nação europeia mantém, não só com a outra margem do Mediterrâneo (Norte da África e, especialmente, com a sua ex-colônia Argélia), mas com parte da sua história feita de glória, conquista e miséria. As explosões racistas contra os muçulmanos se tornaram um esporte nacional na França, sendo que a maioria dessa comunidade ainda pertence ao Lumpen proletariado francês sem qualquer representação política ou econômica que lhe permite defender-se ou influenciar o debate político local. Se a França deve proceder a um verdadeiro exame de consciência sobre a colocação do árabe e do Islã no imaginário francês desde o século VIII, os muçulmanos devem reagir, lutando pela defesa dos seus direitos, mas também mostrando indignação quando radicais se substituem a eles cometendo o irreparável. Caso contrário, a situação pode piorar alargando o fosso e a incompreensão entre cidadãos levando a nação ao que mais desejam os inimigos da república: a um choque de civilizações.
MOHAMMED HADJAB
Especialista em Relações Internacionais.
1 http://noticias.r7.com/internacional/movimento-pegida-convoca-manifestacao-islamofobica-em-oslo-07012015
2 http://www.francetvinfo.fr/societe/zemmour-envisage-la-deportation-des-musulmans-cazeneuve-condamne_774555.html
3 http://www.huffingtonpost.fr/2015/01/06/michel-houellebecq-islam-soumission-musulman-religion_n_6372084.html
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Bob Fernandes / O atentado
na França... e os ódios no Brasil
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