quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

Empresa israelense oferece empregadas com valor tabelado por etnia

O racismo em Israel é parte de sua formação


Do Brasil 247 - por Plínio Zúnica*


O trabalho doméstico é, por si, um absurdo. Em Israel, porém, o absurdo ganha sempre novos limites, principalmente quando envolve a exploração de minorias étnicas, e com o trabalho doméstico não poderia ser diferente. Agora, na "única democracia do oriente médio", o valor da exploração do trabalho doméstico de uma mulher é tabelado por origem étnica.

"Precisa de uma empregada? Está cansado de ser multado por contratar imigrantes ilegais? Não quer contratar uma faxineira árabe por questões de segurança? Está cansado de seguir a lei e depois ser processado por empregados temporários?"


Esse é o texto no cabeçalho de um folheto publicitário que vem sendo distribuído nas vias mais movimentadas do norte de Tel Aviv, a cidade "mais progressista" de Israel. No dia 05 de fevereiro, a blogueira israelense Tal Schneider recebeu este panfleto e denunciou a empresa, que oferece serviços de diaristas e empregadas domésticas com valores diferenciados de acordo com a sua etnia.

A empresa oferece a "solução" para as aflições dos cidadãos israelenses, com um cardápio variado de mulheres para atender as necessidades e níveis de racismo de cada cliente. De acordo com o flyer, a empresa reconhece oficialmente que a carne mais barata do mercado é a carne negra, uma vez que contratar uma empregada doméstica vinda de países africanos custa 49,00 NIS (Shekel israelense, cuja cotação atual é de 1 para 1 com o Real). Uma empregada do Leste Europeu sai por 52,00 NIS por hora. Já a hora de trabalho uma empregada da parte ocidental da Europa custa 69,00 NIS, ou seja, uma mulher do "mundo civilizado" vale 40% mais do que uma africana.

O jornal israelense Mako entrou em contato com a empresa, que declarou que o anúncio é verdadeiro, que não há nenhum mal entendido, e que em Israel não é ilegal pagar salários diferentes por motivos raciais. Infelizmente, eles têm razão. A discriminação racial é legalizada em Israel, e casos como este não são nenhuma novidade na nação mais racista e xenófoba do planeta.

Não é nenhuma novidade que o apartheid racial é legalizado e amplamente normalizado na sociedade sionista. Um exemplo das leis que garantem o direito israelense de ser racista é o fato de que todo proprietário pode se recusar a alugar imóveis para não-judeus, e é muito comum que árabes e negros sejam considerados vizinhos indesejáveis. Pra além das medidas de racismo governamental, existem as práticas cotidianas de uma sociedade profundamente embriagada com a ideia de sua superioridade racial, como nos mostra o caso recente de dois palestinos que foram expulsos de um voo porque cerca de setenta israelenses se enfureceram com a ideia de dividir o seu precioso espaço com árabes. Ou podemos citar o caso de outubro de 2015, quando uma reportagem do Channel 2 de Israel revelou que os hotéis da rede Crown Plaza alertavam seus clientes israelenses de que, infelizmente, teriam que passar pelo inconveniente de terem que dividir as áreas comuns do hotel com árabes. Os exemplos são infinitos.

O racismo israelense não é novidade, porém é muito comum que se pense que o preconceito sionista seja apenas islamofóbico ou anti-palestino. A propaganda de doutrinação sionista costuma usar, muito desonestamente, a existência de judeus etíopes para alegar que não existe preconceito contra negros em Israel. O caso desta empresa, no entanto, é apenas mais um dos inúmeros exemplos que provam que a sociedade israelense não é apenas paranoica com "questões de segurança" e "terroristas muçulmanos". Israel é uma sociedade xenófoba e higienista, que não vê problemas em tabelar o valor de mulheres de acordo com a cor de sua pele e origem étnica, da mesma maneira que não vê problemas na existência de Holot, um campo de concentraçãono deserto do Negev, construído para encarcerar ilegalmente negros refugiados e depois deportá-los à força para destinos aleatórios. Afinal, colonização, racismo e exploração do trabalho são elementos indissociáveis, e o sionismo moderno não é nada mais do que a perpetuação do colonialismo europeu.


Para saber mais sobre o racismo israelense contra povos africanos, recomendo o site (em inglês) do jornalista David Sheen, que compila reportagens e relatórios de ataques sionistas contra populações negras.


*Plínio Zúnica - Estudante de Letras, viveu no Egito e na Palestina. Escreve também os blogs Descolonizações e Bebendo Blues. Contato: zuni.plinio@gmail.com 


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Matérias relacionadas com apartheid, racismo e xenofobia em Israel:



























terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

A falácia do diálogo com a academia israelense

Ilustração de Marlons Anjos


Do Blog JUNHO

Publicado originalmente no Counterpunch

Por Haim Bresheeth e Sherna Berger Gluck

(Tradução de Rejane Carolina Hoeveler)

Um argumento padrão contra o movimento de Boicote, Desinvestimento e Sanções (BDS) contra a ocupação israelense – e especialmente contra o boicote acadêmico – tem sido a “necessidade de dialogar” com os israelenses. De fato, durante os 46 anos de ocupação, numerosos esforços para “dialogar” têm sido repetidamente feitos, todos os quais são calorosamente abraçados por Israel e suas instituições acadêmicas.

O exemplo mais recente é uma conferência de “História Oral Internacional” organizada pela Universidade Hebraica de Jerusalém, com a participação do renomado historiador oral italiano Alessandro Portelli. Os temas da conferência incluíam estudos sobre trauma, estudos sobre holocausto e estudos sobre conflitos, evitando assiduamente, no entanto, qualquer referência ao Nakba.[1]

Tal elipse típica se tornou uma zona de batalha icônica ente os apoiadores dos direitos palestinos e os pró-israelenses, os quais promovem o “diálogo” e o “compromisso”. Não surpreende que a Universidade Hebraica evite esse assunto, dada sua cumplicidade com o trauma palestino em curso. A recém aprovada Lei Nakba em Israel proíbe mesmo a celebração do Nakba, portanto essa nulificação é parte de um projeto maior de negação israelense.

Foram feitos esforços privados para dissuadir os dois conferencistas escalados, e tornou-se claro que eles subscreviam firmemente o valor do “compromisso”, mesmo com uma instituição como a Universidade Hebraica, cuja cumplicidade na violação dos direitos palestinos e da lei internacional estão completamente documentadas. Seguindo essa discussão, a página original da conferência foi trocada, e uma referência elíptica pareceu abrir a porta para alguma discussão para a Nakba anteriormente não mencionada.

As questões envolvidas nessa conferência vão além de uma mal informada ou mal guiada participação dos conferencistas escalados; uma chamada pública para boicotar a conferência, assinada por 72 acadêmicos internacionais, foi lançada em agosto. Agora, em apenas um mês, existem mais de 250 assinaturas, das quais um terço é de historiadores orais de 19 países, incluindo África do Sul, Brasil, Espanha e Índia.

Como a discussão posterior sobre o boicote foi cortada na lista de emails dos Estados Unidos, onde a conferência foi inicialmente anunciada, uma mensagem postada pela organizadora da conferência foi o último comentário substantivo sobre a questão. Nele, ela afirma que boicotar a Universidade Hebraica “apenas serve como um desserviço a muitos indivíduos, organizações e comunidades que dedicam suas vidas profissionais e pessoais para encontrar uma resolução justa para o conflito”.[2] Então, o argumento para o “compromisso” era permitido, mas à comunidade acadêmica americana era negado o acesso as evidências constrangedoras para o boicote. De fato, eles estavam dando uma resposta a uma questão ainda sequer debatida publicamente.

A disputa entre os acadêmicos, e a timidez daqueles nos Estados Unidos comparados com outros pelo mundo, não é nova. Mais do que isso, representa um conflito mais profundo, relativo à questão mesma do “compromisso”.


A insensatez do “compromisso”


Os acadêmicos têm ido a conferências em Israel, especialmente em Jerusalém, durante longas cinco décadas de ocupação, “dialogando” com seus pares israelenses. Já é ruim o suficiente que essas participações não tenham resultado em absolutamente nada de positivo, mas, para piorar, eles se tornaram parte mesmo da estratégia política israelense: mais participação, discussão, encontros, negociações entre os lados ad infinitum. A atual fase de tais exercícios infrutíferos recentemente iniciada pelo Secretário de Estado John Kerry vai provavelmente se juntar às demais na lata de lixo da História.

Pior ainda, sob a aparência de continuar discussões e negociações – uma tática de adiamento desenvolvida pelo Primeiro-Ministro Shamir nos anos 1980[3] – Israel conseguiu adicionar 700.000 colonos ilegais nos Territórios Ocupados da Palestina e da Síria. Isso equivale ao número de refugiados palestinos que foram forçados a sair da Palestina em 1948 pelas forças israelenses e nunca retornaram, apesar de inúmeras resoluções da ONU.

Em mais de seis décadas de existência, Israel desafiou a ONU em todas as mais cruciais resoluções aprovadas sobre os direitos dos palestinos; instalou ilegalmente colonos nos territórios; desafiou a Convenção de Genebra numerosas vezes, incluindo aí sua “falha” em proteger a população sob ocupação. Entre outras coisas, se recusou a dar às universidades palestinas o direito de operar, e fechou as instituições palestinas existentes por longos períodos. Durante todo esse tempo, ninguém na academia israelense pediu pela reabertura das universidades palestinas, ou pela restituição da liberdade acadêmica na Palestina. As universidades israelenses foram diretamente cúmplices da violação israelense dos direitos humanos palestinos e das leis internacionais, e todas colaboraram de alguma forma com a ocupação militar, incluindo aí assistência ao complexo industrial-militar.[4] No caso da Universidade Hebraica de Jerusalém, seu campus de Mt. Scopus foi expandido dentro de terra ilegalmente confiscada e ocupada.

No entanto, em contraste com o caso do apartheid sul-africano, a maioria dos acadêmicos pelo mundo permaneceu calada por anos, mostrando pouca oposição aos crimes de Israel. Somente em 2005, seguindo o chamado da PACBI por um boicote acadêmico, o BDS e o boicote acadêmico começaram a sério no Reino Unido. Desde então, o BRICUP (Comitê Britânico pelas Universidades na Palestina, na sigla em inglês) tem se envolvido em diversas ações de sucesso, incluindo a retirada do famoso físico Stephen Hawking da conferência presidencial de 2013 – uma ação que galvanizou cientistas e acadêmicos pelo mundo.[5]

Quatro anos após a fundação da BRICUP, e em resposta a Operação Cast Lead[6] campanhas tanto nos EUA (USACBI) quanto na França (AURDIP)[7] foram iniciadas. Seguidas ao sucesso do repúdio mostrado por Hawking, ambas campanhas tem sido ativas. Nos Estados Unidos, talvez o mais significativo sucesso no front acadêmico tenha sido a aprovação da resolução do boicote acadêmico na Conferência de Estudos Asiático-americanos em maio de 2013. A AURDIP, apesar de severamente dificultada pelas políticas repressivas iniciadas por Sarkozy e totalmente aplicadas sob Holland, permanece uma importante referência para o boicote acadêmico, regularmente utilizando eventos públicos de mostra de cooperação entre instituições acadêmicas de França e Israel como uma plataforma para promover o BDS.

Hoje, existem campanhas ativas de boicote na Espanha (PBAI), Berlim (BAB) e Índia (IncABCI), todas as quais foram iniciadas em 2010[8], e na Irlanda (AFP – Academics for Palestine) foi criada em 2012[9]. Talvez o mais importante desdobramento tenha sido o desenvolvimento de um movimento BDS dentro de Israel (Boycott from within – Boicote a partir de dentro). Essas campanhas de boicote têm angariado apoio crescente, freqüentemente de alguns dos mais notáveis acadêmicos em seus países e regiões, como Josep Fontana, o prestigiado historiador catalão. Os grupos de boicote na Espanha, Índia e Estados Unidos estão atualmente organizando contra parcerias sendo montadas com a Technion[10] de Israel. Mesmo na Alemanha, onde qualquer crítica a Israel é altamente suspeita, o BAB está desafiando um acordo de cooperação entre a Universidade Livre de Berlim e a Universidade Hebraica.

A mensagem está se espalhando, gradualmente penetrando as instituições acadêmicas em todas as partes. Em resposta, Israel e o movimento sionista têm devotado tremendos esforços, financiados pelo governo, para conter o boicote. A política de longo prazo que foi então idealizada priorizou o Reino Unido. Uma série de forças-tarefas feitas em universidades israelenses chegaram ao Reino Unido para “explicar” a necessidade de “compromisso” e “diálogo”. Os mesmos professores que por anos se puseram contra qualquer engajamento no apoio aos direitos civis e humanos dos palestinos, incluindo seu direito a educação, estavam agora militando em apoio a “real vítima” – Israel – e promovendo o “compromisso” com as forças de ocupação sob a bandeira do diálogo. A mais recente tentativa, certamente não a última, é a campanha do governo para usar os estudantes israelenses contra o boicote. Revelações recentes expuseram a criação de unidades disfarçadas nas universidades israelenses, criadas para trabalhar com a União Estudantil Nacional Israelense, usando as mídias sociais.[11]

Seja o que for que se pense sobre as universidades israelenses, elas não podem ser acusadas de serem liberais ou apoiadoras de direitos humanos. Alguns meses antes da incursão em Gaza em dezembro de 2008, uma petição pela liberdade acadêmica nos Territórios Ocupados circulou entre mais de 10.000 acadêmicos israelenses. Essa moderada petição, que requeria meramente o governo a permitir que os palestinos desfrutassem da mesma liberdade que os acadêmicos israelenses, foi assinada por apenas 407 deles – 4% do total. As associações acadêmicas em Israel nem mesmo a discutiram. Embora a Universidade de Tel-Aviv seja de longe a mais “liberal” de todas, com 155 membros assinando a petição, em 2012, Shlomo Sand[12] se sentiu compelido a repreender seus colegas no Departamento de História por ocultarem a problemática história de sua própria universidade, construída na antiga vila palestina de Sheikh Muwanis.[13]

Os acadêmicos israelenses continuamente ignoram os chamados da sociedade civil palestina pelo BDS contra a ocupação agressiva de Israel, argumentando pelo “diálogo” com os colegas israelenses. De fato, a conferência na Universidade Hebraica é promovida como um “local de participação no qual ‘diálogos difíceis’ sobre memória e perspectivas serão discutidos”. Como de costume, ao invés de promover diálogo com os acadêmicos palestinos, o máximo que os organizadores conseguem fazer é uma referência a “questões que este país e região encaram”. Seria a ocupação tal questão?

O que pode ter de errado em dialogar?, alguém poderia perguntar. No entanto, a questão correta seria: “é moral colaborar com um Estado colonial, racista, militarizado, de forma a limpar seus crimes?” Não significa isto que os crimes continuam e que novos crimes serão perpetrados? De fato, as evidências claramente demonstram que “compromissos” continuados não levaram a nenhuma resolução, mas, ao contrário, serviram para adormecer a sensibilidade da academia internacional para as realidades da Palestina ocupada. No caso da África do Sul, era claro para todos os acadêmicos que não existia nenhuma maneira de “dialogar” com o apartheid falando com seus representantes; o único modo de lidar com o apartheid era se opondo a ele – boicotar, desinvestir e aplicar sanções; negar às instituições sul-africanas qualquer apoio ou diálogo; e seguir o conselho do CNA.[14]

Embora não ainda na mesma escala que a campanha sul-africana, a campanha BDS tem tido sucesso. Muitos acadêmicos pelo mundo estão agora sensibilizados demais para tornarem-se cúmplices da ocupação ilegal de Israel, suas políticas coloniais e suas práticas de apartheid e pararam de colaborar com instituições israelenses. A campanha para boicotar a conferência de história oral “internacional” da Universidade Hebraica é parte de um crescente esforço mundial para honrar o chamado palestino por um boicote acadêmico a Israel.

Porque tantos historiadores vêem seu trabalho como um modo de dar voz aos oprimidos e silenciados, boicotar essa conferência deveria ser óbvio. De fato, para os historiadores orais com mente aberta, trata-se somente disto, mesmo que muitos dos praticantes da História Oral nos Estados Unidos tenham enfiado basicamente suas cabeças na areia, seguindo a orientação de seu governo.

Nós imaginamos o que os dois advogados do compromisso, solicitados para a palestra, farão, e especialmente como a Universidade Hebraica responderá. Irá ela jogar fora, por exemplo, os dispêndios generosos aos participantes, lhes rendendo sua parte para a máquina de propaganda israelense? Nós esperamos, ao contrário, que os historiadores orais ao redor do mundo prestarão atenção ao chamado dos palestinos, honrando a fundação ética/moral básica do trabalho do historiador.



Notas

[1] Nakba, que em árabe significa “catástrofe”, é como ficou conhecido o grande êxodo palestino de 1948, quando mais de 700 mil palestinos, segundo dados da ONU, fugiram ou foram expulsos de seus lares. [N.T.]

[2] Dr. Sharon Kangisser Cohen, postado na lista de divulgação da Conferência, 05 de agosto de 2013. Disponível em: http://bit.ly/1PDm0XI.

[3] Yitzhak Shamir (1915-2012), do partido conservador Likud, foi primeiro-ministro duas vezes, entre 1983 e 1984 e entre 1986 e 1992. Ex-integrante do Lehi, grupo armado sionista que operava na Palestina entre 1940 e 1948, é considerado o mentor do assassinato do diplomata Folke Bernadotte, nomeado pela ONU para mediar o conflito entre árabes e israelenses na região em 1948. [N.T.]

[4] KELLER, U. “The Academic Boycott of Israel and the Complicity of Israeli Academic Institutions in Occupation of Palestinian Territories”. In. The Economy of the Occupation: A Socioeconomic Bulletin. Alternative Information Centre, 2009. Disponível em: http://bit.ly/23w9Muu.

[5] Ver SHEIZAF, Noam. “Stephen Hawking’s message to Israeli elites: the occupation has a price”. +972. 8 de maio de 2013. Disponível em: http://bit.ly/1KHUTJR.

[6] Cast Lead (Chumbo fundido) foi o nome dado pelas forças israelenses à ofensiva lançada na Faixa de Gaza em dezembro de 2008, que resultou na morte de pelo menos 1.387 palestinos, mais da metade civis, entre eles 320 crianças e 111 mulheres, segundo a ONG israelense B’Tselem. [N.T.]

[7] AURDIP – Association Universitaire pour le Respect du Droit International en Palestine.

[8] PABI – La Plataforma para el Boicot Académico a Israel; BAB – Berlin AB; InCACBI – Indian Campaign ACBI.

[9] Começada com a aprovação, em 9 de novembro de 2012, de uma moção de boicote acadêmico na união acadêmica TUI (Teachers Union of Ireland). Ver PACBI, “TUI Dublin Colleges Branch AGM passes motions in support of Boycott, Disenvestment and Sanctions; recognizes Israel’s apartheid nature”. 13 de novembro de 2012. Disponível em http://bit.ly/1UtnUOZ.

[10] Instituto de Tecnologia de Israel, sediado em Haifa. [N.T.]

[11] Ver RAVID, Barak. “Prime Miniter’s Office recruiting students to wage online hasbara battles”. Haaretz, 13 de agosto de 2013. Disponível em: http://bit.ly/; e ABUNIMAH, Ali. “Israel’s ‘pretty face’: how National Union of Israeli Students does government’s propaganda dirty work”. The Electronic Intifada. 05 de janeiro de 2012. Disponível em: http://bit.ly/1KdjZ8w.

[12] Professor de História da Universidade de Tel-Aviv. [N.T.]

[13] SAND, S. The Invention of the Land of Israel: From Holy Land to Homeland. Londres: Verso, 2012. p. 259-281.

[14] Congresso Nacional Africano. [N.T.]


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Matéria relacionada:





Deputado Jean Wyllys em sua recente visita à Israel para um “diálogo com a academia”


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sábado, 30 de janeiro de 2016

As quatro notas falsas da ladainha de Alon F. sobre o Estado sionista

O arsenal de embustes do sionismo parece não ter limites, embora seu repertório seja extremamente limitado, surrados e repetitivos que são os argumentos dos seus porta-vozes. A usina de mentiras que difunde conteúdos usando o mesmo método do nazista Goebbels acaba de produzir mais uma peça de propaganda em que pretensamente o autor refuta as “quatro premissas erradas sobre Israel”, frase de efeito que dá título ao artigo publicado no caderno “Ilustríssima” do jornal paulistano “Folha de São Paulo”, assinado pelo jornalista Alon Feuerwerker.


Do Portal Vermelho - Por José Reinaldo Carvalho*


São na verdade quatro notas falsas, rematados embustes, a começar pela negativa de que o Estado sionista israelense seja um enclave imperialista, um empreendimento colonial. Invoca como “prova” a oposição do Império Britânico, em 1939, “à partilha da Palestina e à criação do estado judeu”. E usa como muleta o argumento de que “a União Soviética de Josef Stálin votou na ONU em 1947 a favor da criação do Estado judeu”. A referência à União Soviética é reveladora da incoerência intrínseca ao texto, porquanto em outra passagem comemora que os judeus sionistas, “com uma dose de ventura” acabaram “empurrados para uma aliança com os Estados Unidos contra a União Soviética”.

O jornalista dá ao longo do seu texto lições de estratégia e tática, pragmatismo político e política de alianças, mas descontextualiza a posição tanto do Império Britânico como da União Soviética no que respeita à criação do Estado de Israel, que – ele terá suas razões – insiste em designar como “judeu”, acentuando a antinomia com repúblicas ou monarquias “islâmicas”. Ora, desde Richelieu há uma “raison d´Etat” acima das motivações religiosas, étnicas e culturais na construção de instituições políticas. Posteriormente à Guerra dos 30 Anos (1618-1648) – conjunto de conflitos religiosos que dilaceraram a Europa no século 17 – a chamada Paz de Westfália consagrou o princípio dos Estados nacionais e da autodeterminação, tornando-se a primeira “ordem” internacional baseada no primado da política sobre a religião, a etnia e a cultura.

O autor escamoteia que bem antes de 1947 e mesmo de 1939, que cita como datas marcantes do posicionamento do Império Britânico e da União Soviética, respectivamente, as potências imperialistas vitoriosas na Primeira Guerra Mundial negociaram a partilha do Oriente Médio sobre os escombros do Império Otomano. O acordo Sykes-Picot, que completa um século precisamente em maio deste ano, firmado a partir de negociações secretas entre as chancelarias da França (François Georges-Picot) e do Império Britânico (Mark Sykes), estabeleceu que os territórios árabes que faziam parte do Império Otomano ficavam sob protetorado dessas duas potências.

Um ano e meio depois, o Império Britânico, em 2 de novembro de 1917, emitiu um documento, conhecido como Declaração Balfour, em que manifesta a intenção de facilitar o estabelecimento do “lar nacional judeu” na Palestina, depois de muitas idas e vindas na concertação de acordos com o movimento sionista mundial, que por sinal não tinha no território da Palestina a única opção de instalação do “Estado judeu”. Teodore Herzl, pai do sionismo moderno, cogitava sua implantação no Chipre ou na faixa de El Arish na extremidade da Península do Sinai, perto da Palestina, conforme David Fromkin, em “Paz e Guerra no Oriente Médio” (Ed.Contraponto, Rio de Janeiro, 2008, página 298). Fromkin narra ainda na mesma obra que Joseph Chamberlain, secretário colonial do Império Britânico sob os governos dos primeiros-ministros Salisbury e Balfour, chegou a propor que o “Estado judeu” fosse instalado em Uganda, na África Oriental britânica, obtendo o assentimento de Herzl, o que demonstra o artificialismo do empreendimento sionista e ao mesmo tempo o empenho do Império Britânico em favor da causa.

Quanto à posição da União Soviética, não se pode desligá-la do contexto do pós-Segunda Guerra Mundial. A potência socialista, vitoriosa no conflito, apoiou a criação de dois Estados, o israelense e o palestino.

Mas não há como negar que o Plano de Partilha (a resolução 181 de 27 de novembro de 1947), que implicou a expulsão de cerca de 800 mil palestinos, era controverso e foi injusto. Estabelecia a entrega à minoria colonialista judaica, proveniente em sua esmagadora maioria de países centro-europeus, de mais da metade da Palestina e as terras mais férteis. Como se não bastasse, o Estado sionista, desde então expandiu incessantemente o seu território, ocupando hoje 82% da Palestina original. E o fez mediante guerras, a expulsão sistemática dos palestinos das suas terras, operações de cerco e aniquilamento e um novo tipo de apartheid, com o muro de separação entre Jerusalém e a Cisjordânia, onde cresce o número de colônias declaradas ilegais pela própria ONU.

O primordial e essencial embuste do artigo é negar que a região do Oriente Médio e especialmente a Palestina tornou-se cenário da implantação de um movimento nacionalista e colonialista de origem europeia, que se concretizou pela imposição do Estado sionista e suas políticas agressivas e expansionistas. Desde sua criação até os dias de hoje, esse Estado, que se comporta como pária no concerto internacional, expande-se por meio da guerra, da repressão e da ocupação, martirizando a população palestina, mediante a limpeza étnica. Um genocídio.
Sionismo e a limpeza étnica da Palestina
A propaganda sionista a que o jornal paulistano e o autor do artigo servem com zelo, nega o caráter colonialista e imperialista do empreendimento sionista porque se trata de uma história incômoda, de causar horripilantes sobressaltos. Afinal, como confessar crimes de lesa-humanidade e violações do direito internacional quando se pretende posar de campeões do humanismo e da democracia? Por óbvio, a aceitação da tese imperialista e colonialista conduz automaticamente a confessar esses crimes, para os quais no fundo sabem que não há remissão. A propósito, cito a reflexão do historiador israelense Ilan Pappe em sua obra “La limpieza étnica de Palestina”: “Aos israelenses é profundamente perturbador reconhecer os palestinos como vítimas de ações israelenses (já que) supõe enfrentar a injustiça histórica da qual se acusa Israel como autor da limpeza étnica da Palestina em 1948; este reconhecimento obriga a questionar os mitos fundadores do Estado de Israel. A aceitação de algo semelhante por parte dos judeus israelenses minaria, como é lógico, seu próprio status de vítimas. Isto é algo que teria implicações políticas em escala internacional; mas também repercussões morais e existenciais para a psique judia [...] os judeus teriam que reconhecer que se converteram na imagem refletida no espelho do seu pior pesadelo”. (Ed. Crítica, Barcelona, 2008, páginas 321-322).

A segunda nota falsa da litania de Alon F. é a acusação de que se pretende “remover Israel do mapa”, recorrendo para isso ao velho método nazista, apropriado pelo aparato ideológico sionista de amaldiçoar seus adversários como antissemitas. Neste afã, para além de exibir seus preconceitos, explicita o alinhamento, ao analisar a geopolítica do Oriente Médio, com os países imperialistas e seus partidários na região. Para cúmulo, afirma que “Israel não se considera inimigo de seus vizinhos”, citando entre estes o Líbano, e minimiza um dos episódios mais ilustrativos da estratégia imperialista israelense – a ocupação e anexação das Colinas de Golã, da Síria. Israel ocupou o Líbano durante longos 18 anos, sendo expulso pela heroica Resistência, no ano 2000. Permanece, porém, ocupando as fazendas de Shebaa, no sul do país. E em 2006, entre julho e agosto, durante 30 tenebrosos dias, o Estado sionista realizou bombardeios sistemáticos sobre o Líbano, sendo mais uma vez derrotado pelas forças da Resistência. Naquela altura, Condoleeza Rice, secretária de Estado dos Estados Unidos, dizia que os bombardeios dos seus aliados israelenses sobre Beirute eram “as dores do parto do novo Oriente Médio”.

O autor tenta transformar o vício em virtude, apresentando como manobra de alinhamento tático a ligação umbilical do imperialismo estadunidense com o Estado israelense. Embuste que não é capaz de esconder que a segurança de Israel radica no indeclinável apoio diplomático, financeiro e militar do imperialismo estadunidense. Por isso, em retribuição, atua como cabeça de ponte dos interesses de Washington na conflituosa região do Oriente Médio.

O terceiro embuste relaciona-se com a inevitável analogia entre o racismo e o apartheid praticados por Israel e os que vigoravam na África do Sul quando esta era dominada pela minoria branca.  Segundo o autor, “a segregação social da maioria negra assentava-se na segregação política”, enquanto que “em Israel os árabes israelenses não apenas votam mas são votados”. Não creio, sinceramente, que o articulista desconheça que o regime do apartheid sul-africano não era um fenômeno circunscrito apenas ao campo político. Aqui a má informação e a suposta ignorância são interessadas. Além da segregação política, Israel pratica o confinamento territorial, uma política opressiva em todos os domínios e, por doutrina e na prática, persegue o objetivo de extinguir a população palestina. Guardadas as peculiaridades, é nisto que consiste a analogia com a África do Sul da minoria branca.

Finalmente, a quarta nota falsa de Alon F. é a pretensa refutação do “boicote político e econômico para colocar Israel de joelhos e eventualmente riscá-lo do mapa”.  Mais uma vez, a falsa acusação como método para intimidar os adversários. O boicote a Israel, que se manifesta por meio de várias campanhas mundo afora, é uma, apenas uma, das formas da resistência e da luta, uma expressão do clamor dos palestinos e das forças solidárias para que cesse o massacre.

 O autor termina exercitando sua imaginação em busca de paradigmas fantasiosos para o que seria, a seu juízo, o caminho para a paz na Palestina, sempre invocando o argumento dos agressores – a prioridade para a “segurança” de Israel, que é concebida como a negação do direito à existência do povo palestino e à conquista do seu Estado livre, independente e soberano.

Pretendendo refutar o que considera “premissas erradas” do movimento de libertação nacional palestino e das forças solidárias, e até mesmo achando-se capaz de dar conselhos, o jornalista Allon F. seguiu à risca o figurino da propaganda sionista. O primeiro degrau da fidelidade é ser fiel a quem lhe é fiel. Esta parece ser também a máxima da entidade sionista no abastecimento do seu batalhão de escribas, com mitos e embustes que ganham o status de argumentos.

A solução do conflito palestino-israelense pressupõe o cumprimento das resoluções da ONU e a proclamação de jure e de facto do Estado Palestino, livre e soberano, tendo Jerusalém Oriental como capital, e com as fronteiras existentes em 4 de junho de 1967, fronteiras estas reconhecidas internacionalmente. Não haverá paz na Palestina, em Israel e em todo o Oriente Médio enquanto não se estabelecer plenamente um Estado palestino.

Isto requer ainda a retirada de todas as colônias israelenses nos Territórios Palestinos Ocupados e a derrubada do muro de separação. Igualmente é necessário e urgente libertar os prisioneiros políticos palestinos detidos em prisões israelenses e implementar uma solução justa ao problema dos refugiados, de acordo com a resolução 194 da ONU. É também necessária a retirada de Israel das Colinas de Golã, na Síria, e das Fazendas Shebaa no sul do Líbano. Estas são assertivas claras, lógicas, sensatas, conforme a justiça e o Direito Internacional. São premissas e conclusões corretas, em oposição aos embustes de Alon Feuerwerker e da “Folha de São Paulo”.

*José Reinaldo Carvalho é editor do Blog da Resistência, jornalista, pós-graduado em Política e Relações Internacionais, membro do Secretariado e da Comissão Política Nacional do Partido Comunista do Brasil.


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quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

Os mitos da culpa palestina pela ocupação israelense

No início do século XX, Lorde Balfour, chanceler do Reino Unido, proclamava: “As grandes potências estão comprometidas com o sionismo. E o sionismo, seja ele correto ou errado, bom ou ruim, tem raízes em tradições de eras, em necessidades atuais, em esperanças futuras, de importância muito mais profunda do que os desejos e preconceitos dos 700 mil árabes que agora habitam a antiga terra”.


CEBRAPAZ - Por Moara Crivelente*


A tragédia permanente dos refugiados palestinos


Esta declaração é parte dos argumentos pela limpeza étnica da população árabe da Palestina. Esta é a condição para um Estado judeu idealizado pelo limitado e elitista círculo que se adjudicava – e se adjudica – a representação de todos os judeus do planeta. Hoje, é disseminada e irresponsável a acusação, contra os que criticam as práticas do governo de Israel, de “antissemitismo”. Já os judeus críticos do projeto são taxados de “judeus que se odeiam”, mas há agressões ainda mais virulentas.

É simbólico e rasteiro o uso de uma tragédia humana, o Holocausto, para manter Israel como vítima global, enquanto a sua política “securitária” é correlata da insegurança e do genocídio dos palestinos. Mas os promotores desta política já estão treinados a descreditar esta palavra politizada.

De acordo com o Direito Internacional Humanitário, genocídio é a perseguição a um grupo específico por motivos políticos, de etnia, religião ou cultura, o seu massacre, a sua expulsão e a destruição sistemática da sua propriedade. Exatamente o que acontece na Palestina ocupada; algumas vezes, de forma mais “eficiente”, com recorrentes “operações militares” cujos métodos e resultados são denunciados pelos próprios soldados. Muitos deles, jovens fadados a servir a máquina da guerra ou ir para a prisão, e é isso o que muitos têm escolhido.

Judeus de várias nacionalidades manifestam rechaço contundente à apropriação da sua história, religião e cultura pelo sionismo virulento e pela liderança israelense. Em 2014, por exemplo, 327 sobreviventes do Holocausto ou seus descendentes, na International Jewish Anti-Zionist Network (Rede Judaica Internacional Antissionista), manifestaram-se contra o “contínuo massacre do povo palestino”, estarrecidos diante da 12ª ofensiva israelense contra a Faixa de Gaza desde a criação do Estado de Israel, de acordo com o historiador Jean Pierre Filiu, ou a terceira em cinco anos.1

Israelenses também denunciam o embrutecimento de uma sociedade altamente militarizada e uma extrema-direita sedenta de sangue, que reprime, persegue e bane organizações de oposição. Recentemente, foi o caso da Breaking the Silence, associação de veteranos que denuncia as práticas do Exército israelense na Palestina ocupada. Os ministros da Educação e da Defesa proibiram sua presença em escolas, faculdades ou eventos oficiais, acusada de ter objetivos “maléficos”.

Uma das suas denúncias foi sobre o emprego da Doutrina Dahiya durante as ofensivas militares. Trata-se do uso deliberado de “força desproporcional” para “dissuadir” a resistência. O nome nasceu da tática aplicada em 2006 contra o Líbano, quando o bairro homônimo de Beirute, tido como reduto do Hezbollah, foi devastado. Foi também o caso do bairro Shujai’ya, em Gaza, tido como reduto do Hamas, onde em julho de 2014 cerca de 70 pessoas morreram num só dia durante os ataques do Exército de Israel, o “exército mais moral do mundo”.

Falei com o Dr. Belal Dabour, médico do maior hospital de Gaza, al-Shifa, durante as ofensivas, e o desespero era tremendo. Dos 2.200 palestinos mortos em 51 dias de bombardeios, a maior parte era civil e quase 600 eram crianças. A população de Gaza é de 1,8 milhão de pessoas confinadas em um dos territórios mais densamente habitados do planeta, sob bloqueio completo desde 2007. Cerca de 1,2 milhão buscou ali refúgio de outros massacres.

Os crimes de guerra de Israel contra a Palestina


Desafiando o “consenso internacional” – o estabelecimento do Estado da Palestina nas fronteiras anteriores a junho de 1967 (quando Israel ocupou os territórios palestinos e de outros vizinhos árabes) – o aparato da ocupação israelense buscou criar “fatos” que enterrariam de vez a “solução de dois Estados”, construindo colônias ilegais e o muro de separação – denominado “barreira de segurança” pela direita israelense. É o que denuncia o israelense-estadunidense Jeff Halper, num livro de 2015 sobre a assombrosa “matriz de controle” de Israel.

É desfaçatez que o senhor Alon Feuerwerker, em seu recente artigo na Folha de S.Paulo (“Quatro Premissas Erradas sobre Israel”, 24/01/2016), indague “qual o problema de existir uma minoria judaico-israelense na Palestina”. Como analista político que é, duvido que a pergunta resulte da desinformação sobre as condições da instalação acelerada dos 560 mil colonos israelenses em território ocupado palestino. Não estará ele com a cabeça enterrada na areia quando a construção das casas em condomínios fechados e verdadeiras cidades acontece apesar do repúdio internacional, inclusive do aliado EUA – embora de forma tímida e hipócrita, dada a sua responsabilidade no caso. Faltou a Feuerwerker alguma honestidade para com o leitor, o que seria facilmente corrigido com a contextualização dos documentos citados por ele e dos posicionamentos dos palestinos.

Os crimes de guerra da ocupação


A condenação internacional, ao contrário do que alega a propaganda israelense, não nasce da perseguição ou do “antissemitismo”, mas do Direito Internacional Humanitário. O espólio das terras palestinas acontece, por exemplo, através da decisão arbitrária de Israel de não reconhecer registros de propriedade do período do Mandato Britânico e das atuais desapropriações. Se se desse ao trabalho de conversar com um palestino entre os milhares engajados em movimentos sociais que buscam justiça, ou com a liderança palestina, o senhor Feuerwerker ouviria que conviver com “uma minoria judaico-israelense na Palestina” nunca foi o problema. Sempre houve judeus entre os palestinos, que não invadiram residências e se instalaram, com a proteção dos soldados e a anuência do governo da Potência Ocupante, como recentemente aconteceu em Hebron, mais uma vez.

Mas esta fala dos palestinos não serve à sua representação como “terroristas” que precisam ser contidos através da ocupação e da “punição coletiva” (pelo delito de resistência): a demolição de casas, o anúncio das “zonas fechadas” de controle militar, batidas noturnas, uso de munições letais para reprimir protestos, detenções arbitrárias e o encarceramento massivo por motivos políticos, etc. Aliás, a palavra “ocupação” também é banida; juristas simpáticos ao sionismo virulento esforçam-se constantemente por desconstruir esta realidade manipulando o direito internacional contra a condição palestina, em resistência diante do espólio violento que ocupa o seu cotidiano.

O apartheid de Israel
A catástrofe – Nakba, em árabe, que culminou em 1948, com a expulsão de 750 a 800 mil palestinos e a destruição de mais de 500 vilas – é, na verdade, contínua. Os palestinos continuam sendo expulsos das suas terras ou tendo suas casas demolidas através de diversas regulamentações do regime militar imposto por Israel – enquanto mais de 560 mil colonos israelenses são assentados em verdadeiros condomínios fechados ou cidades com a infraestrutura de que os palestinos não dispõem, estradas particulares, água abundante, serviços e movimentação privilegiada.

Em linguajar jurídico, isso traduz-se como “crime de guerra”. A transferência de população da Potência Ocupante para o território ocupado, concomitante à expulsão da população residente, é assim classificada pela Quarta Convenção de Genebra, que foi ratificada por Israel em 1952. Àquela altura, processar criminosos de guerra era do “interesse nacional”.

Algumas das regulamentações usadas para “controlar” os palestinos e “aplastar seu desejo de resistir” são heranças do Mandato Britânico, parte da mesma regulamentação que sionistas acusam de ter servido aos colonizadores britânicos para os reprimir. Afinal, o acordo era o de que a colonização seria conduzida pelos britânicos – daí a “dosagem” da migração mesmo assim massiva – mas milícias sionistas como a Irgun ou a Haganah, que se opunham ao controle, foram responsáveis por atos que, se perpetrados por árabes, seriam taxados de “terroristas”. Foram mais de 60 ataques ou explosões, como aquela contra o Hotel King David, onde estava sediada a administração britânica, em Jerusalém, em 1946. Mais de 90 pessoas morreram.

Massacres como o de Deir Yassin, perpetrado pela Irgun em 1948, e tantos outros, são fatos que a liderança israelense e seus simpatizantes buscam esconder embaixo do tapete. Mas historiadores como Shlomo Sand, Ilan Pappé e outros menos críticos, como Benny Morris, denunciam em diversas obras, aulas, entrevistas, artigos e outras manifestações o rastro de sangue palestino. Também o fazem jornalistas como Amira Hass e Gideon Levy, do diário Haaretz, que durante a ofensiva de 2014 teve de contratar guarda-costas, pois recebia ameaças dos seus leitores.

Na narrativa israelense oficial, entretanto, apenas a sua própria versão de outras – as suas – tragédias é permitida, para construir a impressão, como fez Feuerwerker, de que se trata de um conflito simétrico, com dois lados de igual responsabilidade pela continuidade da violência que vitima também israelenses. Se comprometidos com a paz, os sucessivos líderes sionistas teriam desocupado a Palestina e se engajado no infinito “processo de paz” que, monopolizado por seu maior aliado, os Estados Unidos, só fez enraizar a ocupação israelense, para o desespero ou a exasperação dos palestinos.

“Preocupações securitárias” – claro, com a “segurança” dos israelenses – dominaram as sucessivas negociações para ditar aos palestinos mais condições inaceitáveis como, por exemplo, a permanência de tropas israelenses no Vale do Jordão. Outro “impasse” foi apresentado como a recusa dos palestinos em reconhecer Israel como “Estado judeu” – enquanto Israel sequer pretende reconhecer o Estado da Palestina, uma promessa eleitoral de Netanyahu. Quase 20% da população de Israel é palestina, mas sua cidadania inferior é garantida por cerca de 50 leis racistas (a informação é da organização israelense de defesa dos direitos humanos B’Tselem).

Transferir a responsabilidade pela falta de avanço diplomático aos palestinos também é uma estratégia patente. Imagine alguém há décadas obrigado a dar um pedaço do seu corpo, na esperança de manter a alma. Ao negar-se a entregar também a alma, o inferno é o destino. E é isso o que a ocupação israelense oferece. Muitos israelenses já entenderam que a paz, assim como a justiça, não têm lugar no inferno. Mas enquanto a liderança for agraciada pela impunidade – e daí a importância do boicote que tem sim afetado o brio da elite política e os bolsos da elite econômica de Israel, já que a justiça tarda – a violência mantém-se.


*Moara Crivelente é doutoranda em Política Internacional e Resolução de Conflitos, jornalista e membro do Cebrapaz, assessorando a Presidência do Conselho Mundial da Paz.

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