terça-feira, 7 de outubro de 2014

A Palestina ataca



Luiz Eça - Opera Mundi

Depois de 21 anos de tentativas frustradas de conseguir sua independência em negociações diretas com  Israel, como o Ocidente queria, a Palestina resolveu falar sério: lançou uma ofensiva para forçar Telaviv  a ceder.
  
Em discurso na ONU, Abbas, presidente do governo unificado Hamas-Fatah,  fez acusações que a comunidade internacional sabe verdadeiras, mas não tem tido coragem de lhes dar a conseqüência devida.

Há 47 anos, a ONU, através da resolução 242, determinou “a impossibilidade da aquisição de territórios pela guerra”, exatamente o que Israel fez na Palestina.

Nos anos seguintes, um sem número de vezes ela condenou ilegalidades e violações dos direitos humanos praticadas pelos israelenses.

E tudo não passou de words, words, words.

Agora,  Abbas pretende que as palavras se consubstanciem em fatos.

Ele solicitou, em tom de exigência, que Israel cumprisse a lei internacional e as decisões da ONU, permitindo que os palestinos tivessem um Estado.

Abbas mostrou o tipo de “estado palestino” que Israel pretende que seja criado.

Na melhor das hipóteses, uma terra fragmentada em guetos, sem soberania sobre seu espaço aéreo, água e recursos naturais, submetida a colonos racistas e exércitos de ocupação.

“ Na pior das hipóteses, a mais abominável forma de apartheid.”

Com uma visão tão radicalmente oposta à palestina, as conversações bilaterais jamais poderiam dar certo.

Nas últimas negociações, os israelenses  seguiram com seus planos de reduzir a Palestina ao mínimo, através da contínua expansão dos assentamentos.

O próprio John Kerry, secretário de Estado dos EUA, admitiu que  foram os israelenses quem mais solaparam as chances  de acordo (embora dissesse que também os palestinos tiveram suas culpas).

Diante do fracasso dessas negociações, completando 21 anos de tentativas  inócuas para se obter paz pelas negociações diretas,  os palestinos resolveram dar  “um  basta.”

Abbas  foi categórico: “é impossível, repito, é impossível, retornar ao turbulento ciclo de negociações que falharam ao não abordar o essencial…”

E ele explicitou o que seria essencial :

- terminar com a ocupação militar israelense ;

– estabelecer a independência do Estado da Palestina, nos territórios palestinos tomados por Israel em 1967, com Jerusalém Oriental como capital ;

- definir uma solução justa para o problema dos palestinos expulsos por Israel nas guerras ;

- fixar uma data determinada para  que esses objetivos fossem implementados.

O presidente palestino considerou que, sem resolver essas questões, nenhuma negociação teria nem valor, nem significado.

Na justificação de suas posições, ele usou palavras duras para condenar as açores israelenses como “genocídio” e ‘apartheid.”

Os EUA, como sempre, tomaram as dores de Israel.

Ignoraram o principal – o conteúdo da proposta, para se apegarem ao acessório – os termos mais duros usados por Abbas.

“Estes pronunciamentos provocadores são contraproducentes, sabotam os esforços para criar uma atmosfera positiva e criar confiança entre as partes”.

Assim se manifestou Jen Psaki, porta voz do departamento de Estado e do mundo de fantasia que ela parece habitar – onde o massacre dos cidadãos de Gaza seria considerado “esforços para criar uma atmosfera positiva”.

Mas os palestinos não se tocaram: rapidamente formularam uma proposta de resolução do Conselho de Segurança da ONU.

Ela contém todas as proposições palestinas citadas acima, mais a necessidade de garantir a paz e a segurança nos dois países, além de pedir esforços intensificados  para se chegar a uma paz justa e definir o prazo de até 16 de novembro de 2016  para a declaração de independência da Palestina, como Estado soberano e viável.

A reação de Israel foi a esperada.

Netanyahu foi veementemente furioso.

E Ron Prosor, seu embaixador na ONU, declarou:  ‘Mais uma vez os palestinos estão atirando em todas as direções, esquecendo o alvo real.”

Bem, o que ele chama de “alvo real”, as negociações diretas com Israel, os líderes da Autoridade Palestina miraram durante 21 anos, a partir dos acordos de Oslo.

Como se sabe, todos os tiros se perderam no espaço.

Samantha Power, embaixadora americana na ONU, limitou-se a reafirmar que, para seu país, a única saída são as negociações diretas.

Talvez, ela ache que, para esta saída dar resultado,  duas dezenas de anos de tentativas seria pouco.

A paciência dos palestinos parece ter acabado.

Muitos deles (Abbas principalmente) confiaram em Obama, no celebrado discurso do Cairo,  em 2009, quando ele começava seu primeiro mandato.

“…é inegável que o povo palestino, islamitas e cristãos, sofreu na busca de uma pátria. Por mais de 60 anos eles sofreram a dor dos deslocamentos…Eles suportaram humilhações diárias, grandes e pequenas, da ocupação. Portanto, vou deixar bem claro: a situação para o povo palestino é intolerável. A América não virará as costas às legítimas aspirações palestinas por dignidade, oportunidades e  um Estado todo seu.”

Na verdade, a América virou as costas para os palestinos muitas vezes.

Até agora, Obama não cumpriu suas promessas.

Alega-se que ele não tem força suficiente para enfrentar o Senado e a Câmara dos Representantes, maciçamente pró-Israel.

O presidente Eisenhower teve.

Em 1956, quando os israelenses, aliados à França e à Grã-Bretanha, invadiram e ocuparam o Estreito de Gaza e a Península do Sinai (territórios do Egito), exigiu sua retirada, ameaçando com sanções.

Quando Israel quis negociar, ele replicou: “Pode uma nação que ataca e ocupa territórios estrangeiros, mesmo diante da desaprovação da ONU, ter direito a impor condições para se retirar?”

Na ocasião, os senadores Lyndon Johnson, líder da maioria democrata, e Willian Knowland, líder da minoria republicana, se opuseram ao presidente.

Mas Eisenhower ficou firme: “A América tem uma voz ou não tem nenhuma e essa voz é a voz do presidente – quer todos concordem com ela ou não.”

E foi em frente.

Israel chiou, mas acabou se retirando.

Certamente, Eisenhower tinha menos recursos para pressionar Telaviv a se comportar de modo civilizado do que Obama tem agora.

Os EUA não beneficiavam Israel com 3,1 bilhões anuais, nem o protegiam,  vetando as inúmeras condenações da ONU pelas violações das leis internacionais e dos direitos humanos dos palestinos.

Claro, Washington não poderia de uma hora para outra passar de apoio incondicional a Israel para uma postura imparcial, que o poria muitas vezes contra Telaviv.

Seria necessário que Obama fosse mudando aos pouos.

Obama, no início de seu primeiro mandato, até que deu sinais de que iria tocar esse processo. Mas, salvo uma ou outra posição afirmativa, acabou ficando nisso.

Tem ele agora mais uma chance de provar que o Obama do discurso do Cairo ainda está vivo.

É verdade que o momento não é muito oportuno.

As eleições parlamentares de “meio-termo”  serão no mês que vem.

Não vetar a proposta palestina no Conselho de Segurança da ONU poderá alienar preciosos votos judaico-americanos, particularmente nos estados de Nova Iorque e Florida. E talvez mais preciosos dólares de financiadores e apoios de organizações e jornais 100% pró Telaviv.

De outro lado, parte dos judeus americanos não se emociona mais com os apelos apocalípticos de Netanyahu e até entende que a Palestina queira buscar a paz de uma forma alternativa.

Os candidatos do Partido Democrata, de Obama, terão muita chance de serem votados por eles.

E também pelos eleitores, digamos, de esquerda, que pretendiam ficar de fora do pleito,  revoltados com a política externa do país.

É necessário considerar que o lado palestino desta vez vem consideravelmente fortalecido para a arena internacional.

Abbas não é apenas o presidente de uma Autoridade Palestina, com autoridade sobre apenas uma parte da sua comunidade.

Agora, presidindo o governo conjunto Hamas-Fatah, ele  representa todo o povo palestino.

Tem o apoio já acertado de todos os países do Oriente Médio, inclusive da Arábia Saudita, aliada próxima  dos EUA.

De acordo com pesquisas, a população de quase todos os países  do mundo condena as violências israelenses e defende a independência da Palestina.

Mesmo os governos europeus estão cansados das inúmeras transgressões israelenses, a própria comunidade e muitos países individualmente já aplicam sanções contra Israel, por causa dos assentamentos.

Mais de 150 países já se pronunciaram pelo fim da ocupação israelense e pela independência da Palestina.

Sendo os EUA o inconteste líder do planeta, não pode se dar ao luxo de ficar isolado.

Os políticos do Partido Democrata podem estar mais interessados nas eleições distritais de Kokomo, Indiana, ou de Chattanooga, Tennessee, do que nas decisões vitais da ONU. O presidente americano tem de ter preocupações mais amplas.

Do tamanho deste mundo, enquanto não colonizarmos a lua.

Embora se espere que, desta vez, a proposta palestina vença no Conselho de Segurança da ONU, com os 9 votos mínimos exigidos, as apostas são que Obama continuará cedendo às  injunções domésticas.

Mas as coisas não devem ficar por aí.

Caso dê errado (e raros duvidam que seja diferente), os palestinos não devem deixar passar batido.

Eles ainda tem uma arma de efeitos possivelmente devastadores: levar Israel às barras dos réus do Tribunal Criminal Internacional em Haia.

É tudo que horroriza os estrategistas israelenses.

Eles recorreram a seus fiéis aliados da Casa Branca.

Para brecar Abbas, o presidente Obama já o ameaçou com cortes impiedosos: não mais ajuda financeira, não mais declarações favoráveis, não mais compreensão.

Acredito que o apelo palestino à ONU para obter independência nos seus termos, com data definida, é o plano A.

Caso haja veto americano, ficaria demonstrado que os palestinos tentaram resolver seus problemas com Israel numa boa.

Não conseguindo, só lhes restará por em prática o Plano B: promover o julgamento de Israel no Tribunal Criminal Internacional.

Lá, os EUA não tem  poder de veto.

Provas existem – e abundantes – para a condenação dos líderes de Israel.


Terão os juízes coragem bastante para vencer as inevitáveis pressões?

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