Por Luiz Eça- Olhar o Mundo
Os desentendimentos entre os dois líderes datam do início do primeiro
mandato do presidente americano.
Empolgado com as mudanças prometidas em
sua campanha eleitoral, Obama quis reunir palestinos e israelenses para
negociarem a paz.
Como os palestinos exigiam que previamente Netanyahu parasse de expandir
os assentamentos judaicos, Obama tentou convencer o israelense disso.
Argumentou, pediu, insistiu… mas Netanyahu ficou firme na negativa..
Obama teve de desistir.
Anos depois, veio com nova iniciativa: propôs negociações de paz na base
dos limites de 1967, como, aliás, determinara a ONU.
Inaceitável para Israel.
Isso significaria renunciar aos assentamentos (ou a parte deles), que se
espalhavam pela Cisjordânia.
Sem perder tempo, Netanyahu voou para os EUA, onde passou um sabão no
presidente americano em plena Casa Branca e foi recebido apoteoticamente pelo
Congresso em peso.
Assustado, Obama desculpou-se na sede da AIPAC, o maior lobby
pró-Israel, alegando que fora mal entendido, lógico a realidade dos
assentamentos tinha de ser respeitada, os limites de 1967 eram apenas uma base
inicial sujeita a alterações…
Depois de duas derrotas contra Bibi, Obama finalmente parece estar
ganhando a terceira disputa.
Apesar das furiosas e repetidas apóstrofes condenatórias do premier
israelense, ele continua procurando chegar a um acordo com o Irã na questão
nuclear.
Agora delineia-se , digamos, uma nova rusga, entre os dois chefes de
Estado.
Durante os ataques a Gaza, os EUA, fiéis a sua tolerância infinita às
transgressões israelenses, justificaram os bombardeios: Israel teria o direito
de se defender.
Mas as coisas foam longe demais, com o assassínio de crianças, ataques a
abrigos da ONU e destruição de escolas.
Obama acabou revelando publicamente sua irritação: o exército de Telaviv
tinha de fazer mais para proteger os civis.
No mês passado, quando Netanyahu foi à ONU para mais um show de
catastrofismo (recebido friamente por metade do recinto vazio), ele reuniu-se
com Obama.
O presidente dos EUA não estava nada satisfeito.
Tanto é que disse: ”Temos de encontrar um jeito de mudar o status quo
de um modo que os cidadãos israelenses fiquem seguros…mas também que não haja a
tragédia de crianças palestinas sendo assassinadas.”
Netanyahyu não deve ter gostado nada.
Gostou ainda menos quando Obama, alguns dias depois, criticou a aprovação
de mais 2.600 assentamentos israelenses na Cisjordânia e Jerusalém Oriental.
Numa declaração pública, Obama condenou o projeto, avisando que ele
afastaria Israel “mesmo dos seus mais próximos aliados”. E reafirmando que
assentamentos judaicos na Palestina, comprometiam a paz na região.
Não fez nada mais do que acompanhar a ONU que sempre considerou ilegais
tanto os assentamentos, quanto a anexação de Jerusalém Oriental por
Israel.
Mas para Netanyahu foi demais.
No domingo, 5 de outubro, em entrevista à rede de TV americana CBS, ele
avançou no sinal: não aceita restrições onde judeus podem viver e
judeus e árabes de Israel tem direito de construir casas onde quiserem.
Ou seja, rebela-se contra a proibição da ONU.
Sem contar que está de brincadeira quando fala que árabes de Israel
podem construir suas casas em qualquer parte.
Não há notícia de algum deles habitando qualquer dos assentamentos
judaicos…
No entanto, talvez mais grave, foi o que veio a seguir.
O premier israelense disse estar perplexo,a fala de Obama estaria contra
os valores americanos.
E completou: “E não é um bom augúrio para a paz. A idéia de que nós precisamos
ter purificação étnica como uma condição para a paz… eu penso ser contra a
paz.”
Taxar as considerações de um presidente dos EUA como contra os valores da
América é algo um tanto agressivo.
Já a justificação dessa acusação é de uma ironia ridícula.
A expansão dos assentamentos judaicos sobre terras palestinas objetiva
assegurar sua permanência em Israel, quando houver um Estado palestino.
Quanto mais assentamentos forem criados, mais terras palestinas
poderão ser anexadas a Israel. Ficará muito difícil para o futuro Estado
palestino recuperar estas áreas porque os assentados, conforme declarações
gerais, não aceitariam passar a viver numa Palestina independente.
Além disso, muitos deles vivem em áreas tomadas de palestinos por formas
de legitimidade discutível: desapropriações pelo exército, exigências legais
absurdas, etc.
Purificação étnica é Israel quem faz, expulsando palestinos da “Área C da
Cisjordânia, onde se localizam os assentamentos. De ano para ano a população
palestina dessa região diminui sensivelmente.
Diante do desafio de Netanyahu, Obama reagiu à altura,através do porta-voz
Josh Earnest: “O fato é que, quando se trata de valores americanos, são os
valores americanos que emprestam a Israel inabalável apoio. São os valores
americanos que nos levam a lutar e garantir recursos para assegurar a segurança
de Israel de modo sensível.”
E acrescentou que os EUA financiaram e construíram o “Domo de Ferro” de
Israel, o sistema que impediu os foguetes do Hamas de atingirem seus
alvos.
Acredito que Obama e Netanyahu tem divergências quanto ao Oriente Médio.
O americano bem que gostaria de cumprir suas promessas de imparcialidade e
justiça, mas não tem coragem ou poder para enfrentar o Congresso e os lobbies
pró-Israel.
No entanto, bem que procura tentar resolver os problemas da Palestina e do
Irã nuclear, mesmo indo contra as posições de Netanyahu, embora jamais vá
até o fim.
Há muito Netanyahu sacou as idéias opostas de Obama, mas se mantém firme
em suas posições, contando sempre com os parlamentares e os poderosos
financiadores e grupos do Israel First.
Ultimamente parece que Obama sente cada vez mais sua
responsabilidade de leader of the world, que deve defender
direitos humanos e leis internacionais.
Sem contar que, também a população dos EUA vem aos poucos caminhando nessa
direção, o que implica num choque, ainda incipiente, com Israel.
Assentamentos, acordo de paz com o Irã e independência da Palestina
obtêm números cada vez mais altos nas pesquisas americanas.
Especialmente na população jovem, até 30 anos, não existe mais tolerância
total com ações israelenses condenadas pelos organismos internacionais.
Nesse último desentendimento, Obama , mesmo lembrando a amizade sem
limites com Israel, não deixou de lembrar o que Israel deve a ele.
Num segundo momento, poderá cobrar esta pesada dívida, pressionando
Netanyahu a ser razoável, aceitando um acordo que garantisse
soberania e viabilidade ao Estado palestino.
Recursos ele teria: sem a mão amiga de Tio Sam, Israel ficaria numa
situação muito difícil.
Provavelmente, o premier israelense não seria nada fácil de dobrar.
Ele conta com uma vitória provável do muito mais aliado Partido Republicano nas
eleições da duas casas do Congresso, em 6 de novembro.
Obama também sabe disso.
Não vai arriscar piorar a situação, perdendo votos judaico-americanos, que
em maioria costumam ir para os democratas.
A dedução é que Netanyahu tem o presidente americano na mão.
Com o risco de estar sendo sonhador, eu gostaria de dizer que isso não é
absolutamente certo.
Lembro que Eisenhower e Roosevelt tomaram importantes decisões
conflitantes com congressos hostis.
E que, no segundo mandato, presidentes costumam realizar seus projetos
para ficarem na história de um modo louvável.
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Especial sobre as Relações Brasil – Palestina, leia aqui:
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