O presidente de Israel Reuven Rivlin tem se destacado por
pedir “tolerância”. Rivlin, que defende um único e inconcebível “Estado judeu”,
é apresentado como conciliador. Dois meses após a campanha de bombardeios de
Israel contra Gaza, seu apelo inócuo acompanha a expansão da ocupação sobre os
territórios palestinos e o fortalecimento de uma narrativa religiosa para o
imperialismo sionista, culminante no fechamento da Mesquita Al-Aqsa, em
Jerusalém.
Por Moara Crivelente*, para o Vermelho
Policiais israelenses empurram mulheres palestinas durante
confrontos em
Jerusalém Oriental. 13 de outubro 2014 - Foto: Mahmoud Illean /
AP
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Diversas análises sobre o posicionamento do chefe de Estado
que critica uma “sociedade doente”, a israelense, têm sido apresentadas nas
últimas semanas. Rivlin, que há poucos meses substituiu Shimon Peres, chegou a
participar de um memorial na vila de Kfar Qassem, em homenagem aos 49
palestinos massacrados em 1956.
No início do mês, ele gravou um vídeo com o pequeno
palestino George Amireh, em que ambos pediam “coexistência”. Amireh, cidadão
israelense, é acossado por seu comportamento e sua suposta opção sexual. Além
disso, os judeus árabes (o que Yuval Ben-Ami, em artigo para a revista
eletrônica +972, supõe ser a ascendência do menino, embora ele se identifique
como cristão árabe-palestino), chamados de “mizrahim”, são mais uma parcela da
população israelense que sofre expressivo preconceito.
Leia também:
Rivlin, entretanto, defende um único Estado, “judeu”, a ser
oficializado na Palestina. Um Estado onde os palestinos teriam os mesmos
direitos que os judeus. Mas o que acontece com a Palestina? Rivlin terá
esquecido da história e da resistência popular em defesa da sua terra e da sua
liberdade, uma em que a rendição é inconcebível. Se a sociedade israelense está
tão “doente”, corrompida pelo ódio forjado durante mais de um século contra os
árabes que insistem em continuar apegados às suas terras, até mesmo o discurso
“conciliador e pacificador” do novo presidente está infectado.
Amireh e o presidente Rivlin pedem coexistência e respeito
em vídeo
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A exigência de reconhecimento do “Estado judeu” não é nova,
mas só foi oficializada pelo governo rançoso e agressivo do primeiro-ministro
Benjamin Netanyahu, do mesmo partido de Rivlin, o Likud, de direita. Nem mesmo
o líder que institucionalizou o sionismo no formato de um Estado, o primeiro
premiê, David Ben-Gurion, exigia este reconhecimento.
O sionismo, aliás, entende-se como a ideologia racista e
colonialista gestada na Europa, com base na “reação ao antissemitismo” para a mobilização em prol da ocupação da Palestina – que não foi a primeira opção
territorial para o Estado de Israel. O Judaísmo foi um instrumento mobilizador,
uma ferramenta narrativa para “justificar” o massacre e a expulsão dos árabes
da Palestina. Nada mais eficiente do que a religião, como demonstrou-se em todo
o mundo, para agregar um “povo” inteiro – seja ele “construído” discursivamente
ou forjado pela sucessão de eventos – em torno de uma causa. Ressalte-se aí,
ainda, a manipulação de quem é “semita”: no caso de Israel, significa negar ao
palestino a mesma designação, como apontado por diversos historiadores,
inclusive israelenses.
Trazendo esta sucessão de articulações políticas revestidas
de uma “guerra religiosa” – conceito que os líderes extremistas insistem em
taxar ao conflito Israel-Palestina – é que se entende a atual situação. Após um
exasperante aumento da violência na Cisjordânia e de oito anos de bloqueio
completo à Faixa de Gaza, 50 dias de bombardeios israelenses ao territóriositiado deixaram mais de 2.150 palestinos mortos e o enclave devastado, com
prejuízos que ultrapassam os US$ 5 bilhões, que serão prontamente ressarcidos
por países “doadores” que oferecem ajuda aos palestinos para reconstruir suas
casas e sistemas de abastecimento de água e energia pela enésima vez, enquanto
mantêm relações comerciais e militares com Israel, apesar de algumas ressalvas
ou declarações de cautelosa reprimenda pelo massacre dos palestinos.
É certo que o reconhecimento do Estado da Palestina pelaSuécia nesta quinta-feira (30) tem grande significado: o país soma-se aos mais
de 130 que já reconheceram a Palestina em 2012, na Assembleia Geral da ONU. O
“reconhecimento” é uma instituição importante nas relações internacionais. O
mesmo vale para a insistência israelense em negar sua posição em uma série de
políticas que são evidências claras dos crimes de guerra que comete, ou que
liguem Israel a essas responsabilidades. Exemplo é o rechaço quase cínico da
designação “Potência Ocupante”, termo empregado pela própria ONU para descrever
o regime israelense nos territórios palestinos – agora, conforme designado pela
liderança palestina, o Estado ocupado da Palestina.
O premiê Netanyahu esforça-se por quebrar recordes naconstrução de casas nas colônias ilegais em território palestino – algumas tão
grandes que têm estatuto de cidades. Nesta semana, o membro do Comitê Executivo
da Organização para a Libertação da Palestina (OLP) e representante palestino
nas negociações Saeb Erekat pediu outra vez a resposta mundial contra o anúncio
de mais colônias em Jerusalém Oriental e em seu entorno, uma estratégia para
inviabilizar o Estado da Palestina com capital nesta porção da cidade.
Netanyahu, que também ordenou maior presença e agressão militar contra os
palestinos - detendo mais de mil pessoas entre junho e setembro deste ano e
matando dezenas de resistentes à chamada “operação Guardião Fraterno” na
Cisjordânia – voltou a afirmar sua posição: não pretende viabilizar a
existência do Estado da Palestina.
Em coletiva de imprensa em julho, durante a “operação MargemProtetora” contra Gaza, ele disse que nunca aceitaria a soberania palestina na
Cisjordânia devido a “necessidades securitárias” de Israel, voltando a acusar
os palestinos de ameaçarem-no com o “radicalismo islâmico”. Nenhuma palavra
sobre o aparente “radicalismo judeu” dos colonos que ocupam as terras palestinas
movidos por ideais religiosos e que agridem física e verbalmente os palestinos
para expulsá-los ou para tornar suas vidas insuportáveis.
A hipócrita alegação da “preocupação securitária” de Israel
foi um pilar dos planos do secretário de Estado dos EUA John Kerry para as
negociações mantidas entre julho de 2013 e abril de 2014, que só resultou noaumento das colônias na Cisjordânia e no maior cerco à Faixa de Gaza. “Não
poderá haver qualquer acordo segundo o qual abrimos mão do controle securitário
sobre o território a oeste do Rio Jordão”, disse Netanyahu, referindo-se à
Cisjordânia. Israel já controla militarmente a maior parte do território
segundo um acordo que deveria ser provisório, assinado no início dos anos 1990
no contexto do “processo de paz de Oslo”, mas que ainda vigora e se transforma
– como é o caso da construção do “Muro de Segurança”, ou muro do apartheid, e a
expropriação de terras palestinas para “fins securitários”, segundo a
administração israelense.
Mobilização religiosa em prol da ocupação e da violência
Mobilização religiosa em prol da ocupação e da violência
Além da narrativa religiosa e obscurantista, a liderança extremista de Israel – e seus eleitores, num país em que a extrema-direita passou por um intenso processo de ascensão – também investe na apresentação dos palestinos como “terroristas” que querem a sua destruição. Na semana passada, um episódio em que um rapaz palestino atropelou civis parados em uma estação de trens – de acordo com a sua família, foi um acidente – serviu para novamente intensificar as manifestações violentas contra os palestinos por colonos e soldados e para que o governo israelense intensificasse a ocupação e a agressão contra os residentes de Jerusalém Oriental. Neste contexto, cresceram também as tensões em torno da Mesquita de Al-Aqsa, constantemente invadida por civis e pelos soldados israelenses em flagrante provocação contra os muçulmanos – o local é visado pela extrema-direita para demolição e a “reconstrução do Templo judeu”.
Após proibir a entrada de palestinos menores de 50 anos de idade no local, o que já causou confrontos numerosos reprimidos com munições letais, mortes e mais cerco aos palestinos da região – a mesquita Al-Aqsa, terceiro local mais importante para o Islã, foi fechada pela primeira vez em décadas pelo governo israelense, nesta quinta. A justificativa dada foi o disparo contra um israelense de extrema-direita, Yehuda Glick, no auge da tensão em Jerusalém. Glick, um rabino extremista proveniente dos EUA, vinha exigindo o fechamento de Al-Aqsa, o que só havia ocorrido durante o conturbado ano de 1967, um marco para o avanço da ocupação sobre os territórios árabes, sobretudo os palestinos.
Por outro lado, o palestino que disparou contra Glick, Muataz Hijazi, foi morto por soldados no bairro de Silwan, em Jerusalém Oriental (palestina), onde as forças de inteligência de Israel impediram a passagem de uma ambulância e tomaram o corpo, de acordo com fontes locais citadas pela agência palestina Maan. Mais confrontos foram relatados entre jovens palestinos e as forças israelenses, enquanto uma corte decidia que o corpo de Hijazi seria devolvido à família, mas negava a realização de uma autópsia e limitava em 45 o número de pessoas em seu funeral. De acordo com Issa Qaraqe, chefe do Departamento Palestino para Assuntos dos Prisioneiros, Hijazi passara quase 12 anos em cárceres israelenses, onde foi torturado.
Após proibir a entrada de palestinos menores de 50 anos de idade no local, o que já causou confrontos numerosos reprimidos com munições letais, mortes e mais cerco aos palestinos da região – a mesquita Al-Aqsa, terceiro local mais importante para o Islã, foi fechada pela primeira vez em décadas pelo governo israelense, nesta quinta. A justificativa dada foi o disparo contra um israelense de extrema-direita, Yehuda Glick, no auge da tensão em Jerusalém. Glick, um rabino extremista proveniente dos EUA, vinha exigindo o fechamento de Al-Aqsa, o que só havia ocorrido durante o conturbado ano de 1967, um marco para o avanço da ocupação sobre os territórios árabes, sobretudo os palestinos.
Por outro lado, o palestino que disparou contra Glick, Muataz Hijazi, foi morto por soldados no bairro de Silwan, em Jerusalém Oriental (palestina), onde as forças de inteligência de Israel impediram a passagem de uma ambulância e tomaram o corpo, de acordo com fontes locais citadas pela agência palestina Maan. Mais confrontos foram relatados entre jovens palestinos e as forças israelenses, enquanto uma corte decidia que o corpo de Hijazi seria devolvido à família, mas negava a realização de uma autópsia e limitava em 45 o número de pessoas em seu funeral. De acordo com Issa Qaraqe, chefe do Departamento Palestino para Assuntos dos Prisioneiros, Hijazi passara quase 12 anos em cárceres israelenses, onde foi torturado.
Desde o desaparecimento de três colonos israelenses na Cisjordânia, no início de junho, a violência já rompante intensificou-se aceleradamente, enquanto as manifestações racistas e xenófobas aumentaram em Israel, com papel preponderante para a cobertura sensacionalista dos meios de comunicação locais. Para muitos palestinos, o episódio foi mais um pretexto para a tentativa de impedir a reconciliação nacional construída entre a OLP e o Hamas, partido à frente do governo em Gaza. Vários casos de violência direta foram relatados tanto dos soldados quanto dos colonos israelenses na Cisjordânia, também palco de uma ofensiva militar e mais anúncios de construção nas colônias ilegais. Além disso, famílias israelenses passaram a tomar casas nas porções palestinas de Jerusalém, como foi o caso do bairro de Silwan, quando nove famílias israelenses ocuparam vários apartamentos.
A terceira ofensiva contra a Faixa de Gaza em cinco anos foi condenada mundialmente, abrindo espaço para mais uma investigação sobre os variados crimes de guerra perpetrados pelo Exército israelense contra os palestinos, cujos resultados devem ser apresentados à ONU em 2015. Mais de 3.700 pessoas morreram nestes três episódios, além das vítimas de outros confrontos entre a resistência palestina e as forças israelenses que ocupam a Cisjordânia. Enquanto isso, a liderança israelense insiste em taxar este de um “conflito religioso”, apostando na mobilização das camadas mais extremistas de Israel e das colônias na Palestina, com um Parlamento recheado de representantes dos conceitos mais retrógrados e agressivos, que fazem oposição virulenta ao reconhecimento do Estado da Palestina. Cabe ao mundo tomar esta questão em maior atenção e pressionar finalmente pelo fim da ocupação e da impunidade israelense, enquanto os palestinos fortalecem sua unidade nacional e sua representação no cenário global.
*Moara Crivelente é cientista política, jornalista e membro do Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e Luta pela Paz (Cebrapaz), assessorando a presidência do Conselho Mundial da Paz.
A terceira ofensiva contra a Faixa de Gaza em cinco anos foi condenada mundialmente, abrindo espaço para mais uma investigação sobre os variados crimes de guerra perpetrados pelo Exército israelense contra os palestinos, cujos resultados devem ser apresentados à ONU em 2015. Mais de 3.700 pessoas morreram nestes três episódios, além das vítimas de outros confrontos entre a resistência palestina e as forças israelenses que ocupam a Cisjordânia. Enquanto isso, a liderança israelense insiste em taxar este de um “conflito religioso”, apostando na mobilização das camadas mais extremistas de Israel e das colônias na Palestina, com um Parlamento recheado de representantes dos conceitos mais retrógrados e agressivos, que fazem oposição virulenta ao reconhecimento do Estado da Palestina. Cabe ao mundo tomar esta questão em maior atenção e pressionar finalmente pelo fim da ocupação e da impunidade israelense, enquanto os palestinos fortalecem sua unidade nacional e sua representação no cenário global.
*Moara Crivelente é cientista política, jornalista e membro do Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e Luta pela Paz (Cebrapaz), assessorando a presidência do Conselho Mundial da Paz.
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