domingo, 10 de abril de 2011

A tragédia no Rio, estereótipos e preconceitos

Santayana analisa a carta do suicida de Realengo


Publicado em 08/04/2011



O Conversa Afiada reproduz texto de Mauro Santayana, publicado no JB:

O terrorismo de Columbine


por Mauro Santayana


É difícil separar a emoção da razão, quando escrevemos sobre tragédias como a de ontem. A morte de crianças nos toca fundo:  pensamos em nossos próprios filhos, em nossos próprios netos.  Por mais que deles cuidemos, são indefesos em um mundo a cada dia mais inóspito.


Crianças e professores são agredidos pelos próprios colegas nas escolas. Traficantes de drogas e aliciadores esperam às suas portas a fim de perverter os adolescentes.  Em 1955, baseado em livro de Evan Hunter, Richard Brooks dirigiu um filme forte sobre a brutalidade nas escolas norte-americanas, Blackboard Jungle,  exibido no Brasil com o título de Sementes da Violência.


É difícil entender como um rapaz de 24 anos se arma e volta à escola onde estudara, a fim de atirar contra adolescentes. No calor dos fatos, com a irresponsabilidade comum a alguns meios de comunicação, associaram o crime ao bode expiatório de nosso tempo, o “terrorismo muçulmano”. No interesse dessa ilação, chegaram  a anunciar que isso estava explícito na carta que ele deixou. Ela, no entanto,  revela loucura associada não ao islamismo, mas, sim, às seitas pentecostais, de origem norte-americana, com sua visão obscurantista da fé. São seitas que alimentaram atos de loucura como o de Jim Jones, ao levar 900 de seus seguidores, a Peoples Temple, ao suicídio, na Guiana, em 18 de novembro de 1978. É o que hoje fazem pastores da Flórida, ao queimar um exemplar do livro sagrado dos muçulmanos – e provocar a reação irada de fiéis no Iraque e no Afeganistão. Segundo revelou sua irmã, a mãe adotiva de Wellington, cuja morte o transtornou, pertencia à seita das Testemunhas de Jeová, preocupada com a pureza do corpo, que o assassino menciona em sua carta. A referência à volta de Jesus e ao dogma da Ressurreição dos justos, não deixa  dúvida. Ele nada tinha a ver com o Islã, apesar de suas recomendações lembrarem ritos mortuários comuns às religiões monoteistas.


A carta revela um jovem perturbado pela idéia de pureza. Aos 24 anos, o assassino diz que seu corpo “virgem” não pode ser tocado pelos impuros. Ao mesmo tempo, presumindo-se herdeiro da casa que ocupava em Sepetiba, deixa-a, em legado, para instituições que cuidem de animais abandonados. Os cães, que são a maioria dos bichos de rua no Brasil, são, para os muçulmanos, animais amaldiçoados.


É preciso rechaçar, de imediato, qualquer insinuação de fundamentalismo islamita ao ato de insanidade do rapaz. O pior é que homens públicos eminentes endossaram essa insensatez. O terrorismo de Wellington é o dos atos, já rotineiros, de assassinatos em massa nas escolas norte-americanas, a partir do episódio de Columbine em 20 de abril de 1999. Desde que os meios de comunicação e do entretenimento transformaram o homem nesse ser unidimensional, conforme Marcuse, o modelo  de vida, que o cinema, as histórias em quadrinhos, a televisão e, agora, a internet, nos  trazem, é o da pujante, bem armada e soberba civilização norte-americana. Ela nos prometia a realização do sonho da prosperidade, da saúde, da segurança, do conforto e da alegria, da virilidade e da beleza. Mas essa civilização é apenas pesadelo, contrato faustiano com o diabo, sócio emboscado da morte. O diabo começou a cobrar seu preço, ao levar essa civilização à loucura, no Vietnã; nas muitas intervenções armadas em terra alheia; em Oklahoma, em Columbine, em Waco, e nos demais assassinatos coletivos dos últimos anos.


Limpemos as nossas lágrimas, e reflitamos se vale a pena insistir nessa forma de vida. Se vale a pena continuar sepultando crianças, e com elas, os sentimentos de solidariedade, de humanismo, de civilidade e de justiça. As crianças que morreram ontem, ao proteger as mais fracas com seus corpos,  nos disseram  o que temos a fazer, para que a vida volte a ter sentido. 

Fonte: http://www.conversaafiada.com.br/politica/2011/04/08/santayana-analisa-a-carta-do-suicida-de-realengo/

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Falta de seriedade, de informação e de respeito

Fico espantado com a superficialidade com que se está tratando esta tragédia na escola municipal Tasso da Silveira, em Realengo. O rapaz enlouquecido que fez essa monstruosidade é apresentado de todas as formas preconceituosas possíveis, como portador de HIV ou religioso islâmico e acusado de “passar o dia na internet”.  Ora, nenhuma destas três coisas explica coisa alguma sobre o ataque psicótico que o levou a atacar e matar crianças em uma escola.

Se explicassem, haveria milhares de tragédias assim, pois há milhões de soropositivos, de islâmicos e de nerds.

Só reforça esteriótipos e preconceitos, porque nem Aids, nem fé muçulmana ou internet fabricam este tipo de loucura.

A tão falada carta do homicida a cada hora é usada para achar uma “lógica” num ato ilógico, louco, transtornado. Uma exploração irresponsável, discriminatória e cheia de ódios. Afinal, a carta  apareceu e não faz referência a nada do que se falou na imprensa, irresponsavelmente.

E ficaram falando em “fundamentalismo islâmico”. Que vergonha!

Aliás, não é só a mídia que está agindo com leviandade. O Senador José Sarney perdeu uma boa oportunidade de ficar calado. Suas declarações de que o ato foi “terrorismo” e de que era preciso colocar “segurança pública”  (o que seria isso, artes marciais, defesa pessoal, ou o que?) no currículo das escolas  são lamentáveis.

Como eu disse antes, o colégio era tranquilo, nunca tinha registrado incidentes de violência e até tinha um bom sistema de segurança. ora, ninguém está livre de deixar entrar um louco sob a aparência mais cândida do mundo.

Não é hora de histeria. Todos vocês  lembram dos demagogos que prometiam -parece que se mancaram – colocar um guarda em cada esquina, como se um guarda próximo fosse evitar este massacre. Não evitaria, até porque, casualmente, havia policiais perto e eles agiram rapidamente. A presença de um policial sentado dentro da escola só ia, provavelmente, fazer com que um louco disposto a chacinar começasse por ele, de surpresa.

Posto, aqui embaixo, um trecho da fala da presidenta Dilma Rousseff dizendo o que deve ser dito: que este tipo de acontecimento não era característica de nossos país, nos convidando a repudir esse absurdo e a vivermos juntos a comoção que algo tão bárbaro provoca na gente.


Fonte: http://www.tijolaco.com/falta-de-seriedade-de-informacao-e-de-respeito/

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A escola de Realengo é espetacular !
Os neoliberais não acertam uma

Publicado em 10/04/2011


Na primeira página de caderno de supostos artigos de “alto nível” (“Aliás, a semana em revista”), aparece uma foto do tipo “choca-e-faz-chorar”: gotas de sangue que escorrem e estancam na parede da escola Tasso da Silveira, em Realengo.

O autor da foto é Fernando Gabeira, repórter do Estadão.

Deve ser duro ilustrar a capa de uma gôndola de perfumaria inútil do Estadão, depois de ser chefe do departamento de pesquisa do Jornal do Brasil (quando era, de longe, o melhor jornal do Brasil) e sequestrar o embaixador americano.

A foto do Gabeira deveria ser comprada pelo jornal nacional.

Faz parte da mesma ideologia que descreveu a tragédia do Rio – “previsível”, disse a Globo, enquanto o tsunami do Japão foi “imprevisível” -  como uma prova da incúria do Estado: municipal ( a Tasso é municipal), estadual e, claro, federal.

A Globo sempre tenta pendurar alguma coisa no pescoço da Dilma e/ou do Lula.

Onde já se viu não ter detetor de metais ?, perguntavam os “âncoras matinais” da Globo.

Foi preciso que um especialista da própria Globo considerasse aquilo uma sandice desvairada.

A foto do Gabeira, essa versão Cartier-Bresson no Estadão, tem a mesma leitura subliminar: dramatizar para espinafrar; chocar para desmoralizar.

(Cartier-Bresson fazia fotos em preto e branco, numa Leica, e não admitia que a foto fosse cortada na revelação. Saía pronta da máquina.)

Ou seja, desmoralizar o Estado, o investimento público.

Este ansioso blogueiro tem o péssimo hábito de ser repórter.

Ele testemunhou o fracasso retumbante na ocupação do Alemão.

Viu que a política Cabral-Beltrame era, de fato o desastre anunciado pelo PiG (*) e seus dominicais colonistas (**), quando foi conhecer a tenente Priscila, na UPP que fica no alto do morro Dona Marta.

Um horror !

(O candidato a prefeito Fernando Gabeira defendia a política do Soweto para as favelas do Rio – “Quem está fora não entra, quem está dentro não sai”. Um jenio !)

Este ansioso blogueiro foi à Escola Tasso da Silveira, em Realengo.

Ela tem câmera.

(Quem poderia ter filmado a ação interna, com atirador, as crianças a correr, e o tiro no abdômen do suicida, desfechado pelo Sargento Alves. A Globo ?)

A escola tem interfone.

A escola tem grade que separa a porta da rua da parte interna do colégio, onde ficam as crianças.

A escola tem porteiro durante todo o período de funcionamento.

Por que o atirador entrou com tanta facilidade ?

Como ex-aluno, uma semana antes ele foi pedir o histórico escolar.

Voltou para recebê-lo.

E disse que queria falar com a professora Dorotéia, a decana da escola: está lá desde a fundação há quarenta anos.

De fato, subiu à sala de leitura, falou rapidamente com a professora, que estava numa outra tarefa.

Pediu que ele esperasse um pouco.

Levantou-se para concluir o trabalho.

Ele se levantou, foi para o corredor e começou a matança.

Este ansioso blogueiro entrevistou professora da Tasso.

Está na escola há 13 anos.

Conhece muitos pais e mães de alunos pelo nome.

Diz que as reuniões de pais e mestres são respeitadas pelas famílias.

Que a disciplina é rigida

Este ano, no primeiro dia de aula, repreendeu um aluno indisciplinado e mandou chamar a mãe do menino.

No dia seguinte, ela estava lá, para enquadrar o filho, na frente da professora.

Nunca houve ali um caso de violência ou de consumo de droga.

A escola fica numa posição elevada no ranking das escolas municipais do Rio.

Tem alunos cegos e surdos.

Eles recebem aulas especiais e regulares.

Ela, por exemplo, tem uma excelente aluna cega.

(É esse sistema de integração de aulas especiais com aulas regulares que o Ministro Haddad vai instalar no Instituto dos Surdos, no Rio, apesar da feroz resistência do Globo)

A escola Tasso da Silveira é exatamente o que o PiG (*) diz que NÃO são as escolas públicas.

O PiG descreve a escola pública – como a saúde pública – como um desastre irrecuperável.

Logo, para que dar dinheiro ao Estado, se o Estado não dá nada em troca ?

E melhor deixar a grana na mão do livre empreendedor, na mão do Di Gênio, que saberá educar nossas crianças melhor que a professora Dorotéia.

É assim que funcionam os neoliberais.

Com a ajuda de um certo repórter do Estadão.

Quem nasceu para Gabeira não vai ser o Cartier-Bresson, nunca.


Paulo Henrique Amorim



(*) Em nenhuma democracia séria do mundo, jornais conservadores, de baixa qualidade técnica e até sensacionalistas, e uma única rede de televisão têm a importância que têm no Brasil. Eles se transformaram num partido político – o PiG, Partido da Imprensa Golpista.

(**) Não tem nada a ver com cólon. São os colonistas do PiG que combateram na milícia para derrubar o presidente Lula e, depois, a presidenta Dilma. E assim se comportarão sempre que um presidente no Brasil, no mundo e na Galáxia tiver origem no trabalho e, não, no capital. O Mino Carta costuma dizer que o Brasil é o único lugar do mundo em que jornalista chama patrão de colega. É esse pessoal aí.


Fonte: http://www.conversaafiada.com.br/brasil/2011/04/10/a-escola-de-realengo-e-espetacular-os-neoliberais-nao-acertam-uma/


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