30/7/2014, Jacobin Magazine.
Por Greg Shupak, Professor de estudos de mídia da Universidade de Guelph, no Canadá.
Traduzido pelo pessoal da Vila
Vudu
"Todos nós, cidadãos de estados que ajudam Israel a fazer o que faz, temos de forçar nossos governos a parar de colaborar com Israel. Enquanto não conseguirmos que parem, todos nós somos responsáveis por essa horrorosa violência lógica – que Israel ‘explica’ todos os dias"
A violência dos israelenses não é ‘sem sentido’: ela
segue uma lógica colonial.
Entende-se que, para muitos, as ações de Israel na Faixa de Gaza sejam massacre
e carnificina como tais. É interpretação plausível para a matança[1] de 1.284 palestinos, pelo menos 75% dos quais são
civis, e ferir outros 7.100.
Ver Israel como dedicado a derramamento gratuito de sangue parece até mais
razoável, como conclusão, à luz do massacre[2] de 63 pessoas em Shujaiya depois[3] de “uso extensivo de fogo de artilharia em dúzias de áreas
populosas em toda a Faixa de Gaza” que deixou cadáveres “espalhados pelas
ruas”, ou o bombardeamento[4] de abrigos da ONU abertos para acolher os que fugiam da
violência. É conclusão também tentadora, baseada em relados de Khuza’a,[5] área no interior do território da Faixa, e que também foi
cenário de mais um massacre pelos israelenses.
Mas descrever essa violência como ‘maldade em si’, como ‘perversão’ ou como ato
sem outro objetivo além do assassinato em si deixa escapar a própria lógica que
preside tudo que Israel está fazendo com sua Operação Linha de Proteção, agora,
mas que de fato faz há muito tempo, ao longo de toda sua história.
Como diz Darryl Li, em “A Solução ‘Nenhum Estado’”,[6]
“Desde 2005, Israel vem desenvolvendo um experimento
raro,
[7] talvez sem precedentes, de gestão colonial na Faixa de
Gaza,” procurando sempre “isolar os palestinos de qualquer contato com o mundo
exterior, torná-los absolutamente dependentes da caridade externa” e,
simultaneamente, cuidar de “absolver Israel de qualquer responsabilidade em
relação a eles.”
Essa estratégia, prossegue Li, é o modo pelo qual
Israel trabalha para manter maioria de judeus nos territórios que controla, de
modo a poder continuar a negar direitos iguais para o restante da população.
Suprimir a resistência palestina[8] é crucial para o sucesso do experimento israelense. Mas há
um corolário, a saber, uma interação cíclica entre o colonialismo israelense e
o militarismo norte-americano.
Como explica Bashir Abu-Manneh,[9] há uma relação entre o imperialismo norte-americano e as
políticas sionistas.
Políticos norte-americanos creem que uma aliança com Israel ajuda os EUA a
controlar o Oriente Médio. Assim sendo, os EUA viabilizam o colonialismo e a
ocupação israelenses, o que, por sua vez, cria contextos para mais intervenções
dos EUA na região, que podem ser usados para tentar aprofundar a hegemonia
norte-americana.
O autor diz também que “os EUA têm determinado grandes resultantes econômicas e
políticas” na região desde, pelo menos, 1967, e que Israel desempenha “papel
crucial nas realizações norte-americanas. Em Israel-Palestina, o que se tem é
que a força e uma paz colonial alternaram-se como principais instrumentos de
política.” Mas, em todos os casos, permanece sempre “o mesmo objetivo,
constante: a supremacia dos judeus na Palestina – o máximo possível de terra,
com o mínimo possível de palestinos sobre ela.”
O que os dois analistas, Li e Abu-Manneh destacam é a preocupação de Israel com
manter os palestinos em estado de impotência. Conduzida simultaneamente por sua
própria agenda de ocupação com colonização e por sua função como parceira dos
EUA no sistema geopolítico, Israel dedica-se a tentar equilibrar (i) seu desejo
de maximizar o território que controla e (ii) o imperativo de minimizar o
número de palestinos vivos nos territórios que Israel aspira a usar para seus
próprios objetivos.
Um modo de destruir qualquer sinal do poder dos palestinos tem sido deixado bem
à vista na Operação Linha de Proteção, durante a qual a violência dos
israelenses foi aplicada a detonar quaisquer sinais da independência palestina
– daí a conclamação que fez o ministro da Economia Naftali Bennett,[10] para “derrotar o Hamás.”
Resultado disso tudo, é que os palestinos não estão expostos exclusivamente à
violência mais extrema. Também a capacidade de os palestinos viverem
autonomamente na Palestina histórica tem sido atacada. A destruição da
infraestrutura no recente ataque[11] contra a única usina de produção de eletricidade de toda a
Faixa de Gaza é sinal bem claro disso. O massacre-crime israelense em curso não
põe fim só à vida de indivíduos palestinos, mas também visa a arrancar dos
palestinos como povo a capacidade de viver independentemente em sua terra tradicional
histórica.
Quando nega aos refugiados o direito natural protegido por lei de retornar,
Israel deixa ver abertamente a tática de que se serve para manter o quadro
demográfico com que sonha, criando condições inóspitas para a existência
autônoma dos palestinos; ao mesmo tempo, a mesma tática também pode assegurar a
Israel “o máximo possível de terra, com o mínimo possível de palestinos sobre
ela.”
A violência regida por essa lógica não é exclusividade do sionismo. É traço
central no colonialismo e tem paralelo histórico, por exemplo, na Trilha das
Lágrimas nos EUA ou no Canadá, com a limpeza étnica das planícies mediante o
processo de provocar premeditadamente grandes fomes[12] entre os povos nativos. A Operação Linha de
Proteção, dos israelenses, hoje, é ação desse tipo.
Impedir que um povo proveja a própria sobrevivência é um meio de sabotar a
capacidade de viverem autonomamente. Esse é o sentido do ataque de Israel
contra 46 barcos pesqueiros[13] de Gaza, ou dos ataques do 16º Dia[14] da Operação Linha de Proteção contra as áreas
plantadas no norte da Faixa de Gaza, na cidade de Gaza, na Faixa de Gaza
Central, em Khan Yunis e em Rafah. Assim é que se tem de entender que
Israel tenha-se dedicado a destruir 2/3 dos moinhos de trigo[15] de Gaza, e unidades que produziam ração para 3.000 animais[16] (para nem falar dos animais cuja morte também foi
provocada). Assim é que se deve interpretar o que a Dra. Sara Roy, de Harvard,
descreve como deliberada destruição de longo prazo e o desmanche da economia da
Faixa de Gaza,[17] ações que, a menos que haja aumento considerável na ajuda
oferecida pelo Alto Comissariado para Refugiados da ONU, provocarão fome em
massa.
Impedir absolutamente que os palestinos promovam a própria sobrevivência e de
suas famílias é também roubar-lhes a capacidade de funcionar por conta própria.
Essa é uma das implicações de “drogas psicotrópicas para pacientes de doenças
mentais, trauma e ansiedade” terem desaparecido dos estoques de medicamentos e
de o hospital de Shifa[18] “precisar com urgência de neurocirurgiões,
anestesiologistas, cirurgiões plásticos e gerais e ortopedistas, além de 20
leitos para UTI, uma máquina digital C-ARM para cirurgias ortopédicas, três
mesas de cirurgia e sistema de iluminação para todas as cinco salas
cirúrgicas.”
Essa é a ação – como dizem os Médicos sem Fronteiras, em conclamação[19] para que Israel “pare de bombardear civis cercados em
locais sem saída” – que já matou dois paramédicos e feriu dois outros, quando
tentavam resgatar feridos de Ash Shuja’iyeh. Essa é a implicação de Israel ter
destruído 22 instalações de atendimento a doentes e feridos,[20] inclusive pelo menos um ataque direto[21] contra o hospital al-Aqsa e a destruição do hospital o
hospital de reabilitação el-Wafa,[22] que foram atacados dias seguidos, várias vezes.
Esses ataques a hospitais foram causa de uma carta aberta publicada num dos
mais prestigiosos periódicos médicos do mundo, The Lancet,[23] na qual 24 médicos e cientistas relatam ter ficado
“horrorizados ante o massacre de civis em ações militares em Gaza, disfarçadas
como se fossem ações para punir terroristas”, “massacre que não poupou ninguém,
inclusive pacientes em cadeiras de rodas, em camas hospitalares e em leitos de
doentes em hospitais.”
Ataques a instituições religiosas, traço que se vê em todos os projetos de
ocupação com colonização, são outro modo de interferir na independência dos
palestinos. 88 mesquitas de Gaza foram danificadas,[24] o que equivale a dizer que foram danificados 88 pontos nos
quais as comunidades gazenses reuniam-se e tinham contato entre elas.
O ataque de Israel contra a cultura palestina também deve ser compreendido como
ato de violência contra os palestinos como povo. As culturas não são estáticas
e vivem processo infinito de construção, desconstrução e reconstrução das
próprias narrativas, de tal modo que os grupos se autocompreendem como
específicos e são compreendidos como tais por membros de culturas diferentes.
A capacidade de um povo para contar suas próprias histórias sobre eles mesmos é
aspecto chave de sua existência autônoma. Impedir a capacidade de os palestinos
desenvolverem essas práticas e respectivas narrativas é mais um crime de
Israel, quando destrói a casa do poeta Othman Hussein[25] e a casa do artista Raed Issa;[26] quando mata o cameraman Khaled Reyadh Hamad[27] em Shujaiya e Hamdi Shihab, motorista da agência de
notícias Media 24 de Gaza; quando ataca jornalistas falantes de árabe da al-Jazeera
e da BBC;[28] ou quando destrói o prédio onde funcionava a rádio Sawt
al-Watan.[29]
Minar a capacidade de um povo educar os seus jovens, treiná-los para trabalhar
e ensiná-los a pensar criticamente é mais um meio para minar a possibilidade de
existência independente. Por isso Israel destruiu completamente ou em parte,
133 escolas palestinas.[30]
Ao mesmo tempo em que destrói instituições culturais e educacionais para
impedir que os palestinos reproduzam-se culturalmente, Israel promove matança
em massa de 229 crianças palestinas, com 1.949 outras crianças feridas;[31] é o meio mais claro, e mais horrendo, de literalmente
cortar a capacidade de os palestinos continuarem a existir como grupo. É o
significado de Israel ter traumatizado 194 mil crianças,[32] dependentes hoje de assistência psiquiátrica. É o
significado também de Israel ‘racionar’[33] o atendimento a “cerca de 45 mil grávidas na Faixa de
Gaza, das quais 5 mil foram desalojadas.”
Israel impede também diretamente a vida dos palestinos quando destrói ou
danifica gravemente as residências de 3.695 famílias palestinas,[34] e cria condições nas quais se torna virtualmente
impossível levar avante as atividades do dia a dia que dão forma à
continuidades de outras gerações. Israel é causa hoje de 1,2 milhão[35] de palestinos “não terem acesso, ou só terem acesso
limitado a água e a serviços de esgoto, devido a danos no sistema de
eletricidade ou falta de combustível para fazer funcionar geradores.”
Todos nós, cidadãos de estados que ajudam Israel a fazer o que faz, temos de
forçar nossos governos a parar de colaborar com Israel. Enquanto não
conseguirmos que parem, todos nós somos responsáveis por essa horrorosa
violência lógica – que Israel ‘explica’ todos os dias.
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