Os termos para descrever o corrente massacre dos palestinos
em Gaza estão gastos. Em declaração ao Conselho de Segurança das Nações Unidas
nesta semana, o enviado da ONU Robert Serry apontou o número “assustador” de
civis mortos pelos ataques israelenses e a destruição “sem precedentes” do
território sitiado há quase oito anos. Mesmo assim, o fim de mais um
cessar-fogo e o impasse das negociações no Egito são racionalizados enquanto
peças de um jogo.
Enquanto cada vez mais movimentos e grupos políticos por
todo o mundo tomam posições de condenação contra a operação que o
primeiro-ministro de Israel Benjamin Netanyahu e o ministro da Defesa Moshe
Ya’alon lançaram contra a Faixa de Gaza há mais de 40 dias, os números da
devastação do território palestino completamente cercado continuam quebrando
recordes.
Há cerca de duas semanas, Israel tenta se declarar vitorioso
de uma guerra unilateral contra os palestinos, embora apresente os membros da
resistência armada enquanto inimigos militares, em certos momentos, ou enquanto
“combatentes ilegais”, em outros, quando convém taxá-la de “terrorista” – o que
supostamente permitiria um “relaxamento” da conduta – para se esquivar das
denúncias de crimes de guerra perpetrados.
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A esquizofrenia nas posições das autoridades israelenses é
instrumental e compõe o esforço do governo e do seu aparato jurídico-militar
para se livrar da investigação sobre suas violações do direito internacional
humanitário pelo Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas ou,
eventualmente, pelo Tribunal Penal Internacional, apesar de inúmeros
obstáculos.
De acordo com as autoridades palestinas, já são cerca de
2.040 pessoas mortas; mais de 70% eram civis e quase 550, crianças, além de 11
funcionários do corpo humanitário. Quase 10 mil lares, 69 mesquitas e ao menos
10 hospitais foram completamente destruídos e milhares de outras casas ficaram
danificadas, mas as forças israelenses continuam alegando que a devastação é de
responsabilidade das autoridades palestinas, repetindo a ladainha sobre o uso
de civis como “escudos humanos” neste território densamente povoado.
Desde a suspensão de mais um cessar-fogo temporário, nesta
terça-feira (19), mais de 25 ataques aéreos israelenses já mataram mais
pessoas, inclusive a esposa e um bebê do comandante Mohammed Deif das Brigadas
Ezedin al-Qassam, ligadas ao Hamas, e uma família de sete, nesta quarta (20). O
ministro do Interior de Israel Gideon Saar disse que Deif “merece morrer”,
quando explicou à Rádio Militar o ataque aéreo contra um prédio de seis andares
que ficou destruído, na Cidade de Gaza. As Brigadas Al-Qassam informaram que
seu líder está vivo, enquanto as autoridades israelenses continuam relativizando
as mortes de tantos civis com termos como os supostos “objetivos militares” que
as justificariam. Veja imagens da região da casa de Deif, divulgadas pela
agência Reuters (sem legendas para português):
No último mês, houve três massacres em escolas da Agência
das Nações Unidas para Assistência e Trabalhos (UNRWA) que também foram
bombardeadas, embora abrigassem milhares de pessoas que tiveram de deixar suas
casas, com o conhecimento das forças israelenses sobre o seu local exato,
comunicado pela própria agência. Ao menos 450 mil palestinos de uma população
de 1,7 milhão foram forçados a buscar abrigo devido aos bombardeios, de acordo
com a UNRWA e com a Organização para a Libertação da Palestina (OLP), em
relatório divulgado pelo Departamento de Assuntos de Negociações, nesta
quarta-feira (20).
O documento reafirma um parecer recentemente emitido também
pela Cruz Vermelha, de que “o desrespeito israelense pelas vidas dos palestinos
tem resultado nas mortes de centenas [de pessoas],” e insta os aliados de
Israel, assim como outros membros da comunidade internacional, a tomarem uma
posição que encerre a repetição do massacre dos palestinos.
Nos últimos cinco anos, três operações militares oficiais
mataram mais de 3,5 mil pessoas e causaram a devastação da infraestrutura
básica de Gaza, um território de 365 quilômetros quadrados onde os palestinos
já sofriam restrições de movimentação por Israel desde 1991 e que está
completamente bloqueado desde 2007, o que leva até mesmo o envio de ajuda humanitária emergencial a depender do aval israelense.
Apenas o atual premiê Netanyahu ordenou duas dessas
operações, em 2012 e a atual, além de garantir o avanço exponencial da ocupação
militar e da construção de colônias em território palestino, também sob a ameaça
e a ofensiva fatal e a repressão brutal na Cisjordânia e em Jerusalém Oriental.
A agressão israelense contra os palestinos continua sendo multidimensional e
talvez mais intensificada no governo de Netanyahu, cuja coalizão inclui
representantes racistas do movimento de colonização e opressão dos palestinos
em cargos principais.
Ainda assim, em Gaza, a recusa do Hamas, partido à frente do
governo, em aceitar mais um cessar-fogo volátil que manteria os palestinos de
um território sitiado e desmilitarizado na mira das cíclicas e intensificadas
ofensivas israelenses é apresentada pelo governo e por grande parte da mídia de
Israel enquanto a posição de uma “organização terrorista”, como é taxado o
Hamas, que prefere a violência e é responsável pelas mortes de tantos
palestinos. Além disso, Izzat al-Rishq, membro da delegação palestina nas
negociações no Cairo, afirmou à agência de notícias Maan que Israel continua
impedindo o avanço dos diálogos, colocando obstáculos deliberadamente às mais
simples das demandas palestinas.
Novamente, a movimentação da liderança política e da mídia
israelense contra ou em “cautela” a respeito do papel do canadense WilliamSchabas, nomeado pelo Conselho de Direitos Humanos da ONU para investigar a
condução da atual ofensiva, preconiza mais uma falência na responsabilização
das autoridades por trás do massacre cíclico dos palestinos, a menos que a
comunidade internacional se posicione para evitar mais essa catástrofe e
reafirme a prioridade central, a libertação palestina.
Caso contrário, essa repetição trágica toma proporções cada
vez mais assombrosas, enquanto as autoridades israelenses continuam investindo
em apresentar-se enquanto as próprias vítimas com direito ao genocídio, este
termo politizado e evitado devido aos pressupostos jurídicos que praticamente
inviabilizam o seu emprego – como a comprovação da “intencionalidade de
eliminação de um grupo” – enquanto se escasseiam as palavras para descrever a
morte dos palestinos.
*Moara Crivelente é cientista política e jornalista, fez
parte da redação do Portal Vermelho e integra o Centro Brasileiro de Solidariedade
aos Povos e Luta pela Paz (Cebrapaz)
ate quando.?
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